Opinião

Exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS/Cofins: quando tributar os créditos?

Autor

  • Leonel Pittzer

    é sócio do Fux Advogados especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e em Processo Tributário pela Universidade Candido Mendes (Ucam). Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-RJ.

3 de dezembro de 2019, 6h05

No dia 15 de março de 2017, o Supremo Tribunal Federal finalizou o julgamento do Recurso Extraordinário 574.706, firmando a Tese 69 de repercussão geral (“o ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”).

Na sequência, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional opôs embargos de declaração na tentativa de rediscutir o próprio mérito da tese e requerendo, subsidiariamente, que (i) o tribunal defina o montante do imposto estadual a ser excluído da base imponível das contribuições (destacado x recolhido); e que (ii) os efeitos da declaração de inconstitucionalidade sejam modulados a partir de 1º de janeiro de 2018.

Os referidos declaratórios permanecem pendentes de apreciação, mas as ações de repetição do PIS e da Cofins recolhidos “a maior” no quinquênio prescricional já estão transitando em julgado.

A pergunta que se coloca agora é: quando tributar os créditos declarados nas decisões judiciais?

A Solução de Divergência Cosit 19/17 tratou dos marcos temporais para a contabilização desses créditos.

Segundo o entendimento veiculado pela Receita Federal do Brasil na citada solução de divergência, “a sentença condenatória que define o valor a ser restituído é um título líquido, certo e exigível de um direito, razão pela qual é no seu trânsito em julgado que a receita dele decorrente passa a ser tributável pelo IRPJ e pela CSLL”.

De outro lado, a Cosit definiu que “no caso de a sentença condenatória não definir o valor do indébito (sentença ilíquida), o valor a ser restituído só se torna receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução, fundamentados no excesso de execução (artigo 741, inciso V, do CPC); ou na expedição do precatório, quando a Fazenda Pública deixar de oferecer embargos.”

Ou seja, a Receita Federal se posicionou no sentido de que:

  • – Tratando-se de sentenças líquidas, o elemento temporal da regra-matriz de incidência do IRPJ e da CSLL devidos sobre o crédito coincide com o trânsito em julgado da decisão final favorável ao contribuinte.
  • Já no caso de sentenças ilíquidas– que apenas declaram abstratamente o direito do contribuinte à repetição do indébito — os aludidos tributos deverão ser recolhidos no momento (i) do trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos à execução; ou (ii) da expedição do precatório.

Como, em relação aos títulos ilíquidos, a Cosit tratou apenas da hipótese de execução judicial, ainda não foi definido o momento adequado para o contribuinte tributar o crédito que será compensado na esfera administrativa com base no artigo 74 da Lei 9.430/96 e na Seção I do Capítulo V e Capítulo VI da Instrução Normativa da Receita 1.717/17.

Inclusive, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais já decidiu que “pelo regime de competência, o indébito não deve ser reconhecido como receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que não definiu o valor a ser restituído. (…) para haver o reconhecimento de um elemento patrimonial, no caso um direito, é necessário, além da certeza da sua existência, a certeza também do seu valor; e tal certeza não é estabelecida pelo trânsito em julgado de uma sentença em que se concede um direito não liquidado.” (Acórdão 1201-00.178, Processo 10768.004792/2002-43, relator conselheiro Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, julgamento 30/09/09, publicação 02/03/10.)

A propósito, a Solução de Divergência Cosit 19/17 decorreu da apreciação do recurso interposto pelo contribuinte contra a Solução de Consulta SRRF/06 Disit 118/02, na qual a Receita Federal afirmou que “[caso] o exercício do direito de crédito se faça pela compensação dos valores, essa compensação dependerá do surgimento dos débitos a ser compensados, o que se dará não no momento do trânsito em julgado da sentença, mas sim paulatinamente, à medida em que surgem os débitos. Enquanto não existentes os débitos passíveis de compensação, é inexequível o exercício do direito.”

A solução de divergência acabou não revisitando esse entendimento pois se voltou exclusivamente para a execução judicial das sentenças ilíquidas, como já dissemos.Mas podemos ao menos afirmar que a Receita Federal já sinalizou que os contribuintes poderão recolher o IRPJ e a CSLL sobre os créditos a serem compensados administrativamente na medida em que as declarações de compensação (Dcomps) forem sendo transmitidas.

Recentemente, a 6ª Vara Federal Cível do Rio de Janeiro concedeu a segurança pleiteada por uma empresa de telefonia para reconhecer que “o momento correto para se apurar o fato gerador do IPRJ e da CSLL é da homologação pelo fisco do pedido de compensação” do crédito decorrente da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS (MS 5035622-22.2019.4.02.5101, juiz Osair Victor de Oliveira, intimação eletrônica em 26/09/19).

No entanto, esses marcos temporais não nos parecem os mais técnicos à luz do critério material da regra-matriz de incidência do IRPJ — que é a mesma da CSLL — definido no artigo 43 do CTN.

O legislador vinculou a hipótese de incidência desses tributos à aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda e proventos de qualquer natureza.

Segundo o Dicionário Online Michaelis, disponibilidade corresponde à “qualidade daquele ou daquilo que é ou está disponível”, “situação dos valores e títulos de que se pode dispor imediatamente ou que podem ser convertidos em numerário”. Portanto, remete às prerrogativas inerentes ao exercício do direito à propriedade tratadas no artigo 1.228 do Código Civil.

Nas palavras de Alcides Jorge Costa, “disponibilidade é a qualidade do que é disponível. Disponível é aquilo que se pode dispor. Entre as diversas acepções de dispor, as que podem aplicar-se à renda são: empregar, aproveitar servir-se, utiliza-se, lançar mão, usar. Assim, quando se fala em aquisição de disponibilidade de renda deve entender-se aquisição de renda que pode ser empregada, aproveitada, utilizada, etc.”[1]

A disponibilidade econômica pressupõe a efetiva incorporação da renda ou do provento ao patrimônio do seu titular, já descolados de sua fonte. Ou seja, caracteriza-se pela disponibilidade direta, material e imediata da riqueza. Para Rubens Gomes de Souza, “a disponibilidade econômica (…) verifica-se quando o titular do acréscimo patrimonial que configura renda o tem em mãos, já separado de sua fonte produtora e fisicamente disponível (…)”[2].

Todavia, no caso de compensação na esfera administrativa, a disponibilidade jurídica sobre o crédito provavelmente será o evento que terá o condão de disparar o dever do contribuinte oferecê-lo à tributação, afinal, a disponibilidade econômica ocorrerá naturalmente a posteriori, com o encontro de contas.

Ocorre que a disponibilidade jurídica sobre renda e proventos não está adstrita apenas à existência de direito creditório lastreado em título. Requer, outrossim, que a respectiva obrigação pecuniária seja certa, líquida e exigível e que não haja qualquer obstáculo, limite ou condição à aquisição da disponibilidade econômica sobre o crédito. Portanto, pressupõe que o contribuinte já esteja juridicamente investido no direito de dispor materialmente da riqueza, a qualquer momento e por ato unilateral, livre e desembaraçado.

É como defende Paulo Caliendo:

“(…) não basta a mera aquisição da renda, esta deve estar desembaraçada de ônus ou limitações, melhor dizendo, disponível. A disponibilidade será, assim, a qualidade daquilo que não possui impeditivos ao seu uso.

Se existirem obstáculos a serem removidos, não haverá disponibilidade, mesmo que exista ação ou execução. Mesmo que exista um direito oponível ao devedor, não ocorrerá a situação capaz de permitir a incidência do imposto de renda. Não basta ser credor de renda indisponível (…).

É absolutamente necessária a presença atual de disponibilidade de renda que se incorporou a título definitivo no patrimônio do contribuinte. (…)”[3] 

Não é outro o entendimento de Gilberto Ulhôa Canto:

“Não basta, apenas, que seja adquirido o direito de auferir o rendimento (ou a sua titularidade).É necessário que a aquisição desse direito assuma a forma de faculdade de adquirir disponibilidade econômica, mediante a tomada de iniciativa ou a prática de ato, que estejam no âmbito do arbítrio do interessado, a qualquer momento; em outras palavras, a disponibilidade jurídica não ocorre com o aperfeiçoamento do direito à percepção do rendimento, sendo, mais do que isso, configurada somente quando o seu recebimento em moeda ou quase-moeda dependa somente do contribuinte”.[4]

Foi com base nesse racional que a CSRF afastou a exigência do IRRF sobre as remessas ao exterior antes do vencimento da obrigação contratual, no momento do registro contábil do crédito (Acórdão 9202-003.120, processo 10882.001555/2006-48, relator conselheiro Elias Sampaio Freire, julgamento 26/03/14, publicação 20/05/14).

Como sustentou o relator, “(…) a disponibilidade econômica corresponde entrega do dinheiro; e a jurídica, ao crédito, isto é, a colocação da renda ou provento a disposição do titular. Para configurar renda, as prestações que passam a compor o patrimônio do sujeito passivo haverão de ser disponíveis, ou seja, livres, desimpedidas, desembaraçadas, isentos de condições ou reservas.”

Por essa mesma razão, o STF julgou inconstitucional o artigo 35 da Lei 7.713/88, que autorizava a cobrança de IRPF dos acionistas no momento da apuração do lucro líquido das sociedades anônimas, no encerramento do período-base(Recurso Extraordinário 172.058, relator ministro Marco Aurélio, Plenário, julgamento 30/06/95, DJe 13/10/95).

Ocorre que, em nossa opinião, é no procedimento de habilitação (regulado, atualmente, pelos artigos 100 e seguintes da IN RFB 1.717/17) que a Receita Federal avalia e, sendo o caso, atesta a certeza, a liquidez e a exigibilidade do crédito.Foi o que reconheceu expressamente o Parecer Normativo Cosit 11/14:

“(…) No caso aqui tratado (crédito de tributo administrado pela RFB reconhecido por sentença transitada em julgado), há o exercício legítimo do direito de o contribuinte realizar a compensação (vale dizer, o pagamento daquele valor a ele com a quitação de seus débitos tributários), mas que deve ser limitado mediante análise percuciente da Administração Pública se aquele crédito efetivamente existe e se sua quantificação está escorreita (no caso de sentença ilíquida), conforme conceito apontado acima. O interesse público, nesse caso, evidentemente não é impedir essa compensação, mas sim que seja feita corretamente.

O servidor público que atua nessa situação está RECONHECENDO E QUANTIFICANDO UMA DÍVIDA DA FAZENDA NACIONAL. Por tal motivo, a RFB possui o denominado poder de polícia (ou polícia administrativa), que se dá quando determina que o sujeito passivo realize uma declaração (…).

A habilitação prévia de créditos decorrentes de ação judicial, (…)é típico procedimento estabelecido a fim de garantir que a declaração de compensação de crédito reconhecido judicialmente não ocorra de forma que possa lesionar o interesse público. (…).” 

O parágrafo 1º do artigo 100 da IN RFB 1.717/17 exige, por exemplo, “certidão de inteiro teor do processo” e “cópia da decisão que homologou a desistência da execução do título judicial” a fim de que o auditor da Receita Federal possa, nos termos do artigo 101 do mesmo diploma, confirmar se “o sujeito passivo figura no polo ativo”, “a decisão judicial transitou em julgado” e se “o pedido foi formalizado no prazo de 5 (cinco) anos (…)”.

Está claro que tais requisitos decorrem da necessidade da Autoridade Tributária atestar a certeza e a exigibilidade do crédito antes de autorizar as compensações.

De outro lado, o parágrafo único do mesmo artigo 100 prevê que o deferimento do pedido de habilitação não implica em reconhecimento irretratável do crédito, afinal as Dcomps que o invocarem à compensação ainda poderão ser glosadas no prazo de cinco anos contados da data da transmissão das declarações (vide artigo 74, parágrafo 5º, da Lei 9.430/96).

Contudo, a homologação da habilitação configura um prévio reconhecimento da liquidez do crédito que filtra compensações exorbitantes, sem respaldo em coisa julgada, conforme reconheceu textualmente o Parecer Normativo Cosit 11/14.

Por todos esses motivos, o caput do artigo 100 da IN em comento condiciona a recepção da Dcomp ao deferimento do pedido de habilitação.

Ou seja, o crédito ilíquido declarado em decisão judicial transitada em julgado não é passível de compensação até que a Refeita Federal defira sua habilitação. Trata-se, claramente, de um obstáculo jurídico ao seu aproveitamento.

Portanto, em nossa opinião, a homologação da habilitação é o marco temporal da aquisição da disponibilidade jurídica sobre o crédito, afinal é somente a partir desse momento que o contribuinte poderá — por ato unilateral e incondicionado — transmitir Dcomps.

Em outras palavras, é com o deferimento do pedido de habilitação que o contribuinte é investido no direito de efetivamente dispor materialmente crédito (disponibilidade jurídica) para finalmente realizar, mediante a transmissão das Dcomps, o efeito econômico ínsito ao encontro de contas (disponibilidade econômica).

Por isso, entendemos que esse é o momento adequado para o contribuinte contabilizar o crédito decorrente da exclusão do ICMS da base imponível do PIS e da Cofins, oferecendo-o à tributação de IRPJ e CSLL.

[1] In Imposto sobre a renda. A aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica como seu fato gerador. Limite de sua incidência. Revista de Direito Tributário 40. São Paulo: Revista dos Tribunais. abril-junho de 1987. p.105.

[2] In Pareceres 1 – Imposto de Renda. Resenha Tributária, 1975, p. 248.

[3] CALIENDO, Paulo. Imposto sobre a renda incidente nos pagamentos acumulados e em atraso de débitos previdenciários. Interesse Público 24/101, abr. 2004.

[4] CANTO, Gilberto Ulhoa. Apud OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. Quarter Latin, 2008, p. 296.

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    é sócio do Fux Advogados, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e em Processo Tributário pela Universidade Candido Mendes (Ucam). Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB-RJ.

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