Opinião

A relevância dos temas de repercussão geral reconhecida no STF

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22 de agosto de 2019, 6h08

De acordo com a Emenda Constitucional nº 45/2004, o § 3º do artigo 102, da Constituição Federal de 1988, o recorrente só poderá interpor Recurso Extraordinário quando o tema a ser julgado tenha “repercussão geral reconhecida” pelo STF, uma vez que o pressuposto óbvio é de que a questão a ser debatida é constitucional.

Em outras palavras: aquele recurso será ou não admitido, a depender da sua relevância social, política, econômica ou jurídica devidamente reconhecida pela Corte, como de repercussão geral.

Recentemente, o STF divulgou vários temas de repercussão geral reconhecida que serão julgados a qualquer momento. Muitos deles foram reconhecidos como de repercussão geral pelo Plenário Virtual daquele tribunal.

A possibilidade de votação em Plenário Virtual do STF de tais temas foi concretizada pela Emenda Regimental nº 52, que deu origem à Resolução n 642/2019, a qual disciplina o julgamento de todos os processos em listas, virtuais e presenciais.

Antes de tal Emenda, o Plenário Virtual só podia julgar Agravos Internos e Embargos de Declaração.

Agora, o Plenário Virtual já pode julgar Medidas Cautelares em ações de controle concentrado de constitucionalidade, Referendo de Medidas Cautelares e de Tutelas Provisórias e outros processos, desde que tenham a sua repercussão geral reconhecida.

Na mesma direção, o artigo 323-A do Regimento Interno do STF permite o julgamento de mérito pelo Plenário virtual de temas com repercussão geral reconhecida, desde que reafirmem a jurisprudência dominante naquela Corte.

Independentemente daquele avanço institucional que será determinante para a aceleração do julgamento de muitos processos, vários temas de repercussão geral já reconhecida serão oportunamente julgados e provocarão impacto significativo do ponto de vista social, político, econômico e jurídico, como se demonstrará a seguir.

No que diz respeito ao direito civil ou mais especificamente ao direito de família, a Corte se deparará com a responsabilidade de julgar a necessidade ou não da separação judicial antes do pedido de divórcio.

A partir da Emenda Constitucional nº 66/2010, que alterou o § 6º do artigo 226 da Carta Magna, o casamento poderá ser dissolvido pelo divórcio, sem o requisito da redação original, o qual previa a separação judicial legal ou de fato, respectivamente por mais de um ou dois anos.

Assim, o Supremo deverá dar a palavra final ao presente tema, no sentido de decidir se persiste o instituto da separação judicial relativamente ao instituto do divórcio, embora tal tema já tenha sido objeto de julgamento em vários processos no âmbito do controle difuso de constitucionalidade.

Há que se reconhecer a superação daquele instituto diante da evolução dos valores e princípios da sociedade brasileira que já adota o divórcio, sem a necessidade da separação judicial.

Outros temas de repercussão geral reconhecida remetem à matéria penal e são extremamente oportunos e relevantes na fase de investigação criminal.

O primeiro trata da constitucionalidade ou não da tramitação direta de inquérito policial entre Ministério Público e Polícia Civil.

O segundo remete à possibilidade de acordo de colaboração premiada no âmbito de ação civil púbica em face de cometimento de ato de improbidade administrativa movida pelo Ministério Público.

Por último, a Corte vai decidir se admite prova obtida por meio de abertura de encomenda postada nos Correios, em razão da inviolabilidade do sigilo das correspondências previsto no inciso XII, do artigo 5º, da Constituição Federal de 1988.

Conforme se pode depreender, todos os temas de matéria penal e/ou processual penal são extremamente relevantes e retratam os atuais problemas enfrentados pelo Ministério Público e Poder Judiciário.

A questão da (in)constitucionalidade da tramitação direta de inquérito policial entre o MP e a polícia, sem a necessidade de intermediação do Poder Judiciário, tem sido objeto de particular importância nos meios social, político e obviamente jurídico, em razão de fatos recentes que se coadunariam com atos ilícitos supostamente cometidos por personalidades do mundo político e jurídico, os quais seriam o foco das investigações em curso daquelas instituições.

Tal debate foi intensificado por diferentes interesses em jogo e tem se estendido indiretamente à competência de outros órgãos públicos, entre eles, a Receita Federal, o Coaf e o Banco Central do Brasil, que se encontram sob fogo cerrado e até sob controle do STF quanto aos seus procedimentos e resultados.

Independentemente daquela definição, a tramitação direta de inquérito policial entre o MP e a Polícia sofreria limitações de natureza judicial, apenas quando se tratasse de temas relativos às garantias e direitos fundamentais estampados no artigo 5º da Carta Magna.

Quanto ao futuro desfecho do segundo tema a ser julgado pela Corte é conveniente ressaltar a utilidade do instituto de colaboração premiada no âmbito de uma ação de improbidade administrativa, uma vez que esta, no dizer de Teori Zavascki, tem uma face penal (ao defender o foro privilegiado para esse tipo de ação). A própria Lei nº 8.429/1992 – Lei de Improbidade Administrativa – expõe a multiplicidade de suas interfaces, ao prever em seu artigo 12 a aplicabilidade das sanções – penais, administrativas e civis, além das sanções expressamente dispostas em seus incisos e que deverão ser impostas ao agente público, quando do cometimento de ato ilícito em face da Administração Pública direta e indireta ou fundacional.

O terceiro tema de natureza penal também foi inspirado por fato recente e colocará em xeque o direito fundamental à inviolabilidade do sigilo da correspondência, esculpido no artigo 5º da Carta Magna em face da efetividade da atividade jurisdicional direcionada especialmente ao combate à corrupção e à proteção da Administração Pública.

Outros temas a serem oportunamente julgados têm particularidades que os tornam igualmente relevantes na seara social.

Trata-se de conflito de competência entre Entes federados, como a lei municipal que obrigou a implantação de ambulatório médico ou unidade de pronto socorro em shopping centers.

Nessa seara, o artigo 30 da Constituição Federal de 1988 prevê em seu inciso I que os Municípios poderão legislar sobre assuntos de interesse local, enquanto os artigos 22, 23 e 24 estabelecem, respectivamente, a competência privativa da União para legislar, no sentido de dispor sobre normas gerais, acerca de todos os temas elencados em seus incisos I a XXIX; a competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios e a competência concorrente da União, Estados e o Distrito federal para legislarem sobre os temas dispostos em seus incisos I a XVI.

Dada a relevância social do tema, o STF deverá julgar:

  • se o Município teria o poder de polícia para proteger os frequentadores dos shoppings e, desse modo, estaria exercendo a sua competência para legislar sobre assuntos locais;
  • ou teria a competência para suplementar as legislações federal e estadual;
  • ou aquela legislação municipal estaria usurpando a competência privativa da União para legislar sobre aquele tema.

Na mesma direção, o STF deverá decidir sobre a competência ou não de Município legislar sobre a proibição de fogos de artificio e outros similares ruidosos que ameaçam o meio ambiente.

Nesse caso, a Corte julgará a constitucionalidade daquela legislação municipal, analisando se o Município extrapolou da competência concorrente das Unidades Federadas (Estados), disposta no artigo 24 da Carta Magna.

Da mesma forma, o Supremo deverá julgar e decidir sobre a possibilidade de técnico em farmácia assumir a responsabilidade por drogaria após a vigência da Lei nº 13.021/2014, que prevê normas correspondentes ao exercício e fiscalização das atividades farmacêuticas.

O tema remete à análise da responsabilidade do farmacêutico sobre todas as atividades das farmácias relativamente à delegação daquela responsabilidade ao técnico.

De modo geral, a discussão deverá ocorrer em torno dos conceitos de farmácia, drogaria e laboratório e envolverá a obrigatoriedade legal da responsabilidade do farmacêutico ou técnico em farmácia, conforme previsão das leis nº 5.991/1973, 6.437/1977 e 13.021/2014.

Outro tema de repercussão geral reconhecida e que deverá ser oportunamente julgado pelo Supremo diz respeito à obrigação ou não da OAB prestar contas ao Tribunal de Contas da União, uma vez que, segundo o Ministério Público Federal, aquela entidade é de interesse público e por esta razão teria que atender aos dispositivos constitucionais de prestação de contas.

Outro tema relevante é a decisão da Corte sobre a responsabilidade civil do Estado, quanto ao profissional da imprensa ferido pela polícia em situação de tumulto durante a cobertura jornalística.

A despeito de o Supremo já ter se debruçado sobre o tema da responsabilidade do Estado sob diversos aspectos, essa questão adquirirá contornos especiais por se tratar de profissional de imprensa.

Até o presente momento, a jurisprudência recente do STF tem reconhecido a responsabilidade objetiva do Estado ou da pessoa jurídica de direito privado (prestadora de serviços), quando da ocorrência de danos a terceiros causados por agente público.

Contudo, nesta semana, o STF aprovou tese quanto à possibilidade de ação de regresso do Estado, em face do agente público causador do dano, quando houver comprovação de dolo ou culpa, conforme previsão do parágrafo 6º, do artigo 37, da Carta Magna.

O STF também deverá decidir sobre a constitucionalidade do direito de candidato estrangeiro à nomeação em concurso público para professor, técnico e cientista em universidades e instituições de pesquisa científica e tecnológica federais, conforme previsto no artigo 207, parágrafo 1º, da Constituição Federal.

Esse debate inevitavelmente incluirá o inciso I, do artigo 37, da Constituição federal de 1988 e a legislação ordinária correspondente à Lei nº 8.112/1990, bem como a extensão dessa possibilidade às universidades estaduais, sob o pressuposto de edição de lei específica para tal.

Na área de direito do trabalho, o Supremo deverá examinar a validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente.

A questão dos precatórios também será objeto de julgamento definitivo da Corte, a qual deverá decidir sobre a constitucionalidade da incidência de juros de mora no período compreendido entre a data da expedição do precatório ou da requisição de pequeno valor (RPV) e o efetivo pagamento.

No que se refere à matéria tributária, o Supremo deverá julgar:

  • sobre a possibilidade de empresas optantes do Simples usufruírem da alíquota zero incidente sobre as contribuições ao PIS/COFINS no regime de tributação monofásica;
  • a inclusão do ICMS na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta;
  • e o condicionamento do despacho aduaneiro de bens importados ao pagamento de diferenças apuradas por arbitramento pela autoridade fiscal quanto ao valor da mercadoria.

Há que se reconhecer a abundância de recursos extraordinários (obviamente com repercussão geral reconhecida), cujos temas de natureza necessariamente constitucionais desembocam na Corte para serem processados e julgados, sem contar da sua competência recursal e criminal.

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