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O sistema nacional de unidades de conservação da natureza

31 de agosto de 2019, 11h02

Por Talden Farias

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A Lei n. 9.985/98 criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC e estabeleceu critérios e normas para a criação, implantação e gestão das Unidades de Conservação, regulamentando parcialmente os incisos I, II, III e IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal.

O conceito de Unidade de Conservação é dado pelo inciso I do art. 2º da citada lei como o “espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção”.

As Unidades de Conservação podem ser definidas como áreas particulares ou privadas destinadas à proteção, integral ou parcial, da diversidade biológica, da paisagem e dos recursos naturais, no intuito de resguardar a qualidade ambiental da coletividade.

As Unidades de Conservação se inserem no art. 2º da Convenção Internacional da Diversidade Biológica, segundo o qual área protegida é a “área definida geograficamente, que é destinada, ou regulamentada, e administrada para alcançar objetivos específicos de conservação”.

Isso implica dizer que a diversidade biológica, também chamada de biodiversidade, cuja conservação é o objetivo final desses espaços, pode ser compreendida como o conjunto de vida existente no planeta ou em determinada parte do planeta.

O inciso III do art. 2º da Lei n. 9.985/90 define diversidade biológica como “a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas”.

É evidente que a conservação da biodiversidade inclui a defesa dos espaços territoriais especialmente protegidos, o manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas, a preservação da diversidade genética e a proteção dos recursos naturais.

Não é possível ignorar a prestação de serviços ambientais, pois a defesa dos processos naturais que regulam e viabilizam o clima, a fauna, a flora e o solo, por exemplo, é outro objetivo a ser atingido.

Afora isso, as Unidades de Conservação também se propõem a proteger as paisagens notáveis, contribuindo para a perpetuação das belezas cênicas naturais para as presentes e futuras gerações.

O art. 4º da mencionada lei aponta os objetivos específicos do SNUC:

a) contribuir para a manutenção da diversidade biológica e do recursos genéticos no território nacional e nas águas jurisdicionais;

b) proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional e nacional;

c) contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais;

d) promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais;

e) promover a utilização dos princípios e práticas de conservação da natureza no processo de desenvolvimento;

f) proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;

g) proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica, espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural;

h) proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;

i) recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;

j) proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos e monitoramento ambiental;

l) valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;

m) favorecer condições e promover a educação e interpretação ambiental, a recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico;

n) proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e promovendo-as social e economicamente.

O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a mera criação de uma unidade de conservação não significa o cumprimento do desiderato constitucional, devendo ser acompanhada de políticas públicas que assegurem a efetiva proteção da área em questão:

“A criação de Unidades de Conservação não é um fim em si mesmo, vinculada que se encontra a claros objetivos constitucionais e legais de proteção da Natureza. Por isso, em nada resolve, freia ou mitiga a crise da biodiversidade – diretamente associada à insustentável e veloz destruição de habitat natural –, se não vier acompanhada do compromisso estatal de, sincera e eficazmente, zelar pela sua integridade físico-ecológica e providenciar os meios para sua gestão técnica, transparente e democrática. A ser diferente, nada além de um “sistema de áreas protegidas de papel ou de fachada” existirá, espaços de ninguém, onde a omissão das autoridades é compreendida pelos degradadores de plantão como autorização implícita para o desmatamento, a exploração predatória e a ocupação ilícita” (REsp 1071741, Relator Ministro Herman Benjamin, 16.12.2010).

Desde o seu delineamento, com a edição da Lei nº 6.938/81, a Política Nacional do Meio Ambiente apresentou como um dos seus sustentáculos a criação de espaços territoriais especialmente protegidos.

O inciso IV do art. 2º dessa lei dispõe que a “proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas” é um dos princípios da Política Nacional do Meio Ambiente na consecução do objetivo de preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico, os interesses da segurança nacional e a proteção à dignidade da pessoa humana.

O inciso II do art. 4º da referida lei estabelece que a Política Nacional do Meio Ambiente visará “à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios”.

O inciso VI do art. 9º dispõe que “a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas” é um instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente.

Contudo, é apenas com a promulgação da Constituição Federal de 1988 que a questão dos espaços territoriais especialmente protegidos, ganha um conteúdo mais delimitado e forte, passando a exigir uma regulamentação por meio de normas infraconstitucionais.

O inciso III do § 1º do art. 225 da Constituição Federal determina que para assegurar a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado incumbe ao Poder Público “definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção”.

A estrutura do SNUC é organizada da forma seguinte, conforme determina o art. 6º da Lei nº 6.938/81:

a) Órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, com as atribuições de acompanhar a implementação do Sistema;

b) Órgão central: o Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de coordenar o Sistema;

c) Órgãos executores: o Instituto Chico Mendes e o IBAMA, em caráter supletivo, os órgãos estaduais e municipais, com a função de implementar o SNUC, subsidiar as propostas de criação e administrar as unidades de conservação federais, estaduais e municipais, nas respectivas esferas de atuação.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio é o órgão responsável pela execução da Política Nacional de Unidades de Conservação da Natureza em âmbito federal. Trata-se de autarquia federal criada pela Lei n. 11.516/07 a partir de um fracionamento do IBAMA, sendo, portanto, autônoma administrativa e financeiramente e vinculada ao Ministério do Meio Ambiente.

Os objetivos do ICMBio estão elencados no art. 1º da mencionada lei:

a) Executar ações da política nacional de unidades de conservação da natureza, referentes às atribuições federais relativas à proposição, implantação, gestão, proteção, fiscalização e monitoramento das unidades de conservação instituídas pela União;

b) Executar as políticas relativas ao uso sustentável dos recursos naturais renováveis e ao apoio ao extrativismo e às populações tradicionais nas unidades de conservação de uso sustentável instituídas pela União;

c) Fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e de educação ambiental;

d) Exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das unidades de conservação instituídas pela União;

e) Promover e executar, em articulação com os demais órgãos e entidades envolvidos, programas recreacionais, de uso público e de ecoturismo nas unidades de conservação, onde estas atividades sejam permitidas.

O ICMBio é o responsável pela gestão das Unidades de Conservação federais, cabendo ao órgão estadual, distrital ou municipal competente gerir a Unidade de Conservação que pertença aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Para maiores informações sobre as atribuições do ICMBio se sugere a leitura de artigo publicado anteriormente nesta coluna.

As Unidades de Conservação são classificadas em duas categorias, que são as Unidades de Proteção Integral e as Unidades de Uso Sustentável.

Na primeira modalidade naquela se admite apenas o uso indireto de seus recursos naturais, a não ser em casos excepcionais e devidamente previstos em lei, ao passo que a segunda procura coadunar a conservação da natureza com a utilização sustentável de parte dos seus recursos naturais de acordo com o art. 7º da Lei n. 9.985/90.

As Unidades de Proteção Integral são a Estação Ecológica, a Reserva Biológica, o Parque Nacional, o Monumento Natural e o Refúgio de Vida Silvestre. Já as Unidades de Uso Sustentável são a Área de Proteção Ambiental, a Área de Relevante Interesse Ecológico, a Floresta Nacional, a Reserva Extrativista, a Reserva de Fauna, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável e a Reserva Particular do Patrimônio Natural.

Cumpre esclarecer que embora classificada formalmente como de Uso Sustentável pela Lei n. 9.985/2000, a Reserva Particular do Patrimônio Natural é na prática de Proteção Integral, já que o inciso III do art. 21 que permitia a ocorrência de atividade extrativista foi vetado pela Presidência da República.