Direto do Carf

O alargamento da base de cálculo do PIS e da Cofins para instituições financeiras

Autores

  • Diego Diniz Ribeiro

    é advogado tributarista e aduanerista ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento professor de Direito Tributário Direito Aduaneiro Processo Tributário e Processo Civil doutor em Processo Civil pela USP mestre em Direito Tributário pela PUC-SP pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV/SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • Leonardo Ogassawara de Araújo Branco

    é conselheiro do Carf na 3ª Seção de Julgamento e professor de Direito Tributário na Universidade São Judas Tadeu na Fundação Getulio Vargas (FGV) no Instituto Brasileiro Direito Tributário (IBDT) no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e na FK-Partners (CFP®). Doutorando mestre e especialista em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).

7 de agosto de 2019, 12h58

Spacca
Na coluna de hoje será abordado um tema recorrente no seio da 3ª Seção do Carf: a extensão do trânsito em julgado de decisões proferidas em favor de instituições financeiras e que tratam do alargamento da base de cálculo do PIS e da Cofins veiculado pela Lei 9.718/98.

A matéria de fundo é amplamente conhecida pelos operadores do Direito. A Lei 9.718/98, em seu artigo 3º, parágrafo 1º, promoveu uma ampliação do conceito de faturamento estampado no texto original da Constituição Federal, objetivando que as contribuições para o PIS e para a Cofins incidissem sobre receita financeira.

Tal questão foi judicializada pelos contribuintes e o Supremo Tribunal Federal, por intermédio de recurso extraordinário afetado por repercussão geral (RE 346.084), reconheceu a inconstitucionalidade do alargamento das citadas exações, ao fundamento que faturamento seria sinônimo dos valores auferidos em razão da venda de bens e/ou serviços e que, por conseguinte, receita financeira não se enquadraria neste conceito. Ademais, também reconheceu que a Emenda Constitucional 20/98 não teria o condão de “constitucionalizar” uma lei genuinamente inconstitucional.

Diante deste quadro, vários contribuintes que ingressaram com demandas judiciais discutindo tal tema sagraram-se vencedores, obtendo decisões transitadas em julgado na linha do precedente pretoriano. Dentro deste universo de contribuintes é possível destacar instituições financeiras e assemelhadas que, com base em suas decisões, começaram a promover pedidos administrativos de compensação ou que readequaram a sua base tributável de PIS e de Cofins.

Acontece que, neste interregno, adveio uma nova nuance da discussão: qual seria o conceito de receita financeira no específico nicho das instituições financeiras e assemelhadas ou, em outros termos, qual a extensão do precedente do STF (RE 346.084) para este específico mercado. Tal questão não passou despercebida do Poder Judiciário e, desde 2010, aguarda-se uma definição do STF para questão, o que será decidido no RE 609.096, afetado por repercussão geral. Este é o cenário que gravita em torno da questão que chega ao Carf.

Mais detidamente, no tribunal administrativo os contribuintes alegam que são beneficiados pelo trânsito em julgado de decisões judiciais individuais que, por seu turno, estão em sintonia com o precedente veiculado no RE 346.084.

Em contrapartida, o Fisco aduz que o aludido precedente pretoriano, bem como as decisões individuais dos contribuintes, limitam-se a afirmar que as contribuições em tela incidem sobre valores auferidos a títulos de venda de bens e/ou serviços e que, como nas ações judiciais promovidas não se discutiu a amplitude semântica do signo serviço para o específico nicho das instituições financeiras, a fiscalização pode, ao cumprir seu mister, segregar o que de fato é receita financeira daquilo que é típica receita de serviço. Talvez o maior exemplo a ilustrar esta discussão seja o chamado spread bancário.

Diante do cenário alhures traçado, cabe agora analisar qual é o posicionamento do Carf para tais questões.

Um primeiro entendimento que se encontra no tribunal é no sentido de que as ações promovidas pelos contribuintes foram pautadas por uma discussão genérica do tema, limitando-se a questionar a inconstitucionalidade da Lei 9.718/98 sem, todavia, segregar quais valores percebidos pelas financeiras se enquadravam no conceito de faturamento (venda de produtos e/ou serviços) e quais se amoldavam no conceito de receita financeira. Logo, a decisão judicial individualmente alcançada também seria genérica, o que permitiria à fiscalização promover uma análise da extensão da coisa julgada diante do caso concreto. É o entendimento esposado no Acórdão Carf 3402-004.434.

Por sua vez, há entendimento de 8/6/2016 da Câmara Superior de Recursos Fiscais em sentido oposto, ao fundamento de que, ao afastar a incidência do artigo 3º da Lei 9.718/98, essas ações ajuizadas por instituições financeiras teriam garantido a tributação da Cofins nos termos da Lei Complementar 70/91 e que, segundo essa legislação, “o ‘faturamento’ das Instituições Financeiras alcança as taxas, tarifas e comissões cobradas pela prestação de serviços bancários e de serviços de intermediação financeira de clientes” (Acórdão Carf 9303004.138). Ao que tudo indica, entretanto, tal posicionamento já foi superado pela própria CSRF, conforme de depreende do Acórdão Carf 9303-008.440, de 16/4/2019, no seguinte sentido:

(…).
INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. RECEITAS FINANCEIRAS. INCIDÊNCIA. PIS/COFINS.
A declaração de inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei 9.718/989 não afeta a inclusão das receitas financeiras auferidas por instituições financeiras no conceito de faturamento para fins de incidência da COFINS ou do PIS.
Recurso do contribuinte parcialmente provido.

Assim, ao entender pela inaplicabilidade do trânsito em julgado, surge outra discussão que vem sendo respondida pelo Carf: sobrestar ou não o julgamento destes casos até que haja decisão definitiva para a matéria no leading case que tramita no STF (RE 609.096). Tal debate foi travado, por exemplo, nos acórdãos Carf 3402-005.854 e 3402-004.434, sendo a posição vencedora no tribunal no sentido de afastar o sobrestamento.

Superadas tais questões, resta ao Carf analisar quais rubricas das atividades desempenhadas por instituições financeiras se enquadram no conceito de faturamento e quais não, discussão essa que, em última análise, implicaria um aprofundamento da questão que vai para além do escopo do presente artigo[1].

Assim, retomando o objeto da coluna de hoje e já em tom de síntese, o que é possível afirmar é que o entendimento consolidado no tribunal é no sentido de que a coisa julgada obtida por instituições financeiras em ações individuais em que se discutiu a inconstitucionalidade do artigo 3º, parágrafo 1º da Lei 9.718/98 são genéricas, nas medida em que não definem o que é serviço para tais instituições, o que, por seu turno, dá azo para que a fiscalização, em concreto, verifique a extensão ou não dos efeitos desta coisa julgada.

Por fim, o tribunal também consolidou entendimento no sentido de que, apesar do leading case pendente de julgamento no STF (RE 609.096), os processos administrativos em trâmite em que se discute a mesma questão não devem ser sobrestados, cabendo ao Carf, em cada caso, analisar as rubricas envolvidas e definir se elas se enquadram ou não no conceito de serviço de instituições financeiras a configurar faturamento para tais contribuintes.

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.


[1] A respeito desse assunto merece destaque o seguinte excerto do voto proferido no já citado acórdão n. 9303-008.440 que, ainda que a título de obter dictum, assim aduz: “Assim, as receitas financeiras de instituições financeiras, como temos decidido, são receitas operacionais, e, por tal, devem ser ofertadas à tributação”.

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    é advogado tributarista, ex-conselheiro do Carf na 3ª Seção de Julgamento e professor de Direito Tributário, Processo Tributário e Processo Civil. Doutorando em Processo Civil pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet).

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    é conselheiro do Carf na 3ª Seção de Julgamento e professor de Direito Tributário na Universidade São Judas Tadeu, na Fundação Getulio Vargas (FGV), no Instituto Brasileiro Direito Tributário (IBDT), no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e na FK-Partners (CFP®). Doutorando, mestre e especialista em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP).

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