Opinião

Agravo: incoerência legal, conceitual e doutrinária

Autor

  • Luiz Calixto Sandes

    é advogado trabalhista sócio regional em São Paulo do escritório Kincaid | Mendes Vianna Advogados mestre em Direito e professor universitário.

4 de dezembro de 2019, 6h31

A Reforma Trabalhista, entre algumas muitas alterações também na parte processual da Consolidação das Leis do Trabalho, incluiu o parágrafo 5º ao artigo 896-A, que enuncia “é irrecorrível a decisão monocrática do relator que, em agravo de instrumento em recurso de revista, considerar ausente a transcendência da matéria.”

O Tribunal Superior do Trabalho vem negando conhecimento a centenas de recursos de agravo que objetivam dar seguimento ao recurso que visa revista, tendo como fundamento jurídico a inexistência de transcendência do recurso principal, se reitere, em restrita observância da letra da lei.

Não há articulação que enfrente o tema de forma diametral. Alguns escritórios de advocacia, objetivando reverter a monocrática e irrecorrível decisão agravam, na forma do regimento interno, na maioria das vezes com os autos do processo eletrônico já devolvidos ao regional, tendo como decisão de seu recurso outra de natureza monocrática, que se limita a afirmar a irrecorribilidade da decisão, com fundamento legal no artigo e parágrafo já citado.

A tese se baseia na inconstitucionalidade do parágrafo. O argumento é válido, pelo entendimento já sedimentado do Supremo Tribunal Federal em relação à necessária colegiabilidade das decisões, mas é rarefeito. Mais concreta é a violação legal de dispositivo constitucional, tese que poderá ser utilizada a depender da forma pela qual se construiu o efeito devolutivo do recurso.

O regramento é uma norma sem escorreição e que não se harmoniza com as demais normas constantes da mesma lei — CLT — assim como com a doutrina que ampara a teoria geral dos recursos e os recursos em espécie, gerando insegurança jurídica, além de uma verdadeira ditadura processual violando o Estado Democrático de Direito.

O primeiro problema para reflexão é a atecnia da linguagem processual. A Resolução Administrativa 1.418/2010 do TST determinou, que os recursos de agravo interpostos contra despacho que negar seguimento ao recurso que vise revista para o TST serão processados nos próprios autos.

O recurso de agravo de instrumento assim foi chamado porque quando de sua oposição, diretamente no tribunal que tem competência funcional para apreciação, era necessária a formação do instrumento (cópias dos autos), com peças consideradas obrigatórias e facultativas pela legislação.

O recurso de agravo não forma instrumento porque processado nos próprios autos, ou seja, nos principais. Desta forma, não obstante a Resolução 1.418 ser de 2010, equivocou-se o legislador em relação a nominá-lo de forma atécnica como “agravo de instrumento”, sendo correta a nomenclatura "agravo nos próprios autos" ou somente "agravo".

O recurso de agravo, cujo objetivo é dar seguimento a um recurso que, no Tribunal Regional foi embarreirado, tem normatização legal e a sua hipótese é prevista no artigo 897.

No processo do trabalho, as decisões interlocutórias são irrecorríveis de imediato, sendo possível a devolução da matéria quando de eventual recurso ordinário, em questões iniciais das razões, quando constar as irresignações do ato processual, como num efeito devolutivo diferido, conforme ocorria com o agravo retido, nos autos no processo comum.

A Consolidação é bastante sucinta em relação ao cabimento e efeito devolutivo do recurso de agravo, sendo certo que a hipótese encontra escopo no artigo 897, "b", da CLT, onde o cabimento se atrela contra os “despachos que denegarem a interposição de recursos”.

Mesmo diante de sua simplicidade é possível afirmar que, diante da hipótese legal, o efeito devolutivo do recurso de agravo fica adstrito ao conteúdo do despacho que denegar a interposição de recurso, sendo este, portanto, a matéria impugnada (artigo 1013, caput, do CPC). Não há, pois, como integrar ao efeito devolutivo nenhuma nova matéria, até porque há vedação legal para tal (artigo 1.014 do CPC — vedação do ius novorum).

Diante do exposto e, considerando que a todo recurso é exigida a dialeticidade, no caso do agravo e, nos termos da hipótese de seu cabimento, dialético é o recurso que impugna todo ou parte do conteúdo da decisão que denega seguimento ao recurso que se pretende destrancar.

Não menos importante é o fato processual de que o despacho contra o qual cabe o recurso de agravo somente analisa os requisitos de admissibilidade recursal, genérico e específico; intrínseco e extrínseco.

Qualquer decisão deste recurso que julgue com fundamento diverso ou fora do conteúdo de sua dialeticidade, claro, termina por violar o princípio recursal do tantum devolutum quantum apelatum, aplicável a qualquer recurso em espécie.

Contrariamente ao que muitos apregoam, o requisito da transcendência, como requisito de admissibilidade específico dos recursos classificados quanto ao assunto como extraordinários, não foi instituído pela reforma trabalhista, mas em 2014, que alterou a sistemática recursal trabalhista.

A transcendência já constava como requisito de admissibilidade e era regulamentada por fonte formal direta, em aplicação subsidiária das normas (CPC) e regulamentada por fonte formal indireta, ou seja, pela doutrina.

Da leitura da “regulamentação legal” é de se extrair que a norma é meramente programática, subjetiva, que não auxilia a “filtragem” dos recursos, muito menos a solução que destina a norma, ou seja, alterou-se somente o critério de aplicação das fontes, permanecendo a classificação da norma como programática, aumentando a insegurança jurídica, preceito, que se lembre, constitucional.

A tão festejada norma, portanto, não merece tantos aplausos, pois fez nascer mais confusões, possibilitando ilegalidades e inconstitucionalidades.

A transcendência não pode ser examinada em recurso de agravo. Foi um equívoco do legislador, oriundo do já conhecido fenômeno “colcha de retalhos” que terminou por erigir contradição interna na própria legislação fazendo nascer, inclusive, inconstitucionalidade como se verá nos itens seguintes.

A competência para análise da transcendência é do ministro do TST. Também deixa claro o momento processual de sua análise: “O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência […]”.

Em relação ao aspecto técnico redacional do recurso, não é necessária a demonstração da existência de transcendência na petição de seu encaminhamento — que é direcionada ao juízo a quo, ou seja, ao Tribunal Regional do Trabalho —, uma vez que o exame foge à sua competência e, por isso, sobre o tema, por questões óbvias, nada deverá constar do despacho denegatório.

Há de se concluir, portanto, não obstante a existência de três dispositivos que dizem o mesmo

Mas não é tudo. A determinação legal da irrecorribilidade da decisão é desarmônica com o parágrafo 2º do mesmo dispositivo. Não reconhecida a transcendência da matéria constante do efeito devolutivo do recurso que vise revista, desta decisão cabe o recurso de agravo, nos termos do artigo 896-A, parágrafo 2º, da CLT.

Outro engano e desarmonia existente no artigo 896-A, parágrafo 5º, se refere a irrecorribilidade da decisão. Como se extrai da leitura do parágrafo acima, no exame da transcendência, que deverá ocorrer quando da análise do recurso que vise revista, decidindo o ministro pela inexistência, desta decisão caberá recurso de agravo, com possibilidade de sustentação oral.

Não é demais ressaltar que o princípio da conversibilidade dos recursos autoriza que, provido o agravo que objetive dar seguimento ao recurso principal, a turma deliberará sobre o julgamento do recurso principal, onde, somente aí, poderia examinar a existência ou não de transcendência, seja porque é o momento correto, seja porque o não consta da minuta do agravo nada em relação a transcendência, por incompetência do regional em analisá-la.

Parece-nos, assim, que o objetivo do legislador é ratificar a observância das garantias constitucionais do processo, de modo a possibilitar que a decisão que não reconhece a existência da transcendência do mérito do recurso de revista seja colegiada, possibilitando sustentação oral, com fim de auxiliar aos julgadores ao convencimento de sua existência, o que termina por espancar a possibilidade incongruente estampada no artigo 896-A, parágrafo 5º, da CLT.

Como visto, apesar da possibilidade estatuída no artigo 896-A, parágrafo 5º, da CLT é certo que a certificação do trânsito do julgado de forma imediata, após a decisão monocrática do relator que não reconhece a transcendência da causa em recurso de agravo, viola garantias constitucionais do processo.

Ainda que se imagine possível essa decisão em agravo, a irrecorribilidade subtrai da parte a possibilidade de impugnar decisão monocrática, expectativa esta existente quando a mesma decisão ocorrer, corretamente, no recurso que vise revista. Há por isso, impossibilidade de recorrer ao STF em recurso extraordinário ou em reclamação constitucional, como for o caso.

Se o recurso que vise revista possuir em seu efeito devolutivo alegação de violação à dispositivo constitucional, ao decretar a ausência de transcendência da matéria veiculada no recurso de agravo e a imediata certificação de trânsito do julgado, o TST suprimi, a um só tempo, todos os meios de submissão da questão constitucional controvertida ao órgão colegiado que integra e ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102 da Constituição Federal. […]”

Nem se diga que se aplicaria a súmula 734 do STF, uma vez que, diante do equívoco do legislador, não há trânsito do julgado pois, do contrário, se estaria admitindo que a legislação trabalhista esvaziou a competência constitucionalmente atribuída ao STF, pela Constituição Federal.

Também porque o STF, há muito, já consolidou entendimento da observância necessária ao princípio da colegiabilidade das decisões em recurso, ou seja, ainda que a lei possibilite decisão monocrática que negue seguimento a recursos, dela não se pode negar a faculdade de recorrer.

Recentemente o STF, por meio de decisão da tutela provisória proferida pela ministra Cármen Lúcia nos autos da Reclamação 35.816, questionou o referido artigo 896-A, parágrafo 5, da CLT.

Importante esclarecer que o fundamento da reclamação constitucional é que, mesmo tendo o STF reconhecido a existência de repercussão geral em relação ao tema tratado na revista, quando da interposição do agravo, o TST reconheceu a inexistência de transcendência, em decisão irrecorrível, aplicando o equivocado e desarmônico artigo 896-A, parágrafo 5º, da CLT.

Não obstante o objeto da reclamação, a ministra Cármen Lúcia deixou claro que seria impossível o alcance da natureza de irrecorribilidade desta decisão monocrática quando o efeito devolutivo do recurso tratar de questão constitucional. Nestes casos, a competência constitucional resolutiva seria do STF, hipótese atinente ao recurso que visa revista, trancado, seguido do agravo que foi decidido de forma monocrática.

Também patente a inconstitucionalidade porque as decisões em recurso desafiam um colegiado. As decisões monocráticas em grau de recurso — exceção à regra principiológica —, não podem ser soberanas e excluir a opinião do colegiado, sob pena de usurpação de competência do STF para analisar questões constitucionais.

Não menos importante foi o que aconteceu recentemente no TST quando o ministro Claudio Brandão, na sessão do dia 2 de setembro de 2019 do Órgão Especial, por ocasião do julgamento da reclamação citada acima, suscitou a inconstitucionalidade do referido dispositivo, seguido de vista regimental do ministro relator, Breno Medeiros.

O mais interessante é que, num contrassenso, mesmo diante desta decisão do Órgão Especial, o TST continua a aplicar o artigo 896-A, parágrafo 5º, da CLT, reconhecendo a inexistência de transcendência em recurso de gravo, mediante decisão irrecorrível, prejudicando inúmeros, infinitos, milhares de jurisdicionados.

Ainda que resolvida esta questão, seja por meio de uma ADI, seja por meio de definição do TST em relação a inconstitucionalidade do disposto legal, o fato é que inúmeros, milhares de jurisdicionados estão sendo prejudicados por esta irresponsável medida que vem tomando o TST, mesmo diante da decisão do Órgão Especial que suscitou possível inconstitucionalidade da norma aplicada.

Mas há profilaxia.

Quando de sua decisão amparada no artigo 896-A, parágrafo 5º da CLT, o TST, numa rapidez de dar inveja a qualquer outro tribunal, certifica o trânsito do julgado e, imediatamente, devolve os autos para o regional de origem.

Para evitar e resguardar eventuais prejuízos, deve a parte prejudicada, mesmo com os autos devolvidos, agravar da decisão, seja para reverter, seja para ter uma decisão colegiada que possibilite o recurso posterior. Certamente, o resultado do agravo será de que ele restará prejudicado, ante o trânsito do julgado, e a remessa dos autos a vara de origem. Desta decisão, no prazo, deverá ser oposto o recurso extraordinário que, muito provavelmente, terá negado o seguimento. Em seguida, no prazo, a parte interporá o recurso de agravo com o objetivo de destrancar o Recurso Extraordinário que não poderá ter negado o seguimento. Todavia, caso assim proceda o TST, a parte pode se valer da reclamação constitucional, nos termos do artigo 988 do CPC.

Para o processamento do agravo, o TST deverá requisitar os autos ao regional.

Parece não existirem dúvidas em relação a patente ilegalidade, abusividade, desarmonia e inconstitucionalidade do artigo 896-A, parágrafo 5º, da CLT que, em linhas gerais, impede o exercício da faculdade da parte em recorrer, trazendo análise de transcendência para o recurso de agravo de forma indevida, sem dar à parte a possibilidade de rever a decisão, em desencontro com outros dispositivos, do mesmo título, que tratam do mesmo recurso, que dizem o inverso, em pleno, irrestrito e total sistema judicial autoritarista que afronta o Estado Democrático de Direito.

Muito pior é a evidência de que, como quase em que sua totalidade somente às empresas interessam o ajuste do sistema recursal com a correção desse equívoco legislativo, nada ainda foi feito para solucionar este problema que, sem sombra de dúvidas, prejudicará milhões de recursos, onde muitos não avançaram com as medidas profiláticas e terminarão por perder a possibilidade de rever a sua decisão.

Em situação inversa ao que pretende o TST, as empresas poderão ajuizar ações rescisórias, uma vez que tolhido o recurso que vise revista, fazendo o processo chegar ao TST em eventual recurso ordinário.

E como já cantou Lulu Santos: “Assim caminha a humanidade: com passos de formiga e sem vontade” de realizar o melhor Direito, a Justiça, levando a crer que o principal objetivo é aumentar os números quantitativos dos julgamentos dos recursos, sem que os tenham julgado.

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