Opinião

Jurisprudência sobre links patrocinados ganha corpo nos tribunais brasileiros

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15 de agosto de 2019, 6h51

Não é novidade o oferecimento da ferramenta de links patrocinados por sites de buscas. Por ser uma valiosa forma de marketing, a sua procura tem crescido vertiginosamente.

Quanto ao Google Ads, por exemplo, o mais alto custo repassado na aquisição de uma palavra-chave pode chegar, atualmente, ao patamar de US$ 50 por clique[1], enquanto que empresas varejistas chegam a gastar, nos dias de hoje, em buscas pagas oferecidas pelo Google Ads, valores tão expressivos quanto US$ 50 milhões por ano[2].

O crescimento acelerado dos anúncios on-line trouxe, infelizmente, diversos problemas, como o uso indevido de marcas registradas (assim como de nomes empresariais e de nomes de domínio).

Não há dúvidas de que a internet é o espaço, por excelência, da liberdade. Aliás, sequer é nova a interface entre o sistema de marcas e esse tipo de publicidade comparativa[3]. No entanto, a internet não pode ser “terra de ninguém”[4].

Já é pacífico entre as nossas cortes, por exemplo, que links patrocinados devem atrair as mesmas exceções legais aplicáveis aos casos de infração. Exemplificando, o titular de uma marca não poderá impedir que ela seja utilizada em conjunto com sinais distintivos de comerciantes e/ou distribuidores, quando há legítimos fins promocionais ou comerciais de produtos e/ou serviços originais (artigo 132, I, da LPI). É o que decidiu, já em 2012, o TJ-SP, uma das mais importantes cortes empresariais brasileiras, aplicando tal exceção à casos de links patrocinados, no caso L’Oréal x Beleza.com[5].

Ocorre que, com a evolução natural da ferramenta em questão, em paralelo à penetração cada vez maior da internet, os casos concretos têm apresentado novas nuances. Via de consequência, as discussões judiciais têm aprofundado, passando a debruçar sobre o verdadeiro contexto do uso de sinais alheios.

Hoje, a questão deixa de se resumir apenas ao fato de a palavra ou expressão escolhida como palavra-chave para o link patrocinado configurar título de outrem. Até porque, como se sabe, a palavra-chave é utilizada apenas internamente, nas configurações do serviço de link patrocinado: trata-se de um uso utilitário por seu próprio caráter funcional, vez que indispensável para o funcionamento do motor de busca do serviço de link patrocinado.

O risco somente ganha efetiva forma quando ocorre projeção externa, ou seja, a projeção do sinal para o mundo, dentro do âmbito de uma atividade comercial.

E é aí que se torna relevante a análise de variados tipos de resultados de busca, bem como da intenção de se fazer parecer o próprio detentor do sinal distintivo, gerando confusão e/ou associação indevida. É o caso do anúncio que se utiliza do sinal alheio no seu texto[6], ou da utilização, combinada (isto é, por meio de outros artifícios virtuais), de cores e formatos reconhecidamente pertencentes ao fundo de comércio de outrem.

De forma bastante emblemática, no seu primeiro e único precedente analisando o mérito do mercado de links patrocinados, o STJ, em 2016[7], por meio do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, estabeleceu que os critérios, em casos de links patrocinados, devem ser mais restritos, não mais se aceitando como concorrência desleal a mera menção à marca registrada.

Justamente nessa linha, no importante precedente acima, o STJ deixou claro que a Hotel Urbano deveria ser condenada a cancelar os "links patrocinados" com o termo da concorrente "PEIXE URBANO" — ou as variações "PEIXE URBANO HOTEL", "PEIXE HOTEL", "URBANO PEIXE HOTEL", "HOTEL PEIXE URBANO" etc. —, pois foram reunidos outros indícios de concorrência desleal: “tendo a ré se utilizado na sua logomarca das mesmas fontes e cores da marca PEIXE URBANO, em evidente alusão à logomarca do autor, a diagramação do site do HOTEL URBANO é quase idêntica à do site do autor”.

Ao encontro de tais esclarecimentos, na Justiça comum — competente para julgar quase que a totalidade das ações que tratam do tema — as discussões também têm ganhado profundidade.

É o que ocorreu, por exemplo, no recentíssimo caso "BRALYX"[8]. Em acórdão publicado em 16 de julho, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP, em julgamento apertado por maioria de votos, apesar de ter reconhecido como ilegal o uso de marca alheia, a título de palavra-chave na busca, deixou de tutelá-lo no caso concreto, por ausência de provas suficientes de que a recorrida se utilizou indevidamente da marca da recorrente (aos autos, foram trazidos prints contendo diversas buscas, porém feitas com mais de uma palavra-chave, como “maquinas”, “preço” e “brasil”).

Em outra instância, mas ainda em caso recente, em que a “Hotel Urbano” figurou como autora[9], foi proferida sentença reconhecendo a utilização indevida da referida marca pela Decolar.com tão somente com relação a expressão "Búzios Beach Resort Hotel Urbano", pois, sendo o nome do resort "Búzios Beach Resort"(buziosbeachresort.com.br), não haveria “outros motivos para que a ré tenha inserido os termos Hotel Urbano em seguida, que não captação de clientela”.

Em outras palavras, restou reconhecido que as palavras isoladas “hotel” e “urbano” — e mesmo a expressão — são fracas, comumente utilizadas no ramo hoteleiro, pelo que a infração só ocorreria com relação a um link bastante específico e peculiar. Inclusive, essa conclusão influenciou o quantum dos danos morais, fixados em R$ 10 mil.

Entretanto, a Decolar.com apelou da sentença. De ofício[10], o relator, desembargador Fortes Barbosa (o voto vencido do caso “BRALYX”, citado acima), converteu o julgamento em diligência, para que “seja expedido ofício ao provedor de buscas da Internet 'Google' para que informe se, dentre as palavras-chaves adquiridas como publicidade 'AdWords' pela requerida Decolar.com Ltda., houve a aquisição das expressões 'Hotel Urbano' e 'Búzios Beach Resort Hotel Urbano'”.

Em que pese a tendência identificada acima[11], não se quer dizer que os tribunais brasileiros têm, deliberadamente, autorizado o uso de marca alheia em anúncios pagos quando fora da área do “texto do anúncio”.

No caso TIKEBUM, apesar da procura pela marca “TIKEBUM” direcionar, na verdade, a um link de um concorrente (www.etiquetaseadesivos.com.br) — sem qualquer indicação da marca da autora — uma liminar foi confirmada por unanimidade de votos[12].

De fato, o feito ainda aguarda o fim da fase cognitiva, mas, no acórdão que confirmou a liminar (da lavra da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJ-SP, em 17/5/2018), foi reconhecido que “não se veda, por óbvio, a utilização de termos genéricos como palavras-chaves por parte do interessado, tais como 'etiquetas adesivas' e suas variáveis. Contudo, a utilização de marca alheia em proveito da própria é ato desleal, que em nada contribui com o princípio da livre concorrência, defendido pelo agravante em sua peça recursal”.

Em outros tribunais de relevo em matérias empresariais, também é possível apontar precedentes que reconhecem o uso indevido de marca em outras parcelas do anúncio pago, como dentro do link de direcionamento.

Justamente nessa esteira, em recente decisão do TJ-RJ[13], a 22ª Câmara Cível manteve o entendimento de que tal prática constitui concorrência desleal, gerando, consequentemente, o dever de indenizar. Nesse feito, analisou-se o uso indevido da palavra “Groupon”, pelo Hotel Urbano, no link www.groupon.hotelurbano.com.

Mesmo sob a alegação de que os resultados surgiram naturalmente no mecanismo de busca e que o link patrocinado não foi adquirido para trazer marca alheia no seu texto, a conclusão foi que tal termo não possui qualquer significado que não seja a respectiva empresa de e-commerce. A indenização foi imposta em R$ 50 mil a título de danos morais, além dos danos materiais.

Contudo, e a legitimidade do provedor nessas discussões? Até o advento do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que entrou em vigor em 23 de junho de 2014, a responsabilidade dos provedores era vista praticamente como compartilhada. Atualmente, a referida lei estipula que o provedor somente será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para disponibilizar o conteúdo.

Ou seja, quanto ao provedor, somente é reconhecida a sua solidariedade ao dever de indenizar quando se prova ter o prestador desempenhado papel ativo suscetível de lhe proporcionar conhecimento do controle de dados armazenados (ciência da ilicitude da conduta do patrocinado).

Assim, no caso de ser identificado o uso indevido de marca em link patrocinado, as medidas pré-litigiosas provavelmente se aterão (i) a uma denúncia, através do sistema do provedor (no caso do Google Ads, somente na hipótese de identificação do uso no “texto do anúncio”, como já visto acima), (ii) bem como ao direcionamento de uma notificação extrajudicial ao próprio infrator, em sendo possível identificá-lo. Na ausência de uma resolução, o Judiciário será a saída mais eficaz.

Verifica-se, portanto, que o Brasil já deu enorme passo ao regulamentar o ambiente virtual através do Marco Civil. Tratando-se especificamente de links patrocinados, apesar de ser ferramenta que se populariza crescentemente, ainda não há uma legislação que desça a minúcias. Consequentemente, os problemas advindos do uso irrestrito desse serviço, com especial destaque aos casos de concorrência desleal, continuam polêmicos e têm envolvido, como uma via de mão única, o Judiciário.

O que se nota é que, talvez como um efeito natural do aquecimento desse mercado virtual, a jurisprudência sobre o tema ganha corpo e vem temperando as discussões.

Hoje, a atenção está em detalhes como: a porção do anúncio pago em que há menção à marca alheia, se há indicação ostensiva de que se trata de anúncio, se esta é formada por sinal fraco, comumente utilizado no ramo, se o uso do termo é necessário para a atividade do comerciante, se o prejudicado reuniu outras provas de concorrência desleal, dentre outros. E, reconhecido o ato ilícito, a mesma atenção deverá ser dada aos critérios para fixação da indenização.

Exige-se, assim, do operador do Direito, uma análise casuística, com a certeza de que hoje não são mais aceitas quaisquer alegações de violação de marca, nome empresarial e nome domínio. Mostram-se com peso cada vez maior provas contundentes de que o sinal é utilizado na sua função distintiva — isto é, efetivamente distinguindo o produto ou serviço dos seus concorrentes — e de que há intenção de se passar pelo próprio detentor de marca registrada, enganando o público consumidor não especializado[14] e seguindo o caminho do lucro fácil e ilícito.


[1] Interessante notar que tais custos mais elevados podem ser observados em palavras-chave que se mostram competitivas para indústrias com alto LVT (lifetime value, ou valor vitalício, que significa o quanto um consumidor vai repassar à empresa por todo o tempo em que consumir seus produtos), a exemplo do que seriam as palavras “insurance”, “loans” e “mortgage” para o mercado de seguros: <https://www.wordstream.com/blog/ws/2015/05/21/how-much-does-adwords-cost>.
[2] <https://www.wordstream.com/blog/ws/2015/05/21/how-much-does-adwords-cost>.
[3] Na seara da conceituação, o link patrocinado, sem dúvidas, dialoga com o que se entende por publicidade comparativa. Afinal, nada mais é do que uma forma de publicidade que identifica, explícita ou implicitamente, concorrente de produtos ou serviços afins, consagrando-se, em verdade, como meio utilizado para influenciar a decisão do público consumidor. Nesse sentido, relembre-se que, já em 2015, o STJ abalizou o uso da publicidade comparativa, concluindo que, apesar de ser aceita no Brasil, deve encontrar limites na tutela da concorrência desleal (REsp 1.481.124, rel. min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 7/4/2015).
[4] Edson Beas Rodrigues Jr., "Reprimindo a concorrência desleal no comércio eletrônico: links patrocinados, estratégias desleais de marketing, motores de busca na Internet e violação aos direitos de marca" (Revista dos Tribunais. vol. 961, ano 104, págs. 35-93, São Paulo: RT, nov. 2015).
[5] Agravo Regimental 0089493-71.2012.8.26.0000; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, data de julgamento: 1/6/2012.
[6] Deve-se esclarecer que os Termos de Serviço do Ads permitem que o Google restrinja — mediante uma reclamação — a utilização de marcas registradas, de forma repressiva, no texto do anúncio. Entretanto, tal restrição não se dará nas palavras-chave que acionam o aparecimento do anúncio. Confira-se o seguinte trecho: “O Google analisa as reclamações e pode restringir o uso de uma marca registrada nos textos de anúncios. A exibição dos anúncios do Google Ads não é permitida quando o texto dos anúncios contém marcas registradas restritas. Essa política aplica-se em todos os países. (…) O Google não investiga ou restringe a seleção de marcas registradas como palavras-chave, mesmo que recebamos uma reclamação da marca registrada” (https://support.google.com/adspolicy/answer/6118).
[7] REsp 1.606.781/RJ, relator designado, min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 13/9/2016.
[8] Apelação 1002037-18.2016.8.26.0003; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; São Paulo, Publicação: 16/7/2019.
[9] Processo Digital 1016359-09.2017.8.26.0100; Juiz(a) de Direito: Larissa Boni Valieris; Guarulhos, 23/4/2018.
[10] R. decisão proferida em 2/5/2019
[11] Há outros julgados no mesmo sentido, de câmaras não especializadas inclusive, vide:
Link patrocinado. Não existe prova de que as requeridas utilizaram, quando contrataram provedores de busca, palavras-chaves visando atrair a atenção de prováveis aficionados da marca da autora que acessam buscadores. Mudanças de direção nesse contexto constituem estratégias desleais na disputa da concorrência. A marca da autora carrega expressões de uso comum (“sonhos” e “pés”) e isso funciona como veto de exclusividade de uso. As rés não comercializam produtos da autora e não utilizaram a marca em sua concepção linguística literal nos seus links patrocinados, sendo que as palavras citadas são essenciais para desenvolvimento publicitário de suas atividades. Inexistência de prática de concorrência desleal, por ausência de confusão e desvio de clientela. Sentença de improcedência mantida. Não provimento.
(Apelação 1077158-57.2013.8.26.0100; Relator: Enio Zuliani; São Paulo, 7/6/2017)
[12] AI 2085122-20.2018.8.26.0000; Relator: Hamid Bdine; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; 24 de outubro de 2018.
[13] Processo 0180503-23.2014.8.19.0001.
[14] “A inclusão social na internet é fato, veio para ficar e transformar o jeito das pessoas e das marcas se relacionarem. Já são mais de 48,3 milhões de usuários da classe C no Brasil, superando a população digital de países como México e Itália, até mesmo o total de habitantes do Canadá. São pessoas que estão buscando, assistindo conteúdo, comentando e compartilhando informações nos mais variados formatos, canais e dispositivos” <https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/marketing-resources/metricas/novos-donos-internet-classe-c-conectados-brasil>

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