Inibir a Atuação

Procuradores pedem que Bolsonaro vete nove artigos da Lei de Abuso de Autoridade

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21 de agosto de 2019, 15h28

Os tipos penais descritos no projeto de Lei de Abuso de Autoridade, por serem vagos, dificultam a aplicação da lei e criam zonas cinzentas sobre a adequação da atuação dos integrantes do sistema criminal. Com esse argumento, um grupo de procuradores do Ministério Público Federal entregou ao Planalto, nesta quarta-feira (21/8), uma nota técnica em que defende nove vetos a artigos da lei. 

Marcos Corrêa/PR
O presidente Jair Bolsonaro, que analisa o projeto de Lei de Abuso de Autoridade
Marcos Corrêa/PR

O primeiro ponto que os procuradores citam é o artigo 3º, que permite a uma pessoa processar autoridade se o MP recusar a ação. "As previsões dos § 1º e 2º do dispositivo em tela são desnecessárias, uma vez que já integram a legislação pátria, estando previstas nos artigos 29 e 38 do Código de Processo Penal", diz. 

No artigo 4º , que determina perda do cargo em caso de reincidência, os procuradores defendem que o projeto de lei é totalmente incompatível com o sistema jurídico vigente.

"E mais especificamente com o artigo 92, do Código Penal, uma vez que sendo os crimes definidos no projeto punidos com detenção, os efeitos da condenação, segundo a legislação vigente, só são aplicáveis em casos de crimes punidos com reclusão", diz. 

Contradição
Em relação ao artigo 9º, que torna crime decretar prisão “em manifesta desconformidade com as hipóteses legais, os procuradores afirmam que o dispositivo entra em contradição com o previsto no §2º, do art. 1º, do projeto.

"O legislador optou por inserir como regra geral a previsão de que a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não confira abuso de autoridade. Apesar desse dispositivo, ao longo do projeto há vários artigos que insistem na tipificação do crime de hermenêutica. Essa contradição demonstra a ausência de técnica legislativa e cria insegurança jurídica para o aplicador da lei", afirma. 

Ao avaliar o artigo 25, que torna crime obter prova “por meio manifestamente ilícito”, os procuradores explicam que o caput do dispositivo é redundante, porque as práticas de meios ilícitos para a obtenção de provas já são criminalizadas por leis específicas. 

"Além disso, o parágrafo único pode criar uma enorme insegurança jurídica. O dispositivo permitiria punir, por exemplo, o juiz, o promotor e o delegado de polícia que utilizassem escutas telefônicas judicialmente autorizadas e que, posteriormente, viessem a ser anuladas", aponta. 

O artigo 27, que torna crime abrir investigação sem indício da prática de crime, também foi mirado pelo MPF. "O dispositivo em análise deixa desguarnecida a vítima da infração penal, ao inibir a atividade de apurar infrações penais da autoridade responsável pela investigação. A garantia para a sociedade está justamente na investigação dos delitos", afirma. 

Já o artigo 30, que torna crime investigar alguém “sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente”, exigir que, já no início da investigação, segundo os procuradores, a autoridade tenha algum grau de certeza sobre o fato, contradiz a própria finalidade do Instituto. 

"Não há razoabilidade na inserção desse tipo penal, pois afronta os direitos mais básicos da sociedade de ter acesso à segurança pública. Criar-se-á no ordenamento normas contraditórias. Por um lado, há a previsão de atribuição dos Órgãos que tomarem ciência de uma infração de investigá-la, averiguá-la. Por outro, se se verificar que a notitia não tinha fundamento, a autoridade poderá ser responsabilizada criminalmente”, diz a nota. 

Base Genérica
Em relação ao artigo 31, que torna crime “estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado”, os procuradores dizem que a redação do tipo penal do dispositivo se utiliza de expressões e conceitos genéricos.

"E indeterminados de grande potencial nocivo ao regular desempenho das atribuições legais dos agentes públicos que atuam diuturnamente na promoção da Justiça e no combate ao crime e à corrupção", afirma. 

O artigo 34, que estabelece que “deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, tendo competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento”, também é criticado pelos procuradores. 

"O tipo penal em questão também carece de objetividade e clareza exigíveis na criação de norma jurídica. Ao revés, utiliza-se mais uma vez de conceitos indeterminados e genéricos que em nada contribuem para o aperfeiçoamento do ordenamento jurídico pátrio, mas tão somente para melindrar os agentes públicos no exercício legítimo de suas funções e atribuições legais", afirma a nota. 

Por último, o artigo 43, que torna crime violar direito ou prerrogativa de advogado, também é mirado pelos procuradores. Segundo eles, enquanto a iniciativa legislativa propõe responsabilizar gravemente os agentes públicos, os magistrados do Poder Judiciário e do Ministério Público por crimes de abuso de autoridade, a classe dos advogados – que também integra o sistema de justiça.

"De acordo com o dispositivo, os advogados estariam a salvo de qualquer alegação de conduta caracterizada como abusiva. A bem da verdade, ao se orientar por esse princípio, os advogados – que integram as “Funções Essenciais à Justiça” – não poderiam ser excluídos das sanções graves propostas", diz a nota. 

Segundo a nota técnica, assinada pelos procuradores Luiza Frischeisen, Nívio de Freitas Silva Filho, Maria Iraneide Olinda Santoro Facchini e Domingos Sávio Dresch da Silveira, a redação do projeto de lei recém-aprovado poderá inibir a atuação de magistrados, promotores/procuradores e delegados de polícia.

"Isso porque se sentirão intimidados por retaliações, especialmente, nas investigações para as quais a parte contrária puder contratar bons advogados para trabalharem com as brechas da lei, se sentirão intimidados no desempenho de suas competências, em especial, a de simples aplicação/interpretação da lei", afirma trecho da nota. 

Clique aqui para ler a íntegra da nota técnica. 

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