Opinião

A proteção aos nomes e símbolos de eventos oficialmente reconhecidos

Autores

  • Paulo Armando Innocente de Souza

    é pós-graduado em Direito Processual Civil pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) graduado em Direito pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ) e advogados-sócio na Daniel Advogados.

  • Rafael Marques Rocha

    é sócio no Daniel Advogados pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-Rio e graduado em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

18 de agosto de 2019, 7h01

Apesar do crescente número de eventos ocorridos no Brasil, sejam de cunho totalmente privado ou com incentivos públicos, escassos são os estudos acerca da proteção conferida aos nomes e símbolos que identificam esses acontecimentos. Contudo, o tema é pertinente, pois a identificação de circuitos de espetáculos, festivais e manifestações artísticas entram para o acervo cultural não só das entidades que os organizam, mas também da coletividade.

Inicialmente, conforme se depreende do óbice legal previsto no inciso XIII, do artigo 124, da Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), é vedado que terceiros desautorizados registrem os nomes e símbolos de eventos oficiais ou oficialmente reconhecidos. Essa vedação deixa claro que há uma salvaguarda autônoma dos nomes e símbolos que identificam esses eventos, assim como ocorre com a vedação aos nomes civis sem autorização, dos nomes empresariais, patronímicos etc.

Dentre os obstáculos ao registro de marca previstos no rol do artigo 124 da LPI, apenas os contidos nos incisos XIX, XX e XXIII condicionam à colidência entre marcas. Os demais preveem óbices legais, de distintividade, de fato ou, ainda, decorrentes de direitos de outra natureza. O inciso XIII é, portanto, um caso que pode ser caracterizado como um fato impeditivo ao registro de uma marca idêntica ou similar do nome do evento ou, ainda, classificado como um direito autônomo apto a ser protegido em favor dos organizadores e produtores desses eventos.

O próprio Manual de Marcas do Inpi, que complementa e explica o teor da vedação ao registro de símbolos e nomes de eventos oficiais ou oficialmente reconhecidos, dá apenas singelas contribuições à interpretação do referido dispositivo e do respectivo tema. Consta do manual que eventos oficiais são os promovidos por entidades ou órgãos públicos, nacionais ou estrangeiros. Por outro lado, oficialmente reconhecidos são os de caráter privado, mas que gozam de reconhecimento da esfera pública.

Nesse sentido, o pedido de registro de marca para os elementos distintivos que identificam esses eventos — nomes e/ou símbolos — deve ser feito pela entidade ou órgão que o promove ou com a sua devida autorização, sob pena de indeferimento pelo Inpi. Tem-se, portanto, uma categoria autônoma de proteção que resguarda os empresários ou até mesmo a administração pública quanto aos investimentos na realização de certos espetáculos e circuitos artísticos ou científicos.

No entanto, qual seria a natureza e forma de proteção desses nomes e símbolos? Para Marcelo Augusto Scudeler[1], trata-se de uma marca de evento e que, segundo o autor, independe de prévio registro. Entretanto, apesar do entendimento esposado pelo doutrinador ser inicialmente positivo por reconhecer a proteção, também é potencialmente problemático. Isto porque, ao afirmar que a referida proteção como marca independe de registro, o autor defende exceção ao princípio do sistema marcário que necessariamente deveria estar contida de forma expressa na LPI, como é o caso das marcas notoriamente conhecidas, com previsão no artigo 126, da LPI.

O Instituto Dannemann Siemsen, por sua vez, entende que a proteção a esses elementos não deve se dar como marca, ressaltando que a vedação do inciso XIII é absoluta e abrange toda e qualquer classe[2]. Essa característica absoluta de proteção a retira do rol de marcas e a coloca nas vedações atinentes a outros direitos que, por não estarem adstritos a classificações correlatas às de marcas, se aplicam a todas as classes, com a exceção da marca de alto renome (artigo 125, da LPI), que é uma situação completamente distinta da aqui debatida.

Com efeito, a importância da proteção aos nomes e símbolos de eventos oficiais ou oficialmente reconhecidos é tamanha que eventos de enorme vulto, como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo, contaram com leis específicas que, dentre outras medidas, previam a proteção dos nomes e símbolos atinentes aos eventos esportivos. O Ato Olímpico (Lei 12.035/2009) e a Lei da Copa (Lei 12.663/2012) estabeleceram rigorosas vedações a usos e registros de expressões e símbolos pertencentes aos respectivos eventos, devido à sua magnitude e medida de salvaguarda aos investimentos dos patrocinadores oficiais.

O magnetismo comercial exercido pelos elementos identificadores desses megaeventos é provado, inclusive, com o surgimento de problemas que não apenas o de pedidos ou usos indevidos de marcas, símbolos ou nomes próprios destes. Trata-se da prática de ambush marketing, ou marketing de emboscada, em que um particular, sem copiar ou imitar o nome ou símbolos do evento, busca estabelecer uma associação com o aludido evento junto ao consumidor, seja em campanhas publicitárias ou em intrusão no próprio evento, de forma a captar clientela já fidelizada pela sua realização, em aproveitamento parasitário. Tal conduta não é permitida, pois além das vedações legais específicas, há também o fato de que o particular que se utiliza deste expediente não realizou investimentos para associar sua marca ao evento, ao contrário de patrocinadores oficiais, que envidaram esforços financeiros que, inclusive, ajudam a alavancar a organização e a realizar e ter sucesso com o evento.

Contudo, em que pese os eventos de maior porte terem seus elementos distintivos resguardados por legislações próprias, o mesmo não acontece com as manifestações locais que, apesar de menor vulto, ainda assim agregam investimentos e atraem público e turistas para as suas localidades. Esses eventos, quando inseridos oficialmente em um cronograma do poder público para aquela localidade, podem ser considerados oficializados e, desta forma, podem ser protegidos pelo inciso XIII, do artigo 124, da LPI.

Importante ressaltar que mesmo os eventos de menor porte, por vezes, sofrem com a usurpação de seus nomes e tentativas por indivíduos ilegítimos de se apropriarem indevidamente de sua imagem, nomes e símbolos para alavancarem lucros. Portanto, é extremamente positivo que haja a inserção de eventos que agregam valor cultural aos estados e municípios aos seus calendários oficiais, através de atos próprios do poder público, de modo a chancelar a proteção prevista na LPI.

Desta forma, o Poder Judiciário terá respaldo para impedir que os investimentos públicos ou privados empregados na produção, realização e promoção desses eventos sejam indevidamente apropriados por terceiros, desestimulando investimentos futuros. Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região já decidiu pela proibição de que particulares não autorizados se apropriassem da expressão “Corrida de São Sebastião” como marca, uma vez que se trata de nome de evento público que integra o “Calendário Oficial de Eventos do Município do Rio de Janeiro, sendo realizada anualmente no dia 20 de janeiro (Lei Municipal nº 4.760, de 23 de janeiro de 2008)”[3].

Igualmente decidiu o Tribunal Regional Federal da 1ª Região ao proibir o registro da expressão “Carnamontes” por uma empresa privada. O Carnaval fora de época de Montes Claros é notoriamente conhecido como um evento periodicamente realizado no citado município e, por isso, não poderia ser apropriado com exclusividade por terceiro que sequer realizou investimentos para a sua produção ou realização em parceria com o poder público[4].

A relevância da proteção do nome do evento ganha ainda mais relevo quando terceiro não autorizado tenta se valer de registro indevidamente obtido para o respectivo nome para obstar o uso pela entidade promotora do evento. Foi esse o pano de fundo da decisão que julgou improcedente a pretensão de particular formulada em face da Federação de Futebol do Espírito Santo para que cessasse o uso da expressão “Copa Espírito Santo” em seus eventos esportivos, pois tal expressão seria objeto de registro de marca da demandante.

Na decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo, o órgão colegiado entendeu que não teria a detentora do registro de marca o direito de se opor à realização do evento esportivo sob aquela denominação justamente por ser nome de evento esportivo oficialmente reconhecido. Consignou o desembargador relator, em seu voto, que a “Copa Espírito Santo” é um dos mais importantes torneios de futebol da região e que a entidade que a promove, a Federação de Futebol do Espírito Santo, é filiada à CBF, o que fundamenta a sua oficialidade. O registro obtido pelo particular é, portanto, ineficaz para obstar a continuidade da realização do torneio sob esta denominação, já que tal registro sequer deveria ter sido concedido, conforme a vedação do inciso XIII, do artigo 124, da LPI[5].

Entretanto, a defesa de nomes de eventos na esfera administrativa do Inpi é problema que exsurge pela própria sistemática de defesa de marcas perante a autarquia federal. Um particular que detenha direitos sobre nome de evento oficialmente reconhecido (mas não registrado) acaba dependendo do conhecimento prévio do examinador do Inpi sobre o aludido evento para que pedidos de registro de terceiros que reproduzam ou imitem o nome ou símbolos característicos do evento sejam indeferidos de ofício.

Porém, em casos de eventos não tão proeminentes ou, ainda, regionais, é bastante provável que determinados examinadores deles não tenham notícia ou conhecimento para que apliquem o dispositivo. A oposição por parte do detentor do nome do evento, nesse caso, demandaria um constante acompanhamento das publicações do Inpi, o que seria facilitado pelo depósito de pedido de registro para a marca correspondente ao nome ou símbolo característico do evento. Tal medida, para a prática dos profissionais que militam na proteção a direitos de propriedade intelectual, contribuiria para um acompanhamento mais aperfeiçoado quanto à identificação de eventuais publicações de pedidos de registro para marcas conflitantes com esses nomes e símbolos.

A partir daí, no entanto, outro problema tem sido verificado. Não raro os nomes de eventos são compostos por termos descritivos ou, quando muito, evocativos, o que dificulta a proteção como marca e oposição de direitos advindos da proteção marcária em face de terceiros. Isto porque, se o nome de um evento for descritivo ou sua maior parte o for, poderá ser indeferido ou, ainda que concedido, terá sua exclusividade mitigada.

Esse é o caso de marcas que correspondem a nomes de eventos famosos, como o da semana de moda de São Paulo, a “São Paulo Fashion Week”. Apesar da promotora do evento possuir registros para a expressão como marca, o Inpi os concedeu com apostilamento da expressão “Fashion Week”, por entender ser descritiva das atividades que identifica.

Por isso, e também diante de inobservância do óbice do inciso XIII do artigo 124 da LPI, o Inpi acabou permitindo que diversas outras empresas obtivessem registros para a promoção de eventos contendo a expressão “Fashion Week”, diluindo ainda mais o termo no segmento. O fato é ainda agravado por ter a maior parte dessas marcas associado o nome da localidade em que atua à expressão “Fashion Week”, o que pode fazer parecer que há produções menores da famosa semana de moda em outras localidades, atraindo investimentos de empresários de forma indevida para a persecução de atividade afim à do registro da marca “São Paulo Fashion Week” e associando-se ao nome do evento sediado em São Paulo.

Vale lembrar, a “São Paulo Fashion Week” está inserida no cronograma oficial da cidade de São Paulo e atrai turistas e investimentos de diversos países, bem como patrocínio de marcas nacionais e internacionais. A oficialização do caráter do evento se deu através de ato normativo e, portanto, muito embora seja uma criação da iniciativa privada, foi incorporado pela administração pública como parte do acervo cultural da cidade, o que deveria atrair a proteção ao nome do evento pelo dispositivo que lhe é próprio.

De mais a mais, também cabe a crítica de que não se poderia ambicionar a proteção de qualquer termo ou expressão, ainda que não distintiva, sob o pretexto de que esta denomina um evento oficial ou oficialmente reconhecido. Interpretar o dispositivo da LPI desta forma seria um salvo-conduto à retirada do vernáculo de palavras e expressões a todos franqueados por meio de proteção que sequer encontra um instituto individualizado na legislação de regência.

Contudo, uma análise casuística e criteriosa merece ser empregada quando da proteção aos nomes e símbolos de eventos, ainda que regionais, locais e de menor vulto. A criação e promoção de um evento, seja pelo poder público, em parceria com o poder público ou por este chancelado e incorporado em calendário oficial, atribui ao seu nome ou símbolo um magnetismo valioso para a exploração comercial. Desta forma, a ausência de uma proteção eficaz afastaria investimentos importantes para o desenvolvimento e perpetuação do próprio evento designado, uma vez que os caracteres que o identificam restariam diluídos pela sociedade e o esforço financeiro não teria o retorno desejado.

Portanto, os produtores ou empresas e empresários que promovem eventos desse tipo, de enorme importância para o desenvolvimento cultural e econômico de uma região, devem se atentar para a necessidade de depositar os nome e símbolos característicos de seus respectivos eventos no Inpi. Esta medida é importante pois, ainda que a autarquia venha a indeferir o pedido de registro para o nome ou símbolo por faltar-lhe distintividade suficiente para ser registrável como marca, possibilitará aos produtores e empresários responsáveis pelo evento um melhor acompanhamento das publicações referentes a pedidos de registro de marcas que imitem ou reproduzam esses nomes e símbolos, facultando-lhes a devida impugnação sob o fundamento do inciso XIII, do artigo 124, da Lei da Propriedade Industrial.


[1] SCUDELER, Marcelo Augusto. Do direito das marcas e da propriedade industrial. São Paulo: Servanda, 2008. p.112.
[2] IDS – Instituto Dannemann Siemsen de Estudos de Propriedade Intelectual. Comentários à Lei Propriedade Industrial. Rio de janeiro: Renovar, 2013, p. 253.
[3] TRF-2ª Região, Primeira Turma Especializada, Apelação Cível 200851018072625, Rel. Juiz Federal Convocado Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, DJe 2/2/2011.
[4] TRF-1ª Região, Quinta Turma, Apelação Cível 0007642-08.2000.4.01.3800, Rel. Juiz Federal Convocado Cesar Augusto Bearsi, DJe 23/11/2007.
[5] TJ-ES, Quarta Câmara Cível, Apelação Cível 0062563-18.2007.8.08.0024, Des. Rel. Jorge Henrique Valle dos Santos, j. em 13/8/2013.

Autores

  • Brave

    é sócio no Daniel Advogados, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj) e graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

  • Brave

    é sócio na Daniel Advogados, pós-graduado em Direito Processual Civil pela PUC-Rio e graduado em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio)

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!