Direitos sociais

Constituição alemã de Weimar influenciou Cartas brasileiras de 1934 e 1988

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7 de agosto de 2019, 9h00

Centenária, a Constituição alemã de Weimar influenciou Cartas Magnas de diversos países. Incluindo as do Brasil – especialmente a Constituição de 1934, com seus direitos sociais e modelo de controle de constitucionalidade.

Promulgada em 11 de agosto de 1919, a Constituição de Weimar foi uma das primeiras do mundo a prever direitos sociais, que incluíam normas de proteção ao trabalhador e o direito à educação. Além disso, a Carta também possuía um extenso rol de direitos fundamentais, que asseguravam a igualdade, a liberdade de expressão e religião e a proteção de minorias.

Getúlio Vargas assumiu o poder após a Revolução de 1930 e instituiu um “governo provisório”. Três anos depois, ele convocou uma Assembleia Nacional Constituinte. A essas alturas, a Constituição de Weimar estava deixando de vigorar – ainda que não formalmente – devido à ascensão de Adolf Hitler ao poder.

Ainda assim, a Carta de Weimar foi a maior influência dos constituintes. Dela, a Constituição brasileira aplicou o modelo federativo, segundo o qual os estados tinham mais autonomia do que o projeto inicial apresentado por juristas indicados por Vargas – que apoiava um Executivo federal forte e centralizador.

A principal inspiração se deu na adoção de um rol de direitos sociais, afirma o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. Os principais foram direitos trabalhistas. A Constituição de 1934 fixou a jornada em oito horas diárias, criou o descanso semanal obrigatório e indenização para demissão sem justas causa.

Além disso, a Carta Magna permitiu que mulheres votassem e garantiu o sigilo do voto. A norma ainda definiu que o Estado teria um papel centra na economia: ela nacionalizou as riquezas do subsolo (como petróleo e demais minérios), quedas d'água no país, bancos e empresas de seguros e obrigou empresas estrangeiras a terem, pelo menos, dois terços de empregados brasileiros.

Outra influência da Constituição de Weimar na Carta Magna brasileira de 1934 foi no modelo do controle de constitucionalidade, aponta o ministro. Na Assembleia Nacional Constituinte de 1891, os deputados João Pinheiro da Silva (MG) e Júlio de Castilhos (RS) chegaram a propor que o Supremo pudesse fazer o controle prévio das intervenções federais nos estados por alegada ofensa da região às regras da União.

Mas a Constituição de 1934 abraçou a proposta e criou a representação interventiva. Por meio dela, o STF avaliava a constitucionalidade das intervenções federais, que só podiam ser decretadas em caso de ofensa a “princípios sensíveis”. A partir de problemas concretos resolvidos pelo Supremo, o Brasil chegou ao modelo de controle de constitucionalidade consagrada na Constituição de 1988.

“A Constituição de 1934 teve uma longevidade ideológica maior do que prática. Ela só ficou em vigor por três anos. Mas seus valores serão resgatados nas Constituições de 1946 e 1988”, avalia Gilmar.

Legado duradouro
A parte social da Constituição de 1934 e todo o constitucionalismo contemporâneo decorrem diretamente da Constituição de Weimar, destaca o jurista Lenio Streck, colunista da ConJur.

“A Constituição já não é uma mera folha de papel ou Carta política. Agora, a partir de Weimar, e sacramentado pelo Constitucionalismo do segundo pós-Guerra, fala-se em transformação das relações sociais por meio da noção de Constitucionalismo Compromissório. A Constituição impõe uma finalidade a ser perseguida, e o governo diz como alcançar essa finalidade, ou seja, projeta os meios para tais finalidades.”

O cerne disso está no Livro Dois na Constituição de Weimar, aponta Lenio. A seção elenca direitos relativos à “vida social”, à “educação e à escola” ou à “vida econômica”, entre outros. Nisso, cita o jurista, a Carta alemã refletiu reivindicações do movimento operário, que vinha crescendo no mundo todo graças à industrialização.

Ao resgatar “promessas da modernidade”, a Constituição de Weimar influenciou não só a Carta brasileira de 1934, mas também a de 1988, opina o constitucionalista.

“Weimar é parte de um cenário de profunda crise não apenas política, como, também, institucional. Embora possam ser destacados contextos diferentes, evidentemente, é inegável, também, semelhanças com o momento pelo qual passava o Brasil, à época da transição democrática. Assim como a Constituição de Weimar, a Carta de 1988, no Brasil, coloca-se como um documento dirigente e compromissório, projetando justamente o ‘resgate’ mencionado anteriormente: (re)situar a nação, tardiamente modernizada. Como destaca Joseph Barthélemy, Weimar foi uma espécie de ‘laboratório constitucional’, e muitas de suas projeções ganharam contornos universais – condição que não se verifica somente na Constituição de 1988, mas, muito antes, já na de 1934, que trazia um catálogo de direitos prestacionais como reflexo dessa condição inspiradora.”

No entanto, Lenio Streck ressalta que, apesar dessa influência dirigente, o sistemático enfraquecimento da Carta Magna de 1988 a tornou uma “constituição dirigente invertida”, como diz o professor Gilberto Bercovici.

Inspiração indireta
“Um exemplo da recepção de elementos importantes do constitucionalismo social weimariano foi a previsão, em 1934 – que se mantém na Constituição Federal de 1988 – de um dispositivo enunciando uma norma definidora de um fim do Estado, uma espécie de norma-objetivo (Eros Grau), de que a ordem econômica deve assegurar a todos uma existência com dignidade”, destacam os colunistas da ConJur Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy e Ingo Sarlet.

Porém, eles ressaltam que a Constituição de Weimar não foi a única influência do texto de 1934. “A Constituição de 1934 catalisou os dilemas políticos da década de 1930, captando tensões que decorriam do insuperável dissenso entre o liberalismo e o conservadorismo, tendências que albergavam e também disfarçavam as antíteses entre o capitalismo e o totalitarismo que começava a triunfar na Europa. É um documento de época, e que captou suas ambiguidades e perplexidades.”

E as influências não foram apenas positivas, avaliam Godoy e Sarlet. De acordo com eles, o golpe de 1937, com a conseqüente instauração do Estado Novo, foi possível devido às técnicas de solução de impasses, também inspiradas em Weimar, que a Carta Magna de 1934 propiciou.

Em uma perspectiva histórica, opinam os juristas, a influência da Constituição de Weimar é maior na Carta Magna de 1934 do que na de 1988 – embora elas tenham em comum a previsão de uma série de normas de justiça social e direitos sociais e um caráter compromissário e, em parte, dirigente.

“Quanto a 1988, é inegável uma aproximação com Weimar, menos por referências históricas de transposição imediata de modelos, do que por uma referência estilística e conceitual. Além disso, Weimar também exerceu influência na construção de nosso Direito Do Trabalho, exercendo influente papel no chamado ‘mito da outorga’, que imputa a Vargas o favor de nos ajudar com a legislação trabalhista”, afirmam Godoy e Sarlet.

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