Contas à Vista

O debate sobre a cobrança de Participação Especial na mineração

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

6 de agosto de 2019, 8h05

Spacca
A atividade mineral compõe uma grande parte de nossa pauta de exportações e é fundamental para as atividades econômicas. Você que lê esta coluna o faz em um computador, tablet ou celular que é composto, em grande parte, de minérios. Caso tenha imprimido em uma página de papel para ler com redobrada atenção, saiba que existe mineração tanto na tinta da impressora e nos seus componente quanto no papel utilizado. Certamente ao seu redor também existe forte atividade mineral, seja nas paredes que o cercam, seja na transmissão na energia elétrica. Um pequeno filme com menos de 1 minuto e meio ("Você já imaginou o mundo sem mineração?") pode bem ilustrar a importância da atividade mineral no nosso quotidiano.

Não se há de esconder que existem riscos na atividade mineral, como se vê nas recentes tragédias de rompimento das barragens, com centenas de mortes, mas também não se pode negar sua importância para a manutenção de um bom nível civilizatório em nossa sociedade.

Recentemente foram realizadas alterações normativas que aumentaram significativamente a incidência da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) sobre esse setor (Lei 13.540/17). Agora se discute no Congresso Nacional um incremento dos encargos sobre a atividade mineral, através de majoração de alíquotas e da criação de um novo encargo denominado de Participação Especial, que é cobrado sobre o setor de petróleo, mas penso ser incabível no setor minerário. Explico melhor.

No setor de petróleo, a situação exploratória é desenvolvida pelo governo, que, através de leilões periódicos, oferta o direito de exploração desses recursos às empresas interessadas. É disponibilizado um data room onde as empresas podem analisar as pesquisas realizadas, sob o patrocínio do governo, e fazer seus lances com base na credibilidade dessas informações

Apenas para fins didáticos, suponhamos que os dados disponíveis apontem para um bloco de petróleo do qual se possa extrair um milhão de barris de petróleo tipo B, por dia. Os lances a serem realizados pelas empresas tomarão por base essa equação. Ocorre que, quando a empresa vencedora do leilão for explorar aquele bloco, pode encontrar duas variáveis: 1) a quantidade ser muito superior, ou 2) a qualidade ser muito melhor do que a estimada. Ocorrendo qualquer dessas situações, ou ambas, as empresas terão que pagar ao governo uma espécie de royalty denominado Participação Especial, que decorre de um resultado melhor do que o previsto. Parecer algo justo, pois o governo, titular do domínio (propriedade) daquele recurso natural, terá a receber um valor a mais (além do royalty normalmente cobrado) em razão da melhor qualidade ou da maior quantidade do petróleo que foi ofertado, cuja prospecção — repete-se — foi feita às expensas do próprio governo. Outra hipótese para a cobrança de Participação Especial decorre de uma disparada dos preços em razão de guerras ou embargos, que crie um aumento artificial da procura por aquele produto.

Pois bem, seria isso aplicável para a indústria de extração mineral? Penso que não.

Como regra, a fase de pesquisa mineral (correspondente à prospecção petrolífera) decorre de uma atividade privada, que à sua conta e risco se lança em busca da descoberta de jazidas, onde quer que elas estejam. A hipótese de leilões de áreas minerais é algo muito raro e, quando ocorre, decorre de minas abandonadas em face de sua exploração econômica estar praticamente esgotada. Assim, não há, na prática, uma divergência entre o que é ofertado pelo governo e o que é identificado no momento da efetiva exploração, como ocorre na atividade petrolífera.

Daí advém a inadequação do uso de um modelo que funciona bem em um setor para ser aplicado em outro. Como mensurar a diferença entre a qualidade ou a quantidade entre o que foi ofertado e o que foi explorado se não há oferta governamental, pois as pesquisas são feitas pelas próprias empresas? Este, me parece, ser o ponto central do qual devem partir as análises do tema.

A ex-presidente Dilma encaminhou um projeto de lei ao Congresso que previa uma verdadeira estatização do setor de pesquisa mineral, o que seria um desastre, pois teria paralisado toda a indústria mineral do país à espera de alguma ação estatal nesse campo. A ideia era que, só após o completo levantamento mineralógico do país, a ser feito pelo governo, fossem realizados os leilões, à semelhança do que ocorre no âmbito petrolífero. Felizmente essa ideia não prosperou, tendo sido descartada em algum desvão do Congresso.

Tudo indica que o atual Congresso, com esse debate de criar uma Participação Especial para a indústria mineral, está promovendo uma verdadeira corrida ao pote de ouro que se supõe existir na base do arco-íris, para singelamente aumentar a arrecadação sobre o setor.

Existem bons projetos para dinamizar a atividade mineral no país, em vez de utilizá-la apenas como um vetor para carrear recursos para os cofres públicos. Uma boa ideia que já foi discutida é permitir que os direitos minerais regularmente titulados pelas empresas possam ser utilizados como garantia de empréstimos ou como suporte para o lançamento de ações em bolsa de valores. Isso, dentre outros fatores, é que faz o Canadá ter uma dinâmica de exploração mineral invejável, permitindo a capitalização das empresas através de seus direitos minerários e espalhando empresas júnior para prospecção em todo o mundo.

O governo atual parece muito mais interessado em incentivar a atividade de garimpo, que é incontrolável e, exatamente por isso, extremamente perniciosa para o meio ambiente e as populações em seu entorno — basta ver as declarações do atual presidente acerca do problema ocorrido no Amapá, entre garimpeiros e comunidades indígenas.

O foco deveria ser o incentivo à indústria mineral, isto é, para as empresas estruturadas para desenvolver essa atividade, e que estão sob controle e fiscalização da Agência Nacional de Mineração (ANM, antigo DNPM), além de estarem sujeitas às normas regulamentares ambientais de todos os níveis federativos.

Outra miopia do governo atual é fazer uma consulta pública sobre mineração em terras indígenas, que, a despeito de ser constitucionalmente permitida, depende de lei a ser aprovada pelo Congresso (artigo 49, XVI e artigo 231, parágrafo 3º, CF), tema que necessariamente exige a participação do Ministério Público (artigo 129, V, CF) e não conta com apoio popular.

Será que todo o potencial de pesquisa mineral em nosso imenso território já foi esgotado? Penso que não. Porém, caso tenha sido, porque não centrar atenção em permitir a mineração nas áreas de fronteira? Também será necessária a aprovação de lei pelo Congresso Nacional (artigo 176, parágrafo 1º, parte final, CF), porém sem as mesmas implicações que envolvem as comunidades indígenas.

Existem muitos grupos interessados no debate, merecendo destaque o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), bem como outros se organizando para esse tipo de discussão, como o de Mineronegócios, capitaneado por José Jaime Sznelwar, cuja criação está prevista para a próxima semana, em Brasília.

Enfim, há muito a ser feito no âmbito da atividade mineral, seja para ampliar a segurança da população que vive em seu entorno, seja para dinamizá-la, sem a necessidade de aumentar seu custo exploratório com a cópia de mecanismos que vem sendo bem utilizados no âmbito da indústria petrolífera, porém se revelarão meramente arrecadatórios caso venham a ser utilizados para a indústria mineral.

Autores

  • é sócio do Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados, professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) e de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal do Pará (UFPA).

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