Direto do Carf

1ª Seção do Carf debate responsabilidade tributária de diretores

Autor

  • Carlos Augusto Daniel Neto

    é sócio do escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) mestre em Direito Tributário pela PUC-SP com estágio pós-doutoral em Direito Tributário na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) é visiting scholar no Max-Planck-Instituts für Steuerrecht und Öffentliche Finanzen ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf pesquisador do NEF/FGV presidente da Comissão de Direito Aduaneiro do Iasp e professor permanente do mestrado profissional do Cedes e da pós-graduação do IBDT.

4 de dezembro de 2019, 8h00

Spacca
Hoje trataremos sobre uma matéria que é bastante recorrente nos julgamentos administrativos: a responsabilidade tributária de terceiros. O tema, conquanto abranja as hipóteses de aplicação do art. 134 e 135 do CTN, aparece mais usualmente relacionado à responsabilização de sócios, diretores e gerentes das pessoas jurídicas autuadas, com fundamento no art. 135, III, do Código, que dispõe, verbis:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Há, nesse ponto, amplo debate acerca das condições objetivas e subjetivas relacionadas à aplicação do referido dispositivo. Discute-se que tipo de ato dá ensejo à responsabilização do agente (se qualquer ilícito ou apenas os de natureza cível e comercial; se doloso ou não), qual o nível de relação desse ato com o crédito tributário cobrado (se a obrigação resulta do ato), quem pode ser responsabilizado (se qualquer sócio ou apenas aqueles que exercem direção), qual a extensão da responsabilidade (se pessoal ou solidária) e mesmo qual o ônus probatório que cabe ao Fisco nesse tipo de imputação de sujeição passiva.

Por se tratar de uma matéria que é julgada por todas as turmas das três Seções de Julgamento do CARF, reiteradamente, seria deveras complexa uma análise do entendimento de todo o órgão, razão pela qual cingiremos nossa análise à Primeira Seção, responsável pelo julgamento dos autos de IRPJ e CSLL, iniciando pelas turmas ordinárias, e depois para a CSRF.

Inicialmente, menciono o Acórdão nº 1401-002.884[1], no qual se discutiu autuação fiscal que imputou a responsabilidade a todos os membros do Conselho de Administração e a diretores da empresa. No julgamento, adotou-se o entendimento de que a aplicação do art. 135 do CTN estaria condicionada à efetiva existência de poderes de gerência/direção sobre a empresa, e desde que esses poderes fossem comprovadamente utilizados com excesso de poder ou infração à lei, contrato social ou estatutos, afastando a responsabilidade dos membros do Conselho.

Em relação aos diretores, afirmou que, em tese, o art. 135, III, do CTN, poderia ser aplicado, mas em seguida pondera que seria necessário que a autoridade fiscal provasse que o diretor em questão efetivamente atuou em fraude à lei, contrato social ou estatutos, não bastando simplesmente indicar que o cargo ocupado teria poderes para tanto.

Na mesma linha, o Acórdão nº 1401-003.735[2] manteve a responsabilidade do sócio-gerente em uma autuação que tratava da ocultação de faturamento, todavia, o relator pontuou que os fatos relatados e comprovados pela fiscalização seriam suficientes à demonstração de ato doloso e inequívoco de vontade do responsável.

Na esteira desse entendimento, o Acórdão nº 1301-002.744[3], afastou a responsabilidade dos mandatários da empresa, por não ficar demonstrado que eles teriam poder de gerência e administração sobre o contribuinte, e pontuou-se também que os agentes fiscais deveriam comprovar a infração funcional praticada, por violação da lei ou do estatuto social, e que seria ônus da Administração a individualização da conduta fraudulenta praticada pelo coobrigado apontado como sujeito passivo, além da prova que deve ser feita, em relação a cada pessoa apontada – nesse mesmo sentido foi o entendimento exarado no Acórdão nº 1302-003.397[4] e Acórdão nº 1302-003.397[5].

Em outras palavras, entendeu-se que a responsabilização não poderia se dar de forma genérica, com base apenas na existência de poderes de gestão por parte do sujeito passivo.

O Acórdão nº 1301-003.227[6] afastou a responsabilidade de todos os coobrigados, com base no art. 135, III, do CTN, sob o argumento de que “é preciso que se comprove o dolo das condutas dos sujeitos responsabilizados, o que já foi devidamente afastado pelo Colegiado” e que seria necessário, para a responsabilização, “que se demonstre que os atos realizados foram anormais, extrapolando dos poderes atribuídos aos gestores por meio dos estatutos, contrato social ou da lei, delimitando assim também precisamente quem será o responsável.”. Como corolário desse entendimento, o Acórdão nº 1301-003.031[7] afastou a responsabilidade do art. 135 no caso de autuação com base em presunção, pela inexistência de prova direta do dolo.

Nessa linha, dispõe o Acórdão nº 1302-003.719, que a aplicação do art. 135 do CTN exige que a autoridade fiscal seja “explícita em relação a quais atos foram praticados pelo administrador e quais dispositivos legais foram infringidos”. Não basta simplesmente aduzir a ocorrência de atos ilícitos, sendo necessário que eles sejam imputados individualmente a cada responsável.

Outra turma, a 2ª TO da 4ª Câmara, por meio do Acórdão nº 1402-001.197[8], entendeu, de forma unânime, que a responsabilidade do art. 135 depende da ocorrência de um ato ilícito praticado pelo diretor, gerente ou representante, devendo a fiscalização imputar, a cada um dos coobrigados, a conduta pessoalmente por eles praticada.. Não poderia o agente autuante incluir o sujeito no polo passivo pelo simples fato do seu nome constar no conselho de administração ou pela simples função que exerce.

Esse mesmo entendimento foi sufragado no Acórdão nº 1402-002.687[9], ao aduzir que a aplicação do art. 135 exige que “seja identificado expressamente qual ato infracional gerou o enquadramento e quem o praticou”.

Esse colegiado possui acórdão recente que encampa entendimento diametralmente oposto (Acórdão nº 1402-003.693[10]): enquanto sua ementa fala expressamente que dever existir prova cabal do ato com infração à lei, por parte dos administradores, ao passo que no voto afirma que não há necessidade de se fazer prova cabal do dolo do responsável, bastando que ele esteja na condição de sujeito com poder de decisão.

No Acórdão nº 1201-002.358[11], a relatora tomou a cautela de alinhavar as premissas jurídicas adotadas no exame do caso, quanto à aplicação do art. 135 do CTN, e consignou expressamente a necessidade de comprovação do elemento volitivo do responsável no ato de gestão realizado com abuso de poder ou contrário à lei, contrato social ou estatutos, com a demonstração do nexo de causalidade entre ele e o nascimento da obrigação tributária.

O mesmo entendimento foi exarado no Acórdão nº 1201-003.195[12], ao pontuar que é necessário que a fiscalização comprove a atuação do responsável como gestor ou representante da pessoa jurídica, e a prática dos atos descritos no caput do art. 135 do CTN.

Por fim, compulsando o entendimento da 1ª CSRF, vale menção ao Acórdão nº 9101-003.212[13] no qual firmou-se o entendimento de que a responsabilidade tributária do art. 135, III, do CTN deveria ser afastada no caso concreto, tendo em vista que no julgamento da aplicação de multa qualificada entendeu-se que não haveria comprovação do dolo dos sujeitos passivos, de modo que, ausente a comprovação do elemento volitivo da administradora, em relação aos atos que resultaram na obrigação tributária, não poderia subsistir a sua responsabilização. Em outras palavras, afastado o caráter fraudulento e doloso da conduta do responsável, não haveria como subsistir a responsabilidade, pois a comprovação desses elementos seria essencial à aplicação do art. 135.

Como se vê, todas as cinco turmas ordinárias de julgamento da 1ª Seção do CARF e também a 1ª CSRF, possuem entendimento uníssono no sentido de reconhecer que a aplicação do art. 135 do CTN deverá atender às seguintes exigências: a) identificação da função exercida pelo pretenso responsável (se diretor, gerente ou representante), bem como os poderes que lhe são atribuídos, e o alcance de seu poder de decisão; b) indicação individualizada da conduta que foi realizada com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto; c) estabelecimento do nexo de causalidade entre o ato do responsável e o nascimento da obrigação tributária; e d) apresentação das provas e indícios que dão suporte às suas conclusões do Fisco.

Atualmente existem bem poucos precedentes recentes que sufraguem a “teoria dos atos de gestão” para fins de aplicação do art. 135 do CTN, qual seja, a dispensa da comprovação do ato específico com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social e estatutos, assim como o pressuposto da existência de dolo do sujeito passivo a partir da função que ostenta na empresa.

De modo geral, podemos reconhecer a existência de uma jurisprudência administrativa sobre o tema, alinhada, inclusive, com a tese fixada no Recurso Especial nº 1.101.728/SP, julgado sob a sistemática de recurso repetitivo, no sentido de ser “indispensável, para tanto [para a responsabilização de gerentes diretores e representantes], que tenha agido com excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato social ou ao estatuto da empresa”.

Naturalmente, trata-se de uma matéria que, nos casos concretos, desafia profunda análise probatória, mas cuja consolidação de entendimentos jurídicos contribui para uma maior segurança dos contribuintes, a despeito de a fiscalização seguir ignorando tais condições de responsabilização, em suas autuações.

Este texto não reflete a posição institucional do CARF, mas sim uma análise dos seus precedentes publicados no sítio virtual do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.


[1] Relatora Cons. Livia De Carli Germano, julgado em 18/09/2018.

[2] Relator Cons. Daniel Ribeiro Silva, julgado em 17/09/2019.

[3] Relatora Cons. Milene de Araújo Macedo, Redator Designado Cons. José Eduardo Dornelas, julgado em 21/02/2018.

[4] Relator Cons. Marcos Antonio Nepomuceno Feitosa, julgado em 20/02/2019.

[5] Relator Cons. Marcos Antonio Nepomuceno Feitosa, julgado em 20/02/2019.

[6] Relator Cons. Carlos Augusto Daniel Neto, julgado em 25/07/2018.

[7] Relator Cons. Nelso Kichel, Redatora Designada Cons. Amélia Wakako Yamamoto, julgado em 16/05/2016.

[8] Relator Cons. Moisés Giacomelli Nunes, julgado em 13/09/2012.

[9] Relator Cons. Leonardo de Andrade Couto, julgado em 26/07/2017.

[10] Relator Cons. Marco Rogério Borges, julgado em 22/01/2019

[11] Relatora Cons. Gisele Barra Bossa, julgado em 15/08/2018.

[12] Relator Cons. Efigênio de Freitas Júnior, julgado em 15/10/2019.

[13] Relatora Cons. Adriana Gomes Rêgo, julgado em 08/11/2017.

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    é sócio do Daniel & Diniz Advocacia Tributária, doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, ex-conselheiro titular da 1ª e 3ª Seções do Carf, e professor em cursos de pós-graduação."

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