Ato inválido

Parques dos Lençóis Maranheses, Jericoacoara e Iguaçu não podem ser privatizados, diz jurista

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4 de dezembro de 2019, 19h18

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Parques como o das Cataratas do Rio Iguaçu só podem ser privatizados por meio de lei, e não decreto presidencialReprodução

O decreto que inclui no programa de desestatização do Governo Federal os parques nacionais dos Lençóis Maranhenses (MA), de Jericoacoara (CE), e do Iguaçu (PR), é inconstitucional. O apontamento parte do advogado Paulo Affonso Leme Machado, especialista na matéria ambiental, que falou nesta quarta-feira (4/12) em encontro de ambientalistas na sede da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, em São Paulo.

“Fomos pegos de surpresa com o Decreto 10.147 de 2 de dezembro sobre a qualificação de unidades de conservação no âmbito do Programa de Parcerias de Investimentos e sobre sua inclusão no Programa Nacional de Desestatização. No entanto, o decreto deve ser anulado, pois o ato do presidente não é possível”, disse Machado.

“Esse ato retira joias da república, e mesmo com medida provisória o Supremo Tribunal Federal não aceitou para diminuir a área de unidades de conservação. Somente através de lei”, afirmou

Prestes a lançar a 27ª edição de seu Direito Ambiental Brasileiro, o jurista e professor da PUC de Campinas defendeu que o estudo prévio de impacto ambiental é ferramenta indispensável para preservar o meio ambiente.

Sobre o episódio das barragens que se romperam em Minas Gerais, Paulo Affonso disse que “a terra tem sido conspurcada e violada e que existem outras barragens com possibilidade de rompimento”. Disse que interessa examinar o que a lei determina sobre o controle das barragens e gestões de risco.

Na visão dele, o artigo 9, parágrafo 1º, da Lei 12.334 de 2010, que fala em inspeção regular pela própria empresa, é inconstitucional. “Aí está a insegurança da própria lei. É necessária uma fiscalização independente, honesta. É uma falha total na gestão de risco uma barragem ser monitorada pela própria empresa. Devia ser confiada a especialistas independentes, com apoio do poder público”, defendeu.

Questionado sobre um projeto de lei de autolicenciamento ambiental em trâmite no Congresso, em que o particular emite a licença pelo computador, sem qualquer crivo do poder público, afirmou que é preciso ser combatido, pois nenhum país no mundo previu isso.

“Temos uma Constituição que diz que o poder público tem de intervir. O Estado não pode lavar as mãos. É um momento difícil”, afirmou.

Na avaliação da desembargadora federal Consuelo Yoshida, do TRF da 3ª Região, o grande mal que existe hoje são informações incorretas e a disseminação de fake news. A desembargadora enfatizou a importância da informação responsável, na disponibilidade de banco de dados para o Judiciário poder julgar com mais segurança. “Não há consenso sobre o tamanho do desmatamento, por exemplo.”

“É preciso de informações confiáveis, públicas. Informação ampla e via internet, para que todos possam se manifestar. Coisas confiáveis e não manipuladas”, resumiu.

Durante o evento, houve consenso de que está havendo uma campanha de desmonte dos órgãos executivos ambientais. “Vemos uma situação inédita, sem precedentes. Nunca tivemos uma situação tão negativa. Mesmo o regime militar não teve jamais essa atitude que tivemos aqui”, afirmou o embaixador Rubens Ricupero, ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda.

“Pela primeira vez temos um presidente que pessoalmente é malignamente hostil ao meio ambiente e isso se dissemina por todo o governo. Basta lembrar que ele antes da posse queria suprimir o Ministério do Meio Ambiente, depois disse que ia transferir as atribuições ao Ministério da Agricultura. Nomeou um antiministro do meio ambiente."

Ele contou que os ex-ministros ambientais são todos unidos até hoje "Mesmo de diferentes filiações partidárias, temos a mesma identificação com a causa ambiental. Ele não, é um estranho no ninho. Veio sabe lá de onde. É um advogado ruralista. Não tem conversa, não tem cultura ambiental, não tem background, não tem nada. A intenção é só de desmantelar. Cortaram as verbas em mais de 30%, suprimiu-se vários departamentos de controle, o número de fiscais do Ibama, o discurso é pavoroso”, afirmou Ricupero.

Ricupero disse ainda que precisa haver mais pressão da sociedade e representação no Parlamento. E que é preciso que o Judiciário continue se manifestado. “Mesmo enfrentando uma situação adversa, dias melhores hão de vir, espero muito do MPF. Nesse século é preciso abrir um capítulo para o MPF que muito já fez mas muito precisa fazer. O MPF agora tem de trabalhar em condições inéditas. Antigamente atuava diante das omissões do governo. Agora tem de atuar em ambiente hostil, ambiente de desestímulo ativo a destruição.”

Na visão de Carlos Alberto Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), é preciso combater os atos administrativos anti-ambientais. Ele cobrou ações do Ministério Público ao dizer que a Abrampa representou ao MPF sobre o desmantelamento do Sisnama, e que fará outra agora pedindo que o órgão atue para que o governo busque recuperar áreas degradadas da Amazônia.

“O ponto chave é penalizar, criar um mecanismo de controle, mostrar que aquilo não é lucro”, disse. “O cenário da COP 25 é que o Brasil foi lá pedir dinheiro. Brasil engavetou o acordo de Paris, recusou-se a sediar a conferência. Recusou recurso para o fundo Amazônia. Acumulou passivo enorme de declarações sobre o meio ambiente.

O Seminário O Brasil no contexto das Mudanças Climáticas e de Desastres Ambientais – aspectos jurídicos, econômicos, sociais e ecológicos foi realizado pelo Projeto Conexão Água da Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF (4ª Câmara de Revisão), em parceria com a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa), o Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), a Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

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