Vários alvos

Procuradores da "lava jato" pediram dados da Receita informalmente pelo Telegram

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18 de agosto de 2019, 12h16

Os procuradores da força-tarefa da "lava jato" pediam fora dos autos, de maneira informal, que um servidor da Receita Federal fizesse devassa na vida financeira de investigados ou até de pessoas próximas aos alvos. 

Fernando Frazão/Agência Brasil
Deltan Dallagnol: “Pede pro Roberto Leonel dar uma olhada informal.”
Fernando Frazão/Agência Brasil

Trata-se do novo capítulo da novela "vazajato". Reportagem publicada neste domingo (18/8) no jornal Folha de S.Paulo em parceria com site The Intercept Brasil mostra que Deltan Dallagnol e seus colegas pediam por mensagens no Telegram que o auditor fiscal Roberto Leonel, que chefiou a área de inteligência da Receita em Curitiba até 2018, quebrasse o sigilo fiscal de alvos da força-tarefa. 

Um exemplo foi no início de 2016, quando os procuradores pediram diversas vezes as quebras de sigilo para Leonel no caso do sítio de Atibaia que foi atribuído ao ex-presidente Lula. O MPF pediu a devassa de uma nora de Lula, do caseiro do sítio, o patrimônio dos antigos donos e as compras que Marisa Letícia, mulher de Lula, tinha feito na época.

Em uma ocasião específica, Deltan Dallagnol sugeriu aos colegas num grupo de mensagens do Telegram que pesquisassem as declarações anuais de Imposto de Renda do caseiro Elcio Pereira Vieira, conhecido como Maradona. 

"Vcs checaram o IR de Maradona? Não me surpreenderia se ele fosse funcionário fantasma de algum órgão público (comissionado)", disse. "Pede pro Roberto Leonel dar uma olhada informal." A quebra do sigilo fiscal do caseiro foi autorizada legalmente uma semana depois, pelo então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça no governo de Jair Bolsonaro.

As mensagens exibem apenas uma face da moeda. Mostram que os procuradores pediram, mas não esclarecem se Leonel atendeu os pedidos. Porém, em 2017, uma troca de mensagens mostra que Leonel enviou informações sobre parentes do ex-deputado Rodrigo Rocha Loures para Deltan, sendo que o caso sequer era da jurisdição de Curitiba.

Roberto Leonel foi escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro para chefiar o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Leonel criticou a decisão do ministro Dias Toffoli, que suspendeu investigações que a Receita Federal conduzia contra 133 pessoas, incluindo mulheres dos ministro Toffoli e Gilmar Mendes. O governo agora decidiu deslocar o Coaf do Ministério da Justiça para o Banco Central e Leonel deve deixar o cargo. 

Pela lei, o MP deve fazer requerimento formal para que a Receita Federal passe informações. Em casos mais abrangentes, deve ter autorização da Justiça. O manual do sigilo fiscal, publicado pela própria Receita em 2011, deixa explícita a proibição da lei a qualquer divulgação sobre a riqueza de cidadãos brasileiros, apresentando apenas duas exceções: quando as informações foram pedidas por um juiz, e, nesse caso, a orientação é de que a informação seja passada diretamente a quem solicitou; ou quando pedida por autoridade pública, nesse caso com comprovação de processo administrativo para investigar uma pessoa específica.

Na resposta ao jornal, tanto o MP quanto à Receita se limitaram a dizer que a interação entre os órgãos é "perfeitamente legal —comum e salutar no combate ao crime organizado", sem fazer referência ao caráter "informal" das interações entre os procuradores e o auditor.

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