Opinião

Polícia Penal é novidade no sistema de segurança pública

Autores

  • Henrique Hoffmann

    é delegado de Polícia Civil do Paraná autor pela Juspodivm professor da Verbo Jurídico Escola da Magistratura do Paraná e Escola Superior de Polícia Civil do Paraná mestre em Direito pela Uenp colunista da Rádio Justiça do STF e ex-professor do Cers TV Justiça Secretaria Nacional de Segurança Pública Secretaria Nacional de Justiça Escola da Magistratura Mato Grosso Escola do Ministério Público do Paraná Escola de Governo de Santa Catarina Ciclo Curso Ênfase CPIuris e Supremo.

  • Fábio Roque

    é juiz federal doutor e mestre em Direito Público pela UFBA. Professor-adjunto da Faculdade de Direito da UFBA professor do Mestrado em Direito da UCSal professor em cursos preparatórios e autor pela Juspodivm.

12 de dezembro de 2019, 6h01

É indubitável que a segurança pública é questão prioritária na agenda de qualquer nação. Como a Constituição Federal possui dentre suas tarefas dispor sobre a estrutura do Estado e do Poder, por meio de normas denominadas elementos orgânicos, o legislador constituinte concebeu um capítulo específico para tratar da segurança pública.

Em que pese existirem disposições esparsas sobre as Polícias Legislativas (artigos 51, 52 e 27, §3º), o principal dispositivo constitucional consiste no artigo 144, que lista os órgãos policiais e suas respectivas atribuições.

Numa ala estão as Polícias Ostensivas (Administrativas, Preventivas), com incumbência de manter a ordem pública evitando a prática de infrações penais, por meio do policiamento ostensivo. Aqui se encaixam a Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Militar, Polícia Legislativa e a Guarda Municipal[1]. E a Polícia Penal, criada pela Emenda Constitucional 104/19.

Noutro flanco se encontram as Polícias Judiciárias (Investigativas), com tarefa de apurar os crimes não evitados, através da investigação policial. Nessa categoria estão a Polícia Federal (que também possui atribuição preventiva) e a Polícia Civil.

Interessante notar que a segurança pública, dever do Estado e direito e responsabilidade de todos, compreende todos os entes federativos.[2]

Essas são as Polícias no sentido técnico da palavra, por serem as instituições autorizadas a realizar prevenção de crimes ou sua investigação. Todavia, há outros órgãos que, apesar de não terem a missão de diretamente prevenir ou investigar ilícitos penais, são importantes para a segurança pública, e por isso mesmo foram listados como integrantes operacionais do Sistema Único de Segurança Pública pela Lei 13.675/18. Podem ser mencionados os agentes de trânsito (diretamente voltados à prevenção e apuração de ilícitos administrativos de trânsito) e os peritos (com missão imediata de auxiliar, por meio de laudo pericial, a persecução penal presidida pelo delegado ou juiz).

O sistema penitenciário não era catalogado como Polícia pelo fato de se dedicar precipuamente à prevenção e apuração de ilícitos disciplinares (e não penais) cometidos pelos presos no interior dos estabelecimentos penais, permitindo o respeito às normas de execução penal (artigos 41, parágrafo único, 54 e 71 da LEP). A Polícia Penal, que surge em sua substituição, persiste com essa atribuição, que agora é acrescida da segurança dos estabelecimentos penais (não só interna, mas também externa), conforme recém incluído §5º-A do artigo 144 da Constituição. Evitar o cometimento de crimes traduz tarefa de Polícia Ostensiva, ainda que restrita aos limites da penitenciária, colônia, casa do albergado ou cadeia pública. A segurança externa dos presídios, para coibir delitos como tráfico de drogas, armas, dano e arrebatamento de presos, em muitos locais vinha sendo feita pela Polícia Militar, e agora deve definitivamente passar para as mãos da Polícia Penal.

Com efeito, a partir da Emenda Constitucional 104/19, o rol das polícias listadas no artigo 144 fica acrescido das polícias penais federal, estaduais e distrital. Significa dizer que a Polícia Penal só não existe no âmbito municipal. No caso do DF, a União deve organizar e manter a Polícia Penal, assim como ocorre com a Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar (artigo 21, XIV), devendo ser regida por lei federal (artigo 32, §4º).

Enquanto a Polícia Penal Federal se subordina à União (portanto ao Presidente e, mais especificamente, ao Ministro da Justiça e Segurança Pública), a Polícia Penal Estadual ou Distrital se vincula ao Estado ou DF (portanto ao Governador e, mais especificamente, ao Secretário de Segurança Pública), conforme dicção do artigo 144, §6º da CF e artigos 71 e 74 da LEP.

Relevante sublinhar que o fato de se tratar de uma Polícia não confere autorização, por si só, para o órgão policial realizar toda e qualquer competência relacionada à segurança pública, sendo imprescindível o respeito ao princípio da legalidade. É dizer, por força da conformidade funcional, o agente público só está autorizado a desempenhar a atividade expressamente conferida pelo legislador. A necessária integração entre as polícias deve ser feita nos limites de suas competências (artigo 9º da Lei 13.675/18). Trata-se de um direito do cidadão em qualquer Estado de Direito.

Nesse sentido, o policial penal não pode realizar patrulhamento ostensivo além dos limites do estabelecimento penal, sob pena de invadir indevidamente o espaço de atuação da Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal ou Guarda Municipal. Tampouco está legitimado a investigar crimes, ainda que cometidos no interior da penitenciária ou cadeia, sob pena de usurpação de função da Polícia Federal ou Polícia Civil.

Não foi aprovada a redação sugerida inicialmente na Proposta de Emenda à Constituição, segundo a qual, além de realizar a segurança dos estabelecimentos penais, caberia à Polícia Penal “outras atribuições definidas em lei específica de iniciativa do Poder Executivo”. A retirada desse trecho impede a indevida ampliação de competência por ato infraconstitucional (por exemplo uma lei federal que autorizasse a Polícia Penal a realizar investigação criminal),

Merece registro a celeuma acerca da atribuição para realizar a escolta de presos. A polêmica decorre do vácuo legislativo, porquanto nem a Constituição nem lei federal estabelecem de maneira expressa essa competência. Contudo, majoritariamente já se entendia se tratar de missão da atual Polícia Penal, e não da Polícia Militar, pois o transporte de custodiados não configura policiamento ostensivo de prevenção genérica de crimes, sendo atividade ínsita à custódia de encarcerados para prover a segurança exclusivamente no trajeto dos presos. Por isso mesmo o Regimento Interno do Departamento Penitenciário Nacional prevê a escolta como uma de suas tarefas.

Quanto ao preenchimento do quadro de servidores das Polícias Penais, será feito “exclusivamente, por meio de concurso público e por meio da transformação dos cargos isolados, dos cargos de carreira dos atuais agentes penitenciários e dos cargos públicos equivalentes” (artigo 4º da Emenda Constitucional 104/19).

Houve posicionamentos contrários à reforma, por supostamente permitir que a Polícia Penal usurpe funções de outras polícias e implemente uma atuação militarizada baseada na lógica do inimigo. No entanto, nova redação da Constituição em momento algum autoriza tais abusos.

Como deixou claro o legislador na Proposta de Emenda à Constituição, o objetivo dessa mudança foi valorizar os agentes penitenciários, conferindo-lhes os direitos inerentes à carreira policial, e permitindo uma melhor estruturação da agora Polícia Penal.

É público e notório que o Brasil possui uma das maiores populações carcerárias do mundo — mais de 800mil presos[3], e um sistema carcerário em estado de coisas inconstitucional[4] — com violação generalizada de direitos fundamentais dos presos (submetidos a condições subumanas) e da sociedade (refém dos líderes do crime organizado que continuam delinquindo de dentro das celas).

Nessa esteira, toda medida com intuito de melhorar essa tragédia é bem vinda. Entretanto, que ninguém se engane: a mera criação de uma nova Polícia não consistirá em panaceia para os problemas se não for acompanhada de investimentos suficientes em recursos humanos e materiais.


1 Em que pese alguns sustentarem que a Guarda Municipal não é Polícia pelo fato de não estar listada nos incisos do art. 144, mas apenas no §8º, a natureza de um órgão se define mais pela sua atribuição do que pelo nome; por isso, como a Guarda Municipal atua no policiamento ostensivo nos limites do município para proteger bens, serviços e instalações municipais, inegavelmente atua na preservação da ordem pública evitando crimes, sendo portanto Polícia Administrativa.

2 HOFFMANN, Henrique; FONTES, Eduardo. Sistema Único de Segurança Pública é avanço, mas precisa sair do papel. Revista Consultor Jurídico, set. 2018. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2018-set-25/academia-policia-sistema-unico-seguranca-publica-avanco-sair-papel>. Acesso em: 25 set. 2018.

3 Dados de 2019 do Banco de Monitoramento de Prisões, do Conselho Nacional de Justiça.

4 STF. ADPF 347, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 09/09/2015.

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  • Brave

    é delegado de Polícia Civil do Paraná. Professor do Cers (onde também coordena a pós-graduação), da Escola da Magistratura do Paraná, da Escola da Magistratura de Mato Grosso, da Escola Superior de Polícia Civil do Paraná e do Senasp. Mestre em Direito pela Uenp. Coordenador do Iberojur no Brasil. Colunista da Rádio Justiça do STF e autor e coordenador do Juspodivm. www.henriquehoffmann.com

  • Brave

    é juiz federal, doutor e mestre em Direito Público pela UFBA. Professor-adjunto da Faculdade de Direito da UFBA, professor do Mestrado em Direito da UCSal, professor em cursos preparatórios, e autor pela Juspodivm.

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