Motivação inidônea

Bolsonaro usa MP das sociedades anônimas para montar cerco à imprensa 

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7 de agosto de 2019, 21h01

O presidente Jair Bolsonaro usou uma medida provisória para alterar uma lei que ele próprio sancionou recentemente (Lei 13.818) e atacar a imprensa. A MP 892, publicada nesta terça-feira (6/8), altera a Lei das Sociedades Anônimas e acaba com a obrigatoriedade da publicação de balanços de empresas nos jornais impressos. 

Antonio Cruz/Agência Brasil
Antonio Cruz/Agência BrasilMP editada por Bolsonaro impacta na receita dos jornais que provém, em boa parte, da venda de espaços para publicações dos balanços.

Pela medida, as empresas podem publicar seus balanços no site da Comissão de Valores Mobiliários e em seus próprios endereços na internet. Isso impacta na receita dos jornais, que provêm, em boa parte, da venda de espaços para publicações dos balanços.

Advogados e associações de classe ouvidos pela ConJur apontaram que o grande problema da MP é deixar de atender os requisitos constitucionais: relevância e urgência. O presidente deixou claro que a medida é uma "retribuição" às ações da imprensa pelo tratamento que recebeu na campanha eleitoral de 2018.

O advogado Jaime Machado, do escritório RBMDF Advogados, frisa que no caso da MP das sociedades anônimas não fica claro o caráter emergencial. "A MP faz sentido e ela é necessária atualmente, com a realidade da internet. O que não fica claro é a motivação para fazer essa alteração via medida provisório que, aliás, não demonstra urgência", diz. Machado critica o fato de que Bolsonaro não promoveu qualquer debate legislativo prévio sobre a matéria.

Logo depois de anunciada a MP, o Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional publicou nota afirmando que o ato de Bolsonaro vai "na direção contrária daquilo que ele próprio e o Congresso deliberaram". Um freio na medida partiu do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, que defendeu que o Congresso faça uma regra de transição sobre a publicação dos atos societários e balanços de sociedades anônimas. 

Machado define que a motivação de Bolsonaro para editar a MP é absurda e vai causar "imenso prejuízo para a mídia". Para o advogado, a medida também afronta o princípio da impessoalidade, ao qual o chefe do Executivo deve estar atento.

Vida útil das publicações
O advogado Samuel Mac Dowell de Figueiredo, do escritório RBMDF Advogados, também chama a atenção para o uso da competência presidencial para rebater questões pessoais. Segundo ele, isso é suficiente para anular todo ato e impulsionar o Congresso e o Judiciário a agirem.  

Outro ponto crítico da MP, de acordo com a advogada Vera Chemim, é que ela poderá impactar a transparência das informações, já que elas deixarão de ser divulgadas em jornais de grande circulação. "A publicação dos balanços e demais documentos empresariais restritos aos sítios eletrônicos previstos na MP acaba por ferir sutilmente o princípio da publicidade elencado no caput do artigo 37, da Constituição Federal de 1988", explica a advogada, que não vê "ilegalidade flagrante" na medida.

Segundo o presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Marcelo Rech, o uso de instrumentos legais para intimidar a imprensa afronta preceitos democráticos mínimos. Rech afirmou que a associação recebeu a MP com preocupação e estuda judicializar a questão. 

Em nota, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP, na sigla em espanhol) lamentou ainda que "interesse políticos, partidários e pessoais sejam usados para contrapor a informação".

A MP deverá ser analisada no Congresso por comissão mista e pelos Plenários da Câmara dos Deputados e Senado Federal.

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