Opinião

A cobrança pelo Fisco paulista de ICMS diferido no setor de pescados

Autor

  • Thuanny Pereira

    é advogada do Werebe & Associados mestranda em Direito Tributário na Universidade de São Paulo (USP) pós-graduada em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito e graduada em Direito pela Universidade São Judas Tadeu.

17 de agosto de 2019, 15h33

Atualmente, o Fisco vem encontrando maneiras diversas de autuar o contribuinte. A título de exemplo, em nível estadual, desde 2018 o contribuinte paulista está sujeito a um programa de conformidade tributária.

A esse respeito, foi criada a Lei Complementar 1.320/2018, conhecida como Lei de Estímulo à Conformidade Tributária, a qual define princípios para o relacionamento entre contribuinte e Fisco estadual, estabelecendo regras.

As regras preestabelecidas versam sobre simplificação do sistema tributário estadual, boa-fé e previsibilidade de condutas, segurança jurídica pela objetividade e coerência na aplicação da legislação tributária, publicidade e transparência na divulgação de dados e informações e concorrência leal entre os agentes econômicos.

Em outras palavras, a referida lei busca identificar possíveis irregularidades cometidas pelo contribuinte, como não efetuar o recolhimento de impostos dentro do prazo estipulado em lei ou deixar de enviar informações para as bases de dados do Fisco fora do prazo estabelecido, e sanar tais problemas sem que haja a necessidade de formalizar uma autuação fiscal ou um eventual processo judicial.

A essa nova legislação foi dado o nome de projeto “Nos Conformes”. O projeto da Secretaria da Fazenda permite que o contribuinte seja noticiado de alguma irregularidade e que faça o acerto devido sem a incidência de multa por infração à legislação tributária.

Ou seja, nesse primeiro momento não será lavrado auto de infração e imposição de multa, dando a chance ao contribuinte de pagar os impostos que deixou de recolher apenas com o recálculo normalmente cobrado ou de enviar suas obrigações acessórias apenas com a aplicação da multa normalmente imposta, sem adicional de multa isolada pelo descumprimento da legislação tributária.

Por outro lado, o projeto não atribui ao contribuinte o seu direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa, já que na fase preliminar de abertura dos serviços fiscais é apresentada uma notificação com as divergências apuradas e um prazo para regularização, sem conceder direito a apresentação de defesa ou discussão dos valores e das divergências apuradas.

Muitas vezes é preciso verificar se a autuação encontra-se em conformidade com as atividades e condutas desempenhadas pelo contribuinte.

A lavratura de um auto de infração e imposição de multa permite ao contribuinte autuado a discussão dos termos de sua suposta infração e, por muitas vezes, tornar nula a infração imputada ou diminuir seus valores consideravelmente, ao passo que no projeto “Nos Conformes” não há possibilidade de discussão quanto às supostas divergências apresentadas.

Nesse sentido, a Secretaria da Fazenda de São Paulo, desde o dia 11 de julho, tem enviado notificações do projeto retro mencionado para restaurantes e supermercados que fazem aquisição de pescados em razão do recolhimento de ICMS diferido.

ICMS diferido é o imposto cobrado como sendo uma modalidade de substituição tributária. Aqui em SP, o comerciante varejista seria o responsável tributário pelo recolhimento do ICMS sobre a operação anterior realizada pelo fornecedor dos pescados.

Isso, na prática, quer dizer que, quando o fornecedor vende o pescado para o comerciante varejista, ele não destaca na nota fiscal dele o ICMS devido na operação, deixando assinalado na nota fiscal que se trata de recolhimento diferido, conforme previsto no artigo 391 RICMS/00.

Nos termos do inciso III, do artigo 391 do RICMS/00, o comerciante varejista foi eleito como responsável tributário do recolhimento do ICMS devido na operação anterior realizada pelo fornecedor.

Não é apenas sobre pescados que o regulamento do ICMS paulista prevê o recolhimento de ICMS diferido, porém, neste momento, este é o setor que está sob fiscalização.

Portanto, todo comerciante varejista que tiver adquirido pescado para venda ao consumidor final, quebrando a cadeia de revendas, é o responsável tributário pelo recolhimento do ICMS diferido e receberá a notificação do projeto “Nos Conformes” para a regularização dos valores dos últimos cinco anos no prazo de 30 dias, caso não o tenha feito dentro do vencimento legal.

Para analisar se os valores presentes na notificação são devidos, é preciso fazer uma análise das notas fiscais de compra dos pescados e verificar na legislação os percentuais de acordo com o regime de tributação de cada empresa e com a sua condição, verificando também se o contribuinte não é portador de algum benefício fiscal, se os valores estão calculados corretamente, se as notas mencionaram a questão do recolhimento diferido do ICMS e outros diversos detalhes.

Essa autuação tem gerado grande polêmica porque muitos dos estabelecimentos enquadrados nessa condição de comerciantes varejistas sequer sabiam de sua responsabilidade tributária para recolhimento de tal imposto, já que normalmente o ICMS é recolhido por quem vende o produto ou através de substituição tributária por quem produz ou industrializa o produto, sendo esta uma causa atípica de responsabilidade tributária prevista no regulamento.

Assim, o diferimento do ICMS acaba sendo uma previsão tributária importante, porém não observada pelos contribuintes por ser uma figura muitas vezes esquecida.

Para evitar o elemento surpresa, os contribuintes devem sempre procurar um profissional da área tributária para analisar o caso concreto e a legislação aplicável e traçar a melhor estratégia para solucionar o problema.

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    é advogada do Werebe & Associados, mestranda em Direito Tributário na Universidade de São Paulo (USP), pós-graduada em Direito Tributário e Processual Tributário pela Escola Paulista de Direito e graduada em Direito pela Universidade São Judas Tadeu.

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