Opinião

O acordo de não-persecução penal nos crimes funcionais

Autor

  • Renee do Ó Souza

    é mestre em Direito promotor de Justiça em Mato Grosso membro auxiliar do Conselho Nacional do Ministério Público e professor e autor de obras jurídicas.

12 de dezembro de 2019, 14h03

A era da justiça negocial, tendência mundial que se avizinha em nosso país, tem como principal ponto positivo uma atuação pautada na racionalidade gerencial porque assegura, de um lado, resposta mais rápida aos crimes menos graves, respeitando sempre a autonomia da vontade do investigado e a ampla defesa, garantida pela indispensabilidade da defesa técnica e, de outro lado, permitindo ao Ministério Público e ao Poder Judiciário maior dedicação e celeridade no que toca à apuração de crimes graves.

O chamado pacote anticrime contempla, em duas ocasiões, os chamados acordos penais, de modo que é imprescindível uma preparação dos membros do Ministério Público para esta nova realidade[1].

De todo modo, independentemente de sua aprovação, vigora no país o Acordo de Não Persecução Penal, regulamentado pela Resolução n.º 181/2017 do CNMP, que não impede a celebração desse ajuste nos casos de delitos praticados contra a administração[2]. Em razão disso, e considerando o patamar de pena mínima inferior a 4 anos previsto no art. 18 da citada resolução, verifica-se o cabimento do acordo em praticamente todos os crimes funcionais previstos na legislação penal brasileira.

Esse amplo alcance, todavia, não pode levar a destutela da administração pública, situação possível no caso de as condições fixadas no acordo serem insuficientes para aquela proteção. Em casos de elevada gravidade do fato, grande extensão do dano causado, ou significativo proveito patrimonial obtido pelo agente, na dicção do inciso V do art. 18 da Resolução, podem ser ajustadas condições suplementares desde que proporcionais e compatíveis com a infração penal aparentemente praticada.

Podem, desse modo, ser avençadas condições como i) compromisso de não contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por determinado período; ii) exoneração ou renúncia do cargo, função pública ou mandato eletivo; iii) renúncia ao direito de candidatar-se a cargos públicos eletivos, por determinado período.

Trata-se de condições que resguardam o efeito prático equivalente à alguns dos efeitos penais secundários e extrapenais de uma sentença penal condenatória, como a perda do cargo, função pública ou mandato eletivo, suspensão dos direitos políticos e inelegibilidade ou inabilitação para outro cargo público.

É certo que as condições acima exemplificadas também podem ser inseridas no inciso II do art. 18 da Resolução que prevê a possibilidade de previsão de condição com renúncia voluntária de direitos que serviram de instrumentos do crime.

Porém, a proporcionalidade e a compatibilidade da condição suplementar, mencionadas no inciso V, que deverão servir de vetor para a fixação de condições que atendam ao princípio da proporcionalidade, que deve pautar-se pela função deontológica contida no art. 17, §1º, da Lei 8.429/1992, a saber, indicar ao julgador que sua discricionariedade para aplicar as penas previstas na lei está limitada por uma regra ética mínima, um núcleo duro, que se violado expõe, perigosamente, o direito fundamental a probidade administrativa a uma proteção insuficiente. De um modo geral, violam referida norma, decisões fáceis ou levianas, que desrespeitam esse mínimo ético protetivo, aptas a produzir desconfiança e insegurança ao sistema de defesa da probidade.

É dizer: Os acordos penais não devem transacionar, negociar e acordar as penas da de modo inadequado, desnecessário e insatisfatório para proteger o direito fundamental à probidade administrativa. Ultrapassar esse limite mínimo enseja violação do princípio da proporcionalidade na vertente proibição da proteção deficiente visto que dispor do direito sancionador nesses casos leva uma desproteção àquele direito fundamental.

Os acordos devem assim compatibilizar a proteção normativa pretendida pelo projeto constitucional decorrente do art. 37, § 4º, da CF razão pela qual comportam, com criatividade e atendimento ao caso concreto, medidas e condições suplementares a serem inseridas no ajuste negocial.


[1]Sobre o Projeto de lei , confira nossa obra “Projeto de Lei Anticrime”, editora juspodivm, 2019, disponível no site da editora https://www.editorajuspodivm.com.br/projeto-de-lei-anticrime-2019.

[2]Para maiores estudos sobre o Acordo de Não Persecução, confira-se nossa obra “Acordo de Não Persecução Penal”, editora juspodivm, 2019, disponível no site da editora https://www.editorajuspodivm.com.br/acordo-de-nao-persecucao-penal-20182.

Autores

  • Brave

    é mestre em Direito Pelo Centro Universitário de Brasília; pós-graduado em Direito Constitucional, Direito Processual Civil, em Direito Civil, Difusos e Coletivos; promotor de Justiça em Mato Grosso; membro Auxiliar da Unidade Nacional de Capacitação do Conselho Nacional do Ministério Público; professor e autor de obras.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!