Nova era

"MP deve deixar papel de atendedor de demandas e assumir o de propositor"

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18 de agosto de 2019, 9h00

Spacca
A preocupação do Ministério Público não pode ser somente a corrupção, mas sim todo o comportamento que seja socialmente danoso. Além disso, a entidade deve abandonar o papel de enfrentamento de incêndio e passar a se tornar um propositor de soluções em conjunto com a sociedade. 

Essas formulações de um novo papel e uma nova dinâmica do Ministério Público têm sido elaboradas pelo procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro. Em entrevista à ConJur, Eduardo Gussem falou sobre a tentativa de superar o que vê como um modelo demandista: "Ficamos em processo, processo e processo e perdemos para o volume. Precisamos nos reinventar. Reposicionar e nos reencontrar". 

A embarcação que Gussem aponta como meio de se chegar do outro lado da margem é a tecnologia, o uso inteligente dos dados, a integração das redes. Plano ousado para o chefe de MP de um estado falido e no meio de um apocalipse fiscal. Mas ele aponta algumas medidas práticas que já vêm sendo tomadas. 

O incremento trazido pela tecnologia da informação e a atuação baseada em evidências mostram-se muito importantes para ir além de formalismos e atingir cultura de integridade efetiva: é justamente com tecnologia e cultura que se espera conseguir a supressão de fatores históricos que fomentam a falta de integridade na administração pública no Brasil.

O procurador-geral do Rio aponta como raízes históricas dos casos de corrupção no Brasil a falta de transparência, a pessoalidade, a ineficiência sistemática e a falta de controle sobre o dinheiro. 

Leia a entrevista:

Conjur  — O sr. defende que o Ministério Público precisa superar o modelo de atendedor de demandas e ser um propositor de soluções. Como é possível mudar a dinâmica? 
Eduardo Gussem — Deixando de lado a obsessão moral de perseguição e focando mais em implementar uma cultura de integridade, que dê retorno em valor para a sociedade.

Conjur  — De que forma isso pode ser feito?
Eduardo Gussem — Com o emprego da tecnologia, que dentro deste marco de governança é capaz de melhorar a aplicação dos recursos públicos e a administração do MP-RJ. Novas tecnologias podem ser utilizadas para agregar valor social e respeitar direitos. Usar os recursos para retornar informação e transparência para a sociedade. Criar ambiente que impulsiona a adesão a boas práticas por outras instituições, públicas e privadas. Centralizar dados importantes, de modo a tornar as bases públicas do MP-RJ um espaço de integridade contra fake news e desinformação.

Conjur  — Qual o processo necessário para a iniciativa privada aderir a esse novo modelo? 
Eduardo Gussem
— A convergência entre as partes apareceria quando houvesse adesão a valores éticos e a implementação e cobrança de compliance eficiente e não cosmético. Isso se daria por meio de cooperação entre poder público e iniciativa privada, evitando o atual cenário de criação de contracultura de defesa cínica por parte das corporações contra uma obsessão moral persecutória do poder público. Ao final, a melhora do ambiente de negócios é um cenário possível: mais negócios e com mais integridade a partir da cooperação entre um Ministério Público resolutivo e empresas comprometidas com valores éticos, a boa governança, o cumprimento das leis e o retorno em valor (comportamento pró-social).

Conjur  — Qual o motivo de tamanha ênfase no papel da tecnologia?
Eduardo Gussem — A tecnologia da informação se apresenta como fator fundamental por três motivos. Primeiro, apresenta maior possibilidade de transparência e auditagem, criando novo ciclo de produção e validação de dados. Além disso, cria possibilidades de medição estatística e qualitativa dos órgãos da administração pública, evitando a ineficiência sistemática que oculta más práticas propositais. Por fim, permite impor mais controles sobre valores e ações empregados, por meio da segurança digital e registros em tempo real, assim diminuindo as possibilidades de fraudes e atos que não respeitam a integridade esperada.

Conjur  — Quais medidas práticas o MP está tomando para desenvolver o que o sr. chama de "cultura de integridade na era da tecnologia da informação"?
Eduardo Gussem — O MP-RJ adquiriu instrumentos tecnológicos como Exadata e ferramentas de Big Data, além de aplicações e espaço em nuvem. A isso se soma a contratação de ferramentas de desenvolvimento que visam aprimorar práticas de georreferenciamento, análises estatísticas, inteligência artificial e mineração de dados. Isso necessariamente vem acompanhado da contratação de pessoal especializado, apto a lidar com o novo instrumental, mas também deve ser seguido da promoção de cultura e integração entre estruturas. 

Conjur  — Já é possível medir algum resultado? 
Eduardo Gussem — É possível citar o exemplo da Coordenadoria de Análises, Diagnósticos e Geoprocessamento (CADG). Ela já produziu a plataforma digital MPRJ em Mapas, disponível ao cidadão com duas ferramentas diferentes. O In Loco, direcionado ao georreferenciamento de vários dados e o MP-RJ Digital, que fornece diversos dados de políticas públicas do Estado do Rio de Janeiro.

Recentemente, o Governo do Estado do Rio de Janeiro assinou convênio com o Ministério Público, aderindo à plataforma para replicar sua estrutura básica no portal do Governo do Estado do Rio de Janeiro Digital e estabelecer cooperação com o Ministério Público para o envio de dados relevantes para o desenvolvimento contínuo das plataformas. 

Conjur  — E para fomentar mais inovações?
Eduardo Gussem
— Foi criado o Laboratório de Inovação (Inova_MPRJ), estrutura direcionada à otimização e aceleração do processo de amadurecimento institucional em matéria de tecnologia e inovação jurídica. O Inova pretende idealizar, experimentar e incubar inovações tecnológicas do Parquet fluminense, direcionadas especificamente para o aprimoramento da eficiência da atividade-fim.

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