Guerra jurídica

"Se houve quadrilha neste país, ela se chama 'lava jato'", diz Lula

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12 de dezembro de 2019, 9h40

“Se houve alguma quadrilha neste país, ela se chama ‘lava jato’”, afirma o ex-presidente Lula. A declaração foi um comentário ao fato de a denúncia apelidada pelos integrantes da “lava jato” de “quadrilhão do PT” ter sido rejeitada pela Justiça Federal em Brasília, após pedido do MPF do Distrito Federal.

Ricardo Stuckert
Ricardo Stuckert

Foi também um comentário sobre a forma como o ex-juiz Sergio Moro conduziu as atividades da “lava jato”: a denúncia julgada por um juiz imparcial, não ligado às intenções políticas de Curitiba, sequer viu indícios mínimos de materialidade e autoria em um dos principais inquéritos da investigação, analisa a defesa do ex-presidente.

Lula falou na quarta-feira (11/12) na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, durante evento de lançamento do livro Lawfare: Uma Introdução, dos advogados Cristiano Zanin Martins, Valeska Teixeira Martins e Rafael Valim.

O caso do quadrilhão era central para a “lava jato”. Foi nele que os procuradores pintaram Lula como o chefe de uma grande organização criminosa cujo objetivo era desviar dinheiro da Petrobras para o sistema político. O PT, segundo essa argumentação, seria uma máquina de arrecadar dinheiro e formar maiorias parlamentares para aprovar projetos de poder, e não um partido.

E foi nesse inquérito que o procurador da República Deltan Dallagnol fez sua patética apresentação que mostrava Lula como a causa de todos os problemas relacionados a corrupção no país – na verdade, a única denúncia que havia no momento era a do apartamento no Guarujá (SP); a do quadrilhão estava com a Procuradoria-Geral da República, que sofria pressões dos procuradores de Curitiba para adiantar o passo com as investigações, para que a narrativa fizesse sentido.

Mas durante a entrevista coletiva para apresentar as investigações, Deltan disse que ainda não havia provas, mas que os investigadores estavam convictos de que o esquema funcionava daquela forma. “O Conselho Nacional do Ministério Público deveria ter exonerado Deltan ali”, disse Lula, na quarta, no Largo São Francisco. “O MP é uma instituição séria, que não pode ter espaço para messiânicos que se consideram paladinos da verdade.”

O livro lançado nesta quarta é uma apresentação do conceito de lawfare, ou guerra jurídica. Na definição dos autores, “é o uso estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo”. Lula seria um desses inimigos. A obra também conta os casos da multinacional alemã Siemens, investigada por corrupção em 2008, e do senador republicano Ted Stevens, que em 2006 passou a ser investigado, também por corrupção.

Em ambos os casos, as investigações estavam ligadas a questões políticas e comerciais, e os autores acreditam que Lula seja outro exemplo disso, diante do interesse de empresas norte-americanas nas reservas de petróleo do Pré-Sal.

“Espero que o meu caso vire motivo para que esse livro seja estudado em todas as faculdades de Direito do país, para que todos possam ver que o Direito é importante”, disse Lula em discurso para um auditório lotado de estudantes, militantes do PT, advogados e amigos. Entre os militantes, a empolgada juventude do PT e figuras históricas como José Genoíno. Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e candidato a presidente em 2018, e o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim também estavam lá. A ex-presidente Dilma Rousseff confirmou presença, mas não foi.

Submundo
O ex-primeiro-ministro de Portugal José Sócrates também falou durante o evento. Ele próprio se considera uma vítima de guerra judicial, mas com motivações internas.

Sócrates deixou o comando do governo em 2011, depois que sua proposta para combater a recessão econômica foi rejeitada pelo Parlamento – que acabou pedindo resgate ao Fundo Europeu de Estabilizações Financeiras, endividando o país, como aconteceu com a Grécia e com a Irlanda.

Desde então, Sócrates vem enfrentando acusações de corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e fraude fiscal, que partem tanto da oposição quanto do Ministério Público e de jornais. “Nem direito de defesa, nem presunção de inocência, nem tribunais. Eis ao que chegou esse poder oculto, subterrâneo e quase absoluto que resulta dessa extraordinária aliança entre procuradores (alguns) e jornalistas”, escreveu num artigo publicado no fim de setembro no site Expresso.

“Em todos os tipos de lawfare, há uma aliança entre um submundo do jornalismo com um submundo da Justiça”, disse Sócrates, durante o evento em São Paulo. “O símbolo máximo dessa aliança é o que se chama aqui no Brasil, com muita graça, de vazamentos. É o símbolo desse poder oculto.”

Monstro sagrado
Lula, claro, foi o último a falar. A Sócrates, explicou que a “lava jato” é resultado de um “acordo tácito” entre Moro e os principais veículos de comunicação do país. “Antes de começar a ‘lava jato’, Moro foi ao Estadão, foi à Folha, foi à Globo, foi à Record, foi ao SBT, todo mundo, para dizer que só era possível prender políticos, ricos e poderosos se a imprensa ajudasse – ajudasse a tornar verdadeira a mentira que a ‘lava jato’ contou”, disse.

ConJur
O caso do quadrilhão voltou a ser exemplo em sua explanação. Segundo o ex-presidente, a denúncia do quadrilhão do PT mereceu uma reportagem de 12 minutos e 30 segundos do Jornal Nacional, o principal jornal televisivo do país. Já a rejeição da denúncia foi noticiada em 52 segundos, disse Lula. No Bom Dia Brasil, o jornal matinal da Globo, a denúncia mereceu 8 minutos. Sua rejeição, 30 segundos.

“Eu tenho 200 horas de notícias negativas sobre mim. Moro tem mil horas de notícias positivas”, afirmou o ex-presidente. “Tudo isso para construir esse monstro sagrado da ‘lava jato’ que desafiou a Câmara dos Deputados, o Senado, o Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria-Geral da República e até conseguiu coisas especiais, como a prisão em segunda instância.”

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