Guerra comercial

Eldorado: desembargador inova na interpretação da Lei das S/As.

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8 de dezembro de 2019, 22h47

Acionista que vende sua participação em empresa e se arrepende pode pedir de volta suas ações, mesmo depois de ter sido pago. Pelo menos se o julgador for o desembargador Nélio Stábile, do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. O caso concreto se inscreve na disputa entre a Paper Excellence e a J&F pelo controle da Eldorado Celulose. Stábile reafirmou sua decisão monocrática na sexta-feira (6/12).

O empresário Mário Celso Lopes, preso em 2017 sob acusação de gestão fraudulenta de fundos de pensão, vendeu à J&F, sete anos atrás, sua empresa que era acionista da Eldorado — a MJ Participações. Mas só agora, em novembro deste ano, resolveu questionar uma suposta diluição da participação da empresa que vendeu, em 2011. Invocou tutela de urgência. Stábile deu.

A defesa da J&F, que não foi ouvida antes da decisão do desembargador, protestou. A Lei das Sociedades Anônimas prevê prazo de dois anos para esse tipo de questionamento. O foro contratado entre as partes para resolução de controvérsias é a cidade de São Paulo. E Mário Celso usa como autor da ação um fundo que nunca foi acionista da Eldorado. A MJ, esta sim ex-acionista da Eldorado, foi adquirida pela J&F com seus direitos e obrigações, de forma que só a nova dona da empresa poderia reclamar eventuais direitos — contra si mesma, no caso.

Stábile afirma em sua decisão que o foro competente deve ser a cidade onde a Eldorado teria sede, Três Lagoas (MS). Na vida real, a sede da empresa, que não é parte na ação, fica em São Paulo — assim como a J&F. Em Três Lagoas fica a fábrica. A decisão também não explica a razão da tutela de urgência, já que o único fato do momento que cerca o assunto é a tentativa da Paper Excellence de assumir o controle da Eldorado, algo que, em tese, não deveria preocupar o desembargador.

Para dois especialistas ouvidos, a decisão do desembargador de reconhecer direitos provisórios para evitar dano por transação feita em 2011 é absolutamente inovadora.

Com seu despacho, Stábile revogou a decisão da 4ª Vara Cível de Três Lagoas. Para o juiz Márcio Rogério Alves, o lapso temporal entre a operação que se pretende anular (29/11/2011) e o ajuizamento da ação (13/09/2019) afasta a alegada urgência.

Alves também considerou temerária a concessão de tutela de urgência “antes de permitir-se o contraditório e a instrução processual”. O juiz salientou que a legislação não permite a antecipação de tutela no caso em questão.

A defesa da J&F afirmou que a decisão, além de não se justificar porque não há risco de prejuízo para o reclamante, representa risco para o grupo, “uma vez que se concedeu direito a voto para quem já admitiu, inclusive para a Justiça, ter vendido a totalidade de sua participação”.

Em seu despacho, o desembargador fundamenta a necessidade da urgência pela possível proximidade do desfecho da arbitragem que analisa litígio entre a J&F e a asiática Paper Excellence. O processo arbitral, no entanto, não acabará antes de setembro de 2020. A venda da Eldorado à Paper Excellence foi fechada em setembro de 2017 e deveria ter sido concluída até setembro de 2018. Os valores combinados não foram pagos.

Sobre o mérito da ação, em que Lopes pede indenização, a J&F apresentou à Justiça do MS documentos que demonstrariam que o empresário mentiu na ação para induzir os julgadores ao erro, “em atitude de manifesta má-fé”, afirma-se em juízo. Ele era sócio da J&F na Eldorado e alega que teve sua participação na empresa de celulose diluída sem sua anuência na incorporação.

A J&F apresentou a ata da assembleia de acionistas da Eldorado que aprovou a operação de forma unânime, com o voto de Mario Celso. A participação total do empresário na Eldorado, de 25%, foi comprada pela J&F em 2012, por R$ 300 milhões. A J&F apresentou comprovantes desse pagamento.

A defesa aponta ainda que a participação de Mario Celso na Eldorado nunca foi reduzida. Na incorporação, o empresário passou a deter 16,72% de participação direta na Eldorado e mais 8,28% indiretamente, por meio de sua participação no fundo FIP Florestal, totalizando os mesmos 25% que ele detinha antes e vendeu depois à J&F.

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