Armas jurídicas

Promotor de SP cria punição extra para quem estaciona em vaga reservada

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5 de dezembro de 2019, 16h40

Em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, os termos de ajustamento de conduta e a ação civil pública viraram armas nas mãos do Ministério Público. Pelo menos desde julho, o promotor Ramon Lopes Neto vem notificado pessoas multadas por estacionar em vagas reservadas a idosos ou deficientes com uma proposta: ou a pessoa assina um TAC se comprometendo a "doar" R$ 2 mil aos fundos do Idoso e da Pessoa com Deficiência da cidade ou ele ajuíza uma ação civil pública para cobrar R$ 4 mil de indenização por danos morais coletivos.

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Promotor criou multa extra a motoristas

De acordo com o promotor, a pessoa que estaciona seu veículo numa vaga reservada, além de cometer infração de trânsito gravíssima, prejudica a coletividade e tem o dever de indenizar a sociedade. Ele tem escolhido os alvos a partir de acordo com a Transerp, a empresa municipal de fiscalização de trânsito de Ribeirão.

Por meio do acordo, a empresa se comprometeu a enviar ao promotor, todo mês, a lista de todas as pessoas multadas por estacionar em vagas reservadas. E aí o promotor entra em contato com as pessoas e faz sua proposta.

E não faz diferença se elas já tiverem pagado as multas — para o MP de Ribeirão, a previsão do Código de Trânsito Brasileiro não é suficiente, já que as pessoas continuam estacionando onde não devem. Segundo o promotor disse à Justiça, ele já teve acesso aos nomes de 800 pessoas passíveis de ser procuradas por ele.

Algumas pessoas pagaram os R$ 2 mil, já que a notificação já vem com o boleto bancário. Mas outras não concordaram com a proposta do promotor, e ele foi adiante com as ações civis públicas. Pelo menos duas já foram negadas, por falta de interesse processual.

“O legislador não estabelece que a infração consistente em estacionar carro de maneira indevida em vagas sinalizadas como de uso exclusivo de pessoa portadora de deficiência ou de pessoa idosa ocasione, além do pagamento de multa por infração de trânsito, o pagamento de indenização por dano moral difuso”, afirma a juíza Rebeca Mendes Batista, em uma das decisões.

Na outra sentença, a juíza Roberta Luchiari Villela explica que o CTB já prevê indenizações por danos cometidos por motoristas. Só que no artigo 297. O dispositivo diz que o motorista deve indenizar a vítima, mas só caso a infração tenha causado danos materiais a ela.

Em suas ações, o promotor afirma que a indenização é necessária porque as multas não têm sido suficientes para impedir as infrações. “Ocorre que tal premissa não é apta a justificar a conclusão de dano moral coletivo, na medida em que não se pode pressupor que, diversamente das multas, indenizações no âmbito civil serão aptas a coibir a infração em questão”, afirma a juíza Roberta Villela. “Ainda que assim não fosse, a análise do cabimento da indenização deve pautar-se pela analise da ocorrência do dano, o qual, conforme mencionado, não se verificou demonstrado na espécie.”

O promotor já recorreu.

Ajustamento de conduta
A juíza Roberta Villela também está responsável por uma ação civil pública de autoria da Defensoria Pública de São Paulo. Nela, os defensores Samir Nasralla e Patrícia Biagini Lopes pedem que a Justiça anule todos os TACs e ações ajuizadas pelo promotor e determine a devolução dos valores já pagos.

A Defensoria vem sendo procurada por diversas pessoas que não têm dinheiro para pagar os acordos e nem para contratar um advogado e enfrentar o promotor na Justiça.

A magistrada negou a liminar e os defensores recorreram. O agravo está na 4ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, sob a relatoria do desembargador Ricardo Feitosa. Mas ainda não há decisão.

Na ação, os defensores explicam que o promotor vem notificando pessoas que já pagaram suas multas. Fazê-las pagar indenização, portanto, seria impor dupla punição pelo mesmo fato a elas, o que é ilegal. E a imposição de multa por danos morais coletivos exigiria lei específica, o que não existe. “A imposição de nova sanção aos particulares em favor do Estado, sem norma específica regulamentadora e geral, ofende o princípio basilar do estado democrático de direito, qual seja, o princípio da legalidade”, afirma a petição inicial.

O acordo também é ilegal, afirmam os defensores. Isso porque o TAC, como se conclui pelo nome, serve para ajustar a conduta de alguém que infringe a lei. Portanto, é um acordo para que quem comete a ilegalidade a compense de alguma forma e se comprometa a encerrar a conduta.

No caso de quem pagou multa por estacionar em vaga reservada, a conduta já foi ajustada – pelo pagamento da multa.

Clique aqui para ler a petição inicial
Ação Civil Pública 1021851-54.2019.8.26.0506

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