Opinião

A importância da via correta nas regras do jogo tributário

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4 de dezembro de 2019, 14h27

Antes da virada de um ano que será determinante para a construção de uma nova realidade tributária no Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga recurso de extrema relevância, com impactos bilionários, que influenciam diretamente o ambiente de negócios brasileiro, sobretudo, em relação à segurança jurídica para investidores do mercado nacional e internacional.

A análise do RE 635.688/RS acaba na próxima quinta-feira (5), em plenário virtual – fato incomum para casos de repercussão geral. Os embargos de declaração questionam decisão do Supremo Tribunal Federal de 2014 que julgou inconstitucional o aproveitamento integral de créditos do ICMS na comercialização de itens da cesta básica. De um lado, empresas do setor alimentício pedem a modulação dos efeitos em relação a mudança de entendimento da Corte. Do outro, a pressão de governadores ávidos por qualquer recurso que ajude a minimizar os rombos financeiros estaduais.

À época, contrariando a própria jurisprudência firmada no RE 161.031/MG, ministros da Suprema Corte determinaram que é impossível manter como crédito tributário, a redução da base de cálculo prevista nos convênios consolidados pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), sem que estivessem ratificados em lei estadual específica. Associações de empresas do ramo alimentício apresentaram recurso requerendo a modulação dos efeitos para que a integralidade do tributo seja cobrada apenas a partir da mudança de entendimento.

Sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, em uma primeira análise, o recurso foi negado em maio deste ano. Agora, os embargos de declaração estão em julgamento virtual – escolha preocupante, considerando a necessidade de um melhor aprofundamento do tema, especialmente, pelos valores envolvidos – segundo estimativas das empresas, o passivo passa dos R$ 2 bilhões sem a modulação.

Prejuízos
Em 2014, os magistrados determinaram que os convênios do Confaz são autorizativos e, portanto, os benefícios previstos só podem ser internalizados por meio de lei estadual. Na ocasião, economistas de renome emitiram pareceres alertando aos prejuízos à economia e à segurança jurídica.

Em um deles, o coordenador do Núcleo de Assuntos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas, Eurico de Santi, reforça a necessidade de modulação e critica a má-fé dos governos estatais ao tentar driblar as regras sobre a incidência do tributo. “Cabia aos Estados adequar sua legislação à Constituição. Lavrar auto de infração e mudar a Constituição pela via do contencioso tributário como alternativa para evitar a adaptação da própria legislação aos ditames da Constituição não é conduta digna dos Estados”, afirma no documento.

O diretor do Centro de Cidadania Fiscal Bernard Appy também destaca, em parecer, a confusão que pode ser gerada caso o entendimento da Corte tenha efeito retroativo; com os Estados autuando o setor privado em relação a benefícios que até então eram considerados plenamente legais. As companhias podem ser oneradas por autuações relativas a operações passadas – há processos datados de 1996 –, causando relevante perda econômica.

Appy lembra que os supermercados que vinham se apropriando integralmente dos créditos de ICMS não foram beneficiados, uma vez que é muito provável que este benefício tenha sido repassado aos consumidores, inclusive, para que as empresas não sofressem desvantagem competitiva em relação aos concorrentes. O que pode ter, agora, efeito contrário. O prejuízo das empresas ser levado ao bolso do consumidor.

Nesse sentido, a repercussão geral permite que o julgado seja aplicado a todos os casos semelhantes, sem, no entanto, avaliar de forma profunda, a natureza autorizativa de cada convênio, os fundamentos jurídicos para a manutenção do crédito e a interpretação do termo “legislação”, inserido no artigo 155, § 2º, inciso II da Constituição Federal.

É inegável que as distorções tributárias prejudicam a organização eficiente da economia brasileira. Uma delas diz respeito ao próprio conceito de cesta básica. Alguns estados incluem produtos que dificilmente poderiam ser caracterizados como tal, favorecendo uma forma dissimulada de praticarem guerra fiscal. Há muito o que alterar na política tributária e isso está sendo considerado nas reformas em análise no Congresso. As mudanças têm de ser oriundas de alterações legislativas, e não de decisões judiciais que põem em xeque o desenho de todo o sistema. A consequência, quando considerada a economia como um todo, é uma organização menos eficiente da estrutura produtiva e, portanto, uma menor produção de bens e serviços destinados ao consumo final.

Autores

  • é advogado, especialista em planejamento tributário pela Fundação Getúlio Vargas, professor de planejamento tributário da Universidade de Brasília e sócio-fundador do escritório Faria, Consultoria e Advocacia.

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