Opinião

Adicionais de periculosidade e insalubridade não são devidos ao mesmo tempo

Autor

  • Fernanda Rochael Nasciutti

    é advogada da área de Direito Trabalhista do Barbosa Müssnich Aragão mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Candido Mendes e bacharel em Direito pela Uerj.

6 de dezembro de 2019, 7h02

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (SDI-I) definiu, em julgamento realizado no último dia 26 de setembro de 2019[1], que não é possível o recebimento dos adicionais de periculosidade e insalubridade de forma cumulativa, ainda que o empregado esteja exposto a agentes nocivos e perigosos por diferentes fontes e ao mesmo tempo.

O trabalho exposto a condições de periculosidade assegura o direito ao recebimento de um adicional de 30% sobre o salário-base do empregado. As condições perigosas são definidas pela Norma Regulamentadora 16 como sendo aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco à vida do trabalhador em virtude de sua exposição a (i) inflamáveis; (ii) explosivos; (iii) energia elétrica; ou (iv) roubos ou outras espécies de violência física (para as atividades de segurança pessoal ou patrimonial).

Já o trabalho exercido em condições insalubres pressupõe a existência de circunstâncias prejudiciais à saúde do empregado, acima dos limites de tolerância estabelecidos pela Norma Regulamentadora 15, e que irão gerar o recebimento de adicional que varia entre 10%, 20% ou 40% do salário-mínimo regional, conforme o grau de exposição ao agente seja mínimo, médio ou máximo, respetivamente[2].

A polêmica dizia respeito à previsão contida no parágrafo 2º do artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho, a qual não permite o recebimento simultâneo dos dois adicionais[3].

Discutia-se, no entanto, a possível não recepção desta limitação contida na CLT, considerando que o artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal, asseguraria ambos os adicionais sem trazer qualquer restrição. Além disso, a cumulação se justificaria em virtude de cada adicional ter por objetivo proteger bens jurídicos distintos: a saúde do empregado (insalubridade) e a sua vida (periculosidade). Da mesma forma, sustentava-se que a Convenção 155 da OIT, que trata da saúde e segurança do trabalhador e da qual o Brasil é signatário, permitiria a cumulatividade.

Prevaleceu, no entanto, o entendimento da constitucionalidade do artigo celetista, tendo sido fixados, por maioria, para o Tema Repetitivo 17, os seguintes termos: “O artigo 193, parágrafo 2º, da CLT, foi recepcionado pela Constituição Federal e veda a cumulação dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, ainda que decorrentes de fatos geradores distintos e autônomos”[4].

Com a impossibilidade de cumulação dos dois adicionais declarada com força vinculante,e ressalvada eventual modulação dos efeitos que advenha do acórdão ainda não publicado, o entendimento dos tribunais deverá seguir no sentido de que, na hipótese de exposição a agentes insalubres e perigosos, caberá à empresa realizar o pagamento do adicional que seja mais benéfico ao empregado.

A decisão é de suma relevância para as empresas que possuem atividades consideradas pela legislação trabalhista como insalubres ou perigosas, especialmente aquelas que impactam os setores elétrico, petroquímico, de construção civil e farmacêutico, trazendo importante segurança jurídica a respeito do tema.

Neste sentido, entende-se salutar a decisão pela impossibilidade de cumulação dos adicionais, pois reflete o entendimento majoritário da jurisprudência dos tribunais trabalhistas até hoje, sobre questão que impacta sobremaneira o passivo trabalhista das empresas cuja atividade exige a exposição a estes agentes. Além disso, a nosso ver, a cumulação dos adicionais não se sustentava inclusive porque, no fim do dia, o bem tutelado é o mesmo: a saúde e vida do trabalhador.

Agora caberá às companhias revisitar o custo de sua produção, assim como revisar o seu contencioso e planejamento trabalhista, de forma a identificar oportunidades de mitigação (ou mesmo eliminação) de passivo relacionado ao tema.

No entanto, antecipa-se desde já a existência de outra polêmica: a discussão sobre qual deverá ser considerado o adicional mais benéfico em cada caso. Isto porque, em que pese ser pacífico que o adicional de periculosidade incide sobre o salário-base do empregado, ainda não está pacificada a discussão acerca da base de cálculo do adicional de insalubridade, enquanto não se encerrar a discussão a respeito da (in)constitucionalidade do artigo 192 da CLT, que dispõe que a sua incidência deve ser realizada sobre o salário mínimo.

Haverá, ainda, quem defenda a existência de uma janela de oportunidade, na forma do artigo 611-A da CLT trazido pela reforma trabalhista e que ampliou o poder de negociação dos sindicatos, para a definição através de negociação coletiva de qual dos adicionais será pago ao empregado em cada caso.

Por outro lado, há que se considerar que o artigo 193, parágrafo 2º, da CLT, prevê que “o empregado poderá optar pelo adicional”, definindo, portanto, que a escolha cabe ao trabalhador, independentemente do que lhe seja mais benéfico. Neste passo, considerando o princípio protetivo do empregado, que prevalece no Direito do Trabalho, resta saber se as cortes trabalhistas validarão decisão do empregado em qualquer caso, ainda que o adicional escolhido não lhe seja, ao final, mais favorável.

Em outras palavras, em que pese a salutar pacificação a respeito da impossibilidade de cumulação dos adicionais, as questões que envolvem a exposição a agentes nocivos estão longe de serem pacificadas e certamente ainda vão gerar inúmeras discussões perante as cortes trabalhistas.

[1] IRR 239-55.2011.5.02.0319.

[2] Sobre o adicional de insalubridade, até que se defina sobre a inconstitucionalidade do artigo 192 da CLT, prevalece atualmente o entendimento de que a base de cálculo é o salário mínimo regional, estando suspensa a Súmula 228 do TST que dizia que o adicional deveria ser calculado sobre o salário básico do empregado.

[3] Artigo 193 – São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a

I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;

II – roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.

§ 1º – O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa.

§ 2º – O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.

[4] Restaram vencidos os ministros Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Augusto César Leite de Carvalho, José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann, Cláudio Mascarenhas Brandão e Lelio Bentes Corrêa, estando o processo aguardando redação do acórdão pelo ministro Relator Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira.

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    é advogada da área de Direito Trabalhista do Barbosa, Müssnich, Aragão, mestre em Direito Processual pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Candido Mendes e bacharel em Direito pela Uerj.

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