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Judiciário dos EUA se consolida como poder político-partidário

8 de dezembro de 2019, 8h19

Por João Ozorio de Melo

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Nesta semana, o Senado dos Estados Unidos aprovou, apenas com votos dos senadores republicanos (menos o voto de uma senadora do partido), a nomeação da advogada conservadora Sarah Pitlyk para o cargo de juíza federal — apesar de um parecer da American Bar Association (ABA) de “não qualificada” para exercer a função. Há longo tempo a ABA avalia a competência de candidatos a juiz federal.

Divulgação
A Suprema Corte dos Estados Unidos

Membros da comunidade jurídica se manifestaram da mesma forma, em cartas aos senadores. A desaprovação generalizada se baseia no argumento de que Sarah Pitlyk nunca participou de um julgamento, nem criminal, nem civil, e sua experiência em contenciosos está próxima de zero.

“A srta. Pitlyk nunca participou de um julgamento, nem mesmo como assistente do advogado principal. Ela nunca inquiriu uma testemunha. Nunca participou de um depoimento, jamais protocolou uma petição em cortes federais ou estaduais, nunca participou da seleção de jurados, não tem qualquer experiência em matérias criminais. Na verdade, ela fez uma defesa, apenas, em um tribunal de recursos”, escreveu em uma das cartas o presidente do Comitê Permanente da ABA, William Hubbard.

Então, que qualificações os senadores republicanos encontraram para aprovar sua nomeação? A advogada é uma militante ardorosa das causas conservadoras-republicanas. Ela tem se destacado principalmente por seu combate ao aborto, à barriga de aluguel e à fertilização in vitro — todas bandeiras republicanas.

Seu currículo mostra que, em termos de experiência jurídica, ela foi assessora do ministro da Suprema Corte Brett Kavanaugh, quando ele era juiz de um tribunal de recursos. Mas há uma explicação melhor: a advogada é filiada ativa da Federalist Society, uma organização formada por operadores do Direito conservadores e libertários, que diz ao presidente Donald Trump que juízes federais e ministros da Suprema Corte ele deve nomear. E o presidente aceita as indicações.

Por sua proximidade com Trump e sua influência decisiva na nomeação de juízes federais e ministros, o vice-presidente da Federalist Society, Leonard Leo, está ajudando a consolidar o maior sucesso do governo republicano até agora: o “empacotamento das cortes”, como é chamado, com juízes conservadores, fiéis ao partido.

Desde que tomou posse em 2017, o presidente Trump nomeou, com a ajuda da Federalist Society, dois ministros para a Suprema Corte, 48 juízes para tribunais de recursos, 120 juízes federais de primeira instância e mais dois juízes para a Corte Internacional do Comércio dos EUA. E já fez mais 48 indicações que aguardam aprovação do Senado.

Além disso, ainda há 98 cargos vagos, que os republicanos pretendem preencher antes do final do atual mandato do presidente Trump, segundo a Wikipedia. Por isso, a Federalist Society está trabalhando duro. Em uma reunião recente na Flórida, Leonard Leo declarou a membros da organização Council for National Policy:

“Temos de nos mobilizar de uma maneira sem precedentes para finalizar o trabalho. Precisamos entender que as confirmações judiciais, nos dias de hoje, são mais como campanhas políticas. Precisamos ser inteligentes como um movimento”.

Nos últimos anos, a Federalist Society investiu US$ 250 milhões entre instituições que promovem juízes e causas conservadoras e suas próprias campanhas para gerar apoio público a parlamentares que votam a favor de juízes conservadores, segundo o jornal Washington Post.

A advogada Sarah Pitlyk não é a primeira a ser nomeada juíza federal contra todas as recomendações. Em 24 de outubro, o Senado aprovou a indicação pelo presidente do professor de Direito Justin Walker, que também foi considerado “não qualificado” para exercer o cargo de juiz federal, por falta de experiência. E também foi assessor do ministro Brett Kavanaugh que, em 14 de novembro, foi homenageado pela Federalist Society.

A nomeação de juízes federais e ministros da Suprema Corte alinhados com bandeiras partidárias não é privilégio, no entanto, dos republicanos. Os democratas faziam a mesma coisa, quando no poder. E prometem voltar a fazer, se ganharem a Presidência e o Senado nas eleições de 2020.

O governo Trump vem levando uma grande vantagem porque, logo no início de seu governo, os senadores republicanos, com maioria no Senado, mudaram as regras do jogo, para confirmação de indicações do presidente.

A regra, que exigia os votos de dois terços dos senadores da Casa, passou a exigir apenas maioria simples (ou 51 votos), desde então. Assim, os republicanos não precisam mais da colaboração dos democratas para aprovar indicações do presidente. Basta que a competência do candidato seja a de ser politicamente bem conectado.