Direto do Carf

A aplicação das regras de preço de transferência

Autor

  • Fernando Brasil de Oliveira Pinto

    é conselheiro da 1ª Turma Câmara Superior de Recursos Fiscais auditor fiscal da Receita Federal e professor em cursos de especialização na Unisinos Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUC-RS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela USP (Universidade de São Paulo).

28 de agosto de 2019, 8h00

Nesta semana, abordaremos o entendimento do Carf sobre os principais pontos de controvérsia envolvendo ajustes a título de preços de transferência.

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No Brasil, a legislação de regência dos preços de transferência foi introduzida pela Lei n° 9.430/96 (arts. 18 a 24), tendo como objetivo coibir a transferência de resultados para o exterior, mediante a manipulação dos preços pactuados nas importações ou exportações de bens, serviços ou direitos, em operações com pessoas vinculadas, residentes ou domiciliadas no exterior, ou residentes em países de tributação favorecida que sejam ou não vinculadas.

O conceito de pessoas vinculadas à pessoa jurídica domiciliada no Brasil encontra-se disciplinado no art. 23 da Lei nº 9.430/96, o qual, entre outros domiciliados no exterior, inclui a matriz desta, a sua filial ou sucursal, controladores, controladas ou coligadas.[1]

A obrigatoriedade de utilização dessa legislação limita-se a determinados tipos de operações, a saber: efetuadas com pessoas vinculadas; realizadas com pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas em países com tributação favorecida (“paraísos fiscais”); e efetuadas com pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas em países ou dependência, cuja legislação interna oponha sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas ou à sua titularidade.

Em resumo, essas regras visam a evitar a evasão de divisas e lucros, combatendo o subfaturamento nas exportações e superfaturamento em importações, e, consequentemente, evitando a fuga do pagamento de tributos, determinando a fixação de preços parâmetros a serem comparados com os preços praticados nessas operações, redundando em adições na apuração do lucro real.

Há inúmeros métodos aplicáveis às operações de importação e de exportação. Neste breve estudo, não será possível abordar cada um desses métodos, o que demandaria um texto extenso e incompatível com este espaço. Em razão disso, nos limitaremos a tratar dos aspectos sobre preços de transferência mais controversos no âmbito do Carf, em especial sobre a (i)legalidade da IN SRF nº 243/2002, sem, portanto, adentrar nas novas regras trazidas pela Lei nº 12.715/2012 e disciplinas pela IN RFB nº 1.312/2012.

O primeiro ponto a ser tratado não é mais alvo de controvérsia no âmbito do CARF: em relação ao Método PRL 60[2], por meio da Súmula CARF nº 115[3] consolidou-se o entendimento de que a metodologia prevista no art. 12 da IN SRF nº243/2002  – que busca proporcionalizar o preço parâmetro ao bem importado aplicado na produção – não extrapola o disposto no art. 18 da Lei nº 9.430/96. Dos precedentes que deram ensejo a esse enunciado de súmula extrai-se que a margem de lucro não é calculada sobre a diferença entre o preço líquido de venda do produto final e o valor agregado no País, mas sobre a participação do insumo importado no preço de venda do produto final, o que viabilizaria a apuração do preço parâmetro do bem importado com maior exatidão, em consonância ao objetivo do método PRL 60 e à finalidade do controle dos preços de transferência (por exemplo, Acórdãos 1102-00.610; 1201-00.658; 1101-001.079; 1103-00.672; 1201-001.680; 1301-001.096; 1301-02.617; 1302-001.164; 1302-002.128; 1401-000.848; 1401-002.122; 1401-002.278; 1402-001.418; 1402-002.736; 1402-002.815; 9101-002.175; 9101-002.514; 9101-003.094; e 9101-003.373).

Pois bem, o primeiro tema efetivamente controvertido diz respeito ao limite temporal para opção do contribuinte a um dos métodos previstos em lei para cálculo do ajuste a título de preço de transferência. Em geral, nos recursos voluntários apresentados ao CARF, os Recorrentes argumentam que o § 4º do art. 18, e o § 5º do art. 19, ambos da Lei nº 9.430/96[4], imporiam ao Fisco sempre a utilização do método mais favorável ao contribuinte.

Por outro lado, o entendimento da Fiscalização é que após o início do procedimento fiscal o contribuinte não mais estaria espontâneo[5] para fazer qualquer escolha sobre o método aplicável, sob o argumento de que tais dispositivos legais não impõem ao Fisco a apuração dos preços de transferência por mais de um método e a escolha do mais favorável ao contribuinte, sendo essa uma prerrogativa do contribuinte, mas não uma imposição à Fiscalização, a teor do que dispunha o art. 40 da IN SRF nº 243/2002[6].

A respeito do tema, as decisões dos últimos anos têm sido todas favoráveis ao Fisco, conforme se pode observar nos Acórdãos 9101-002.524, 9101-003.457, 1301-003.033, 1301-003.209, 1401-00.079 e 1402-002.815.

Há de se destacar que em relação ao argumento trazido pelos contribuintes de que o art. 20-A[1] incluído na Lei nº 9.430/96 pela Lei nº 12.715/2012 possibilitaria a escolha de método após desclassificação realizada pela fiscalização, há algumas decisões (Acórdão 1301-003.209, por exemplo) que afirmam que nem essa alteração legislativa abarcaria tese contrária ao Fisco, pois a possibilidade de escolha de novo método – na hipótese de a fiscalização vir a desqualificar aquele adotado inicialmente pelo contribuinte – não caberia ao Fisco, mas sim ao próprio contribuinte que, além de indicar o método alternativo entre as opções listadas em lei, deverá apresentar novo cálculo com base na metodologia por ele apontada.

Outro tema controvertido que gera debates no CARF diz respeito à aplicação dos Métodos PRL 20[1] ou PRL 60 nos casos em que o produto importado, em si, não é aplicado diretamente em novo processo produtivo, mas, por outro lado, sofre processo de acondicionamento (embalagem): uma das correntes aduz que a embalagem é uma das modalidades de industrialização (acondicionamento), e, considerando-se que a aplicação do método do PRL 20 limita-se a operações de revenda, o método PRL 60 – que exige agregação de valor ao produto importado, no caso, o próprio acondicionamento – seria o aplicável; a segunda vertente entende que o método PRL 60 somente se aplica no caso de haver agregação de valor e os bens importados sejam efetivamente aplicados na produção.

Entendendo, nesses casos, ser aplicável o Método PRL 20 há os Acórdãos 1201-002.628, 1301-002.015 e 1201-001.402. Chama-se a atenção para esse último precedente em que o colegiado entendeu que seria aplicável esse método nos casos em que o bem importado não for submetido, no país, a um processo de industrialização do qual decorra a agregação de valor ao custo do produto final, uma vez que a operação possuiria natureza de mera revenda. Concluiu ainda essa turma julgadora que a mera aposição de etiquetas e informações sobre o produto para cumprimento de obrigações regulatórias e posterior acondicionamento não desnaturariam natureza de simples revenda da operação. Nesse acórdão consta ainda declaração de voto argumentando que, naquele caso concreto, o produto importado já teria chegado ao Brasil acondicionado em um “frasco de vidro hermeticamente vedado com uma tampa de plástico inviolável” (embalagem primária), tendo o contribuinte somente aposto etiqueta em cada um dos frascos e os acondicionado em embalagem secundária (cartucho) junto com a bula do medicamento. Os frascos seriam, então, acondicionados em embalagem para transporte. Nesse sentido, a teor do que dispunha o inciso IV do art. 4º do Regulamento do IPI de 2002 – RIPI, tratando-se de embalagem para transporte, não estaria caracterizada a industrialização, e, além disso, o § 2º do art. 6º desse mesmo Regulamento não classificava como embalagem de apresentação os casos em que a natureza do acondicionamento e as características do rótulo atendessem, apenas, a exigências técnicas ou outras constantes de leis e atos administrativos. Como a autoridade lançadora não teria questionado se asa embalagens seriam ou não de transporte, conforme alegou o contribuinte desde o procedimento fiscal, entendeu aquele conselheiro que a exigência não poderia ser mantida.

Por outro lado, há inúmeros outros precedentes manifestando entendimento contrário, ou seja, em que, ainda que os produtos importados sejam submetidos a processo de acondicionamento no país, seria aplicável o Método PRL 60 na determinação do preço parâmetro (Acórdão 1402-003.472, por exemplo). Vale ressaltar que os precedentes da 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara antes citados referem-se a posições adotadas em composição do colegiado distinta da atual, pois no Acórdão 1201-002.926, julgado na sessão de 12/05/2019, ainda que por voto de qualidade, manteve-se o lançamento.

Convém ainda destacar que o entendimento de aplicação do Método PRL 60 exarado nas decisões mais recentes das turmas ordinárias alinha-se àquele que vem sendo firmado pela 1ª Turma da CSRF (Acórdãos 9101-002.840, 9101-002.950 e 9101-003.503, sendo que, essa última decisão, reformou o Acórdão 1301-002.015 citado alhures e que havia entendido ser aplicável o Método PRL 20). Segundo essa corrente, as operações decorrentes do acondicionamento para fins comerciais e aposição de marca enquadram­se no conceito legal de industrialização, concluindo que se há agregação de valor ao produto é correta a aplicação do Método PRL 60.

Mais um tema objeto de debates é se, até o advento do art. 38 da Medida Provisória nº 563/2012 (convertida na Lei nº 12.715, de 2012), que deu nova redação ao art. 18 da Lei nº 9.430, de 1996, a IN SRF nº 243/2002, em relação à determinação do preço parâmetro no Método PRL, seria ou não legal ao determinar a inclusão do valor do frete e do seguro – cujo ônus tenha sido do importador – e os tributos incidentes na importação no preço praticado para fins de cotejo com o preço parâmetro. Em relação a essa matéria, as decisões são amplamente favoráveis ao Fisco, conforme se observa nos Acórdãos 9101-002.315, 9101-002.461, 9101-002.840, 9101-003.205, 9101-003.817, 1301-00.967, 1301-001.420, 1402-001.864, 1402-002.503, 1401-002.279, 1301-003.292.

Segundo esse entendimento dominante, a operação entre pessoas vinculadas (na qual se verifica o preço praticado) e a operação entre pessoas não vinculadas, na revenda (na qual se apura o preço parâmetro) devem preservar parâmetros equivalentes. Nesse sentido, no Método PRL, a comparabilidade entre preços praticado e parâmetro, sob a ótica do § 6º do art. 18 da Lei nº 9.430, de 1996, operar­se-ia segundo mecanismo no qual se incluem na apuração de ambos os preços os valores de frete, seguros e tributos incidentes na importação. Esse mesmo raciocínio de comparabilidade entre grandezas semelhantes teria sido mantido pela Lei nº 12.715/2012, optando o legislador, a partir de então, pela exclusão na apuração dos preços praticado e parâmetro dos valores de frete, seguros (mediante atendimento de determinadas condições) e tributos incidentes na importação.

Conforme se observa, em todos os temas ora abordados, a jurisprudência do Carf vem referendando as regras estipuladas pela IN SRF nº 243/2002 na apuração dos preços de transferência.

(*) Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas sim uma análise dos seus precedentes publicados no sítio virtual do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.


[1] Remete-se o leitor à consulta da redação integral do art. 23 da Lei nº 9.430/96 para se ter acesso às dez hipóteses legais de empresas vinculadas para fins de aplicação das normas de preço de transferência (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9430.htm).
[2] Método do Preço de Revenda menos Lucro com margem de lucro de 60%.
[3] A sistemática de cálculo do “Método do Preço de Revenda menos Lucro com margem de lucro de sessenta por cento (PRL 60)” prevista na Instrução Normativa SRF nº 243, de 2002, não afronta o disposto no art. 18, inciso II, da Lei nº 9.430, de 1996, com a redação dada pela Lei nº 9.959, de 2000. (Súmula Vinculante, conforme Portaria ME nº 129, de 01/04/2019, DOU de 02/04/2019).
[4] Art. 18. Os custos, despesas e encargos relativos a bens, serviços e direitos, constantes dos documentos de importação ou de aquisição, nas operações efetuadas com pessoa vinculada, somente serão dedutíveis na determinação do lucro real até o valor que não exceda ao preço determinado por um dos seguintes métodos:
§ 4º Na hipótese de utilização de mais de um método, será considerado dedutível o maior valor apurado, observado o disposto no parágrafo subseqüente.
Art. 19. As receitas auferidas nas operações efetuadas com pessoa vinculada ficam sujeitas a arbitramento quando o preço médio de venda dos bens, serviços ou direitos, nas exportações efetuadas durante o respectivo período de apuração da base de cálculo do imposto de renda, for inferior a noventa por cento do preço médio praticado na venda dos mesmos bens, serviços ou direitos, no mercado brasileiro, durante o mesmo período, em condições de pagamento semelhantes.
§ 5º Na hipótese de utilização de mais de um método, será considerado o menor dos valores apurados, observado o disposto no parágrafo subseqüente.
5] O instituto da espontaneidade está ligado aos fatos que determinam o início do procedimento fiscal e a possibilidade de o contribuinte, enquanto espontâneo, de declarar os tributos devidos sem incidência de multa de ofício e o de recolhê-los sem a incidência de multa de mora, a teor do que dispõem o § 1º do art. 7º Decreto nº 70.235/72 c/c com o art. 138 do CTN
[6] Art. 40. A empresa submetida a procedimentos de fiscalização deverá fornecer aos Auditores-Fiscais da Receita Federal (AFRF), encarregados da verificação:
I – a indicação do método por ela adotado;
II – a documentação por ela utilizada como suporte para determinação do preço praticado e as respectivas memórias de cálculo para apuração do preço parâmetro e, inclusive, para as dispensas de comprovação, de que tratam os arts. 35 e 36.
Parágrafo único. Não sendo indicado o método, nem apresentados os documentos a que se refere o inciso II, ou, se apresentados, forem insuficientes ou imprestáveis para formar a convicção quanto ao preço, os AFRF encarregados da verificação poderão determiná-lo com base em outros documentos de que dispuserem, aplicando um dos métodos referidos nesta Instrução Normativa.
Art. 20-A. A partir do ano-calendário de 2012, a opção por um dos métodos previstos nos arts. 18 e 19 será efetuada para o ano-calendário e não poderá ser alterada pelo contribuinte uma vez iniciado o procedimento fiscal, salvo quando, em seu curso, o método ou algum de seus critérios de cálculo venha a ser desqualificado pela fiscalização, situação esta em que deverá ser intimado o sujeito passivo para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar novo cálculo de acordo com qualquer outro método previsto na legislação.
[7] Art. 20-A. A partir do ano-calendário de 2012, a opção por um dos métodos previstos nos arts. 18 e 19 será efetuada para o ano-calendário e não poderá ser alterada pelo contribuinte uma vez iniciado o procedimento fiscal, salvo quando, em seu curso, o método ou algum de seus critérios de cálculo venha a ser desqualificado pela fiscalização, situação esta em que deverá ser intimado o sujeito passivo para, no prazo de 30 (trinta) dias, apresentar novo cálculo de acordo com qualquer outro método previsto na legislação.
[8] Método do Preço de Revenda menos Lucro com margem de lucro de 20%.

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  • Brave

    é conselheiro presidente da 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do Carf, auditor fiscal da Receita Federal, instrutor da Escola de Administração Fazendária (Esaf) e professor em cursos de especialização na Unisinos, Universidade Lasalle e Verbo Jurídico. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Feevale em parceria com a PUCRS e bacharel em Direito pela Universidade Feevale e em Ciências Contábeis pela Universidade de São Paulo.

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