Olhar Econômico

Dados complementares sobre veículos para pessoas com deficiência

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

8 de agosto de 2019, 10h59

Spacca
Para quantificar o número ideal de veículos acessíveis à disposição das pessoas com deficiência (PcD)[1], é imprescindível, antes de tudo, levantar uma série de dados. Continua, agora, a apresentação desses dados, já iniciada anteriormente[2].

O critério da mensuração do número de PcD no Brasil foi alterado nos últimos anos. Segundo dados disponíveis, havia, em 2010, 45,6 milhões de pessoas — 23,9% da população brasileira — que declararam ter ao menos um tipo de deficiência, seja visual, auditiva, motora ou mental/intelectual. Com o intuito de aprimorar tais indicadores, o IBGE lançou o Panorama Nacional e Internacional da Produção de Indicadores Sociais, com o histórico da definição e a classificação das PcD, bem como recomendações internacionais da ONU e da OMS. Os dados revistos, com nova margem de corte, levaram a concluir que 6,7% da população é constituída de PcD, número bem inferior aos 23,9% anteriormente divulgados.

Os novos índices (6,7%), baseados em metodologia atualizada, aproximam-se dos dados obtidos na primeira Pesquisa Nacional de Saúde (2013), que estimava 6,2% de PcD no Brasil. A mudança de critérios e o consequente impacto na totalidade de PcD contribui, decisivamente, para a elaboração e implementação de políticas públicas mais efetivas e realistas. Apesar do aprimoramento de critérios, ainda os dados disponíveis não são suficientes para determinar o tipo e o grau de deficiência e as condições socioeconômicas dessas pessoas.

Nos últimos anos, montadoras têm aumentado o investimento na produção de automóveis para PcD. A venda de veículos com isenção de impostos cresceu 41% em 2018, comparativamente a 2017 (O Estado de S. Paulo, 23/5/2019). De acordo com o presidente da Abridef, em 2018, foram vendidos 264,3 mil veículos dessa categoria, ante 187,5 mil no ano anterior. Para comparação, em 2012, foram emplacadas 42 mil unidades. Entre os anos de 2012 e 2018, houve um salto de 6,29 vezes. Passou-se, em números absolutos, de 42 mil para 264,3 mil unidades.

A influência na arrecadação derivada da venda de veículos isentos de impostos vem aumentando, em razão do crescimento dessas vendas: quase 340%, de 2013 a 2018 (CBN, 7/2019). Em 2013, foram comercializados 62 mil carros livres de impostos. Em 2018, o número subiu para 210 mil, segundo dados da Receita Federal. Dados da Fenabrave indicam que foram emplacados, em 2018, 2.166.790 veículos. Desse total, 12% produzidos para PcD (264,3 mil).

De acordo com a Lei Federal 8.989/95, podem beneficiar-se da isenção de tributos para aquisição de automóveis PcD física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, ainda que menores de 18 anos. Pessoas nessas condições têm direito à isenção de IPI e ICMS. Em alguns tipos de financiamento, também pode ser deferida a isenção do IOF e de IPVA. As isenções reduzem o preço final dos veículos em cerca de 25%. Na compra do carro, os condutores portadores de paraplegia, tetraplegia, ausência de membros ou deformidades congênitas ganham descontos no IPI, IOF, ICMS e IPVA, enquanto que os não condutores têm desconto apenas no IPI. Na capital de São Paulo, os condutores especiais são dispensados do rodízio de veículos.

A compra de veículo para PcD exige a obtenção de CNH especial. Embora não haja dados oficiais nacionais, caberia ilustrar com dados relativos às cinco maiores cidades da região de Campinas — Campinas, Americana, Hortolândia, Sumaré e Indaiatuba (G1, 2/6/2019) —, com base em informação do Detran-SP, que apontou aumento de 31,9% no número de registros da CNH para PcD nos últimos dois anos. O aumento mais eloquente dentre as cinco cidades mencionadas registrou-se em Americana. Entre 2016 e 2018, a emissão de CNHs aumentou 60,6%, passando de 5.425 para 8.714.

A PcD física, para exercer as funções de motorista, passa por avaliação médica do Detran, quando são definidas as adaptações necessárias, de acordo com o tipo de deficiência. As normas técnicas para a reconfiguração dos automóveis são estabelecidas pelo Inmetro.

A venda de automóveis para PcDs tem movimentado o setor. Incentivos governamentais tem alavancado a aquisição de veículos em tela. Contudo, há sinalizações governamentais indicativas da necessidade de mudanças e adaptações a médio prazo. Entre as razões para tanto, figura a constatação de fraudes para a obtenção desse benefício.

A secretária nacional da PcD, Priscilla Gaspar, considera que a isenção para PcD comprar carro é privilégio, e a isenção de impostos atinge parcela pequena de PcD (Folha de S.Paulo, 19/3/2019). Para ela: (i) deve haver modelo mais eficaz de avaliação biopsicossocial de quem pretende usufruir do benefício, pois nem todos os beneficiários atuais enquadram-se no conceito de PcD da Convenção da ONU e da Lei Brasileira de Inclusão; (ii) é preciso elencar prioridades e formular políticas públicas que atendam, eficientemente, maior número de PcD, tendo em vista que apenas 24,5% deles aufere renda superior a dois salários mínimos.

No Brasil, há um total de 27.635.684 condutores com CNH, categoria “B”, autorizados a guiar automóveis (CGIE/Denatran, 9/2015), sendo que 406.152, ou 1,36%, são condutores habilitados com deficiência motora, com CNH devidamente anotada (Denatran, 6/2014 — não foram encontrados dados mais recentes). A mais alta proporção de condutores com deficiência está na região Sudeste, com 1,61%, e as mais baixas, no Norte e no Sul, com 1,19% e 1,11%, respectivamente.

A análise por unidade da federação revela realidade com diferenças significativas, pois médias escondem extremos. Na região Norte, a proporção entre condutores habilitados e os com deficiência varia de 6,42%, no Pará, a 0,39%, em Roraima. Na região Nordeste, com média de 1,40%, a variação vai de 3,18%, na Paraíba, a 0,74%, em Pernambuco. No Sudeste, São Paulo tem coeficiente de 2,04%, e o Espírito Santo, de 0,74%. Na região Sul, Santa Catarina possui proporção de 1,81%, enquanto o Paraná apresenta 0,61%. No Centro-Oeste, a maior proporção está em Mato Grosso, 2,40%; enquanto que no DF é de 1,25%.

Os dados indicam haver distribuição desigual de automóveis nas diferentes regiões e municípios. Reforçando, igualmente, as peculiaridades de cada uma das unidades federativas do Brasil, a proporção entre o número de condutores habilitados e o número de condutores habilitados com deficiência também se mostrou heterogêneo. Em cada região e unidades da federação, há peculiaridades que dificultam qualquer generalização.

No mercado brasileiro, é reduzido o número de empresas certificadas pelo Inmetro para adaptar veículos para cadeirantes. Apenas um modelo, o Chevrolet Spin, em razão de suas características, é suscetível dessa adaptação. O respectivo custo beira R$ 28 mil, e o tempo médio para a execução é de 10 a 15 dias.

De acordo com a Abla, a frota total das três principais locadoras de automóveis é de 484.935 unidades (2019). Do total, 300.363 (62%) destinam-se à locação avulsa, e 164.711 unidades para a locação mensal às empresas. Para a presente pesquisa, em razão dos artigos 51 e 52 do Estatuto da PcD e o respectivo decreto se referirem à locação avulsa, será utilizado o número 300.363, referente ao total das três principais locadoras. Considerando tal número e aplicando-se o percentual de 5%, tem-se que 15.017 automóveis deverão ser adaptados. Desses, 60% — 9.010 unidades — deverão estar aptos ao transporte de uma pessoa em cadeira de rodas, e 40% — 6.007 — para condutores com deficiência.

Para a aferição dos impactos econômicos decorrentes, relativamente à imediata aplicação dos 60%, tem-se que o valor aplicado na adaptação seria o equivalente a R$ 253 milhões, decorrentes do custo de adaptação unitária dos automóveis, multiplicado pelo número de unidades.

O Chevrolet Spin com câmbio automático custa, em média, R$ 72 mil (Fipe/2019). Para aquisição desses carros, o desembolso seria na ordem de R$ 648 milhões.

Para cumprir apenas parte da norma, as três principais locadoras de veículos deverão gastar R$ 901 milhões. Tal montante influenciará diretamente o mercado, pois forçará as empresas a repassar tal custo aos clientes. Estimativas apontam que o valor da locação pode subir, prejudicando, sobremaneira, os consumidores finais.

Uma vez que a lei é lacônica e imprecisa, o cálculo dos impactos econômicos advindos dos 40% é de difícil aferição. Considere-se, para tal estimativa, o valor correspondente ao Chevrolet Onix, com câmbio automático, cujo preço de mercado é de R$ 50 mil. As reconfigurações mais aplicadas são a colocação do comando manual universal — alavanca manual que controla o acelerador — e o freio de mão, ao custo de R$ 1 mil. Caso o carro seja mecânico, requer-se a instalação da embreagem computadorizada, ao custo médio de aproximadamente R$ 3 mil.

Para atender integralmente às exigências legais, as locadoras deveriam investir R$ 1,2 bilhões, equivalentes à soma de R$ 901 milhões e R$ 306 milhões.

A adaptação de veículo demora de 10 a 20 dias e existem dez empresas aptas a realizar esse serviço. Dividindo-se os 9.010 automóveis pelas 10 empresas, cada uma receberia 901 unidades para adaptar. Imaginando-se cenário mais favorável, em que cada empresa entregaria um automóvel adaptado por dia, incluindo sábados, domingos e feriados, a demanda de adaptação de 901 veículos consumiria mais de 2,4 anos.

Após se findar a apresentação dos dados, serão examinadas as hipóteses de estudo para se chegar, finalmente, às conclusões acerca da lógica e da efetividade de dispositivos do Estatuto da PcD e de sua regulamentação, assim como dos respectivos impactos regulatórios.


[1] Rodas, João Grandino. “Impactos regulatórios do Estatuto da Pessoa com Deficiência”, revista eletrônica ConJur, 27 de junho de 2019.
[2] Rodas, João Grandino, “A frota ideal de veículos a serem locados para pessoas com deficiência”, revista eletrônica ConJur, 25 de julho de 2019.

Autores

  • é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), professor titular da Faculdade de Direito da USP, mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

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