Segunda leitura

Corregedor do TJ-RJ revela seriedade no exercício do cargo

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

18 de agosto de 2019, 8h00

Spacca
O Corregedor-Geral da Justiça do Rio de Janeiro, Desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto, em entrevista dada ao site do Terra, mostrou que assumiu o cargo para aprimorar o sistema e não para receber homenagens e tapinhas nas costas. Expondo suas ideias de forma clara, afirmou:

Normalmente, quando se ocupa cargo de administração, visa-se ocupar outros cargos. Isso tem um custo, ele fica cauteloso. Esse é o problema: o corregedor que não age como tal, que quer ser bem quisto, que não quer contrariar, que não quer tomar atitudes. [1]

As palavras do corregedor soam como música aos meus ouvidos, pois é exatamente isto que penso. Por ambição de conquistar outras posições, como a de presidente, ou de olho em uma vaga no STJ, a maioria dos corregedores fazem vista grossa quando se deparam com problemas. E isto não se aplica somente aos dos Tribunais, mas também aos do Ministério Público e outros órgãos.

Assumindo a confortável posição de receber tratamento diferenciado, há, até, os que não fazem correições nas varas, afirmando que na era da eletrônica isto não é necessário, pois do gabinete é possível gerenciar todo o estado ou região. O argumento é forte, pois dá um tom de modernidade. Mas não é verdadeiro.

O corregedor precisa ir à unidade judiciária, falar com os juízes, ouvir a OAB e o MP e no final apresentar as suas conclusões publicamente. E se as coisas não estiverem bem, cobrar ações. Em caso de falhas menores, dar 90 dias para serem solucionadas e voltar para conferir. Nas maiores, agir sem hesitação.

Mas o que tornou o corregedor Garcez Neto famoso foi ter reclamado de 44 magistrados, que fizeram curso no exterior, prova de que “frequentaram e concluíram os cursos de aperfeiçoamento profissional em outros países”. [2]

Para os menos acostumados com o serviço público, registra-se que os cursos no exterior são comuns atualmente, não apenas para juízes, mas também para outros profissionais, como agentes do Ministério Público e advogados da União. Nisto nada há de errado. A complexidade do mundo atualmente exige conhecimentos que vão muito além do prazo para apresentar recurso de apelação. Por exemplo, para um juiz de Vara de Família é importante conhecer os tratados e as soluções dadas no exterior, porque tornaram-se comuns pedidos de guarda envolvendo pais que residem em países diversos.

Mas, como é óbvio, os que saem a cursar mestrado ou outros cursos, seminários ou congressos, se forem com financiamento de dinheiro público devem prestar contas de seus atos. Isto está na Resolução 64 do CNJ, art. 3º, VI, “b”. E, se não estivesse, seria a mesma coisa, pois é inconcebível que alguém gaste dinheiro público sem prestar contas.

Aliás, a Lei Complementar 131, de 2009, conhecida como Lei da Transparência, assim determina. A sociedade tem o direito de ser informada a respeito no portal dos órgãos públicos e, em caso de omissão, pode reclamar ao Tribunal de Contas.

Mas se ele não for não for com dinheiro púbico, é a mesma coisa. Imagine-se que o juiz foi com despesas quitadas por sua associação ou que pagou do seu bolso. A obrigação continua, pois a ausência do serviços por alguns ou muitos dias, representa um custo para o Estado. Isto porque ele recebeu seus vencimentos e a população viu-se privada de seus serviços.

Pois bem, a primeira medida do Corregedor, uma vez constatado que 44 magistrados não cumpriram o dever de apresentar os certificados ou documentos equivalentes, foi dar-lhes 72 horas de prazo. Parece pouco, mas não é. O prazo começou a correr quando eles retornaram do curso. As 72 horas são apenas para quem se esqueceu de cumprir o dever poder cumpri-lo.

A maioria absoluta fez a prova, apenas 4 se omitiram. Contra eles foi instaurada sindicância. Atenção, sindicância é um meio preventivo de apurar a verdade, uma investigação preliminar. Não é processo administrativo, este sim uma apuração cercada de todas as cautelas e que pode resultar na punição de um juiz pelo órgão competente.

Portanto, aos 4 que não cumpriram o dever de provar que estiveram presentes à atividade para a qual foram autorizados, resta, ainda, a possibilidade de fazê-lo na sindicância. E, se não o fizerem, aí sim, poderão responder um processo administrativo.

De tudo isto se vê que a atitude do Corregedor-Geral nada teve de arbitrária, ao contrário, foi de cumprimento do dever do seu cargo.

Mas, se é assim tão fácil, por que tal iniciativa repercutiu na mídia? A resposta é simples. Porque vivemos uma época de desleixo administrativo, os que detêm poder de mando preferem omitir-se a ter que enfrentar acusações de despotismo ou insensibilidade. E é por esse doce comodismo que quem age paga um preço. A começar pela revolta dos possíveis atingidos.

Falando genericamente e não sobre o caso do TJ-RJ, tomando conhecimento de uma infração administrativa o Corregedor terá que levar o caso ao órgão especial ou Tribunal Pleno (em caso de Tribunais pequenos) e propor a abertura do processo administrativo. Aí certamente encontrará a resistência de alguns colegas que, por adotarem postura mais corporativa ou por terem sido procurados pelo acusado, farão oposição cerrada. E a abertura do PAD poderá ser recusada.

Como se vê, o sistema criado no Brasil, para tudo e não apenas para o Judiciário, estimula todos os que exercem função pública a omitirem-se. Os que resolvem enfrentar os problemas de frente e lutar pelo aprimoramento das instituições, merecem, só por isso, cumprimentos.

Por tal motivo, sem saber detalhes do que se passou no caso do TJ-RJ, sem nunca na minha vida ter visto o desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto e sem fazer qualquer exame do mérito de cada caso especificamente, expresso a minha opinião, no sentido de que o Corregedor-Geral carioca honra a sua toga. E termino, citando Antoine Garapon, quando afirma: “A democracia não pode viver sem um mínimo de confiança nas instituições.” [3]


[1] Entrevista em 12/8/2019. Disponível em https://www.terra.com.br/noticias/corregedor-linha-dura-na-justica-do-rio,d047ddd755bf0610c0c757888e37dad7llz2a3v1.html, acesso em 1517/8/2019.

[2] “Corregedoria do TJ-RJ abrirá sindicância contra 4 juízes”. Jornal “O Estado de São Paulo”, 14/8/2019, p. A6.

[3] GARAPON, Antoine. Bem julgar. Ensaio sobre o ritual judiciário. Lisboa: Instituto Piaget, 1997, p. 281.

Autores

  • é chefe da Assessoria Especial de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, professor de Direito Ambiental e de Políticas Públicas e Direito Constitucional à Segurança Pública na PUCPR e desembargador federal aposentado do TRF-4, onde foi corregedor e presidente. Pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) e mestre e doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi presidente da International Association for Courts Administration (Iaca), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibraju).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!