Opinião

Impasses políticos prejudicam quórum de julgamentos no Cade

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4 de agosto de 2019, 6h31

Através de publicação no Diário Oficial da União de quinta-feira (1º/8), o presidente Jair Bolsonaro solicitou ao Senado a retirada de duas indicações, feitas por ele em 17 de maio, de nomes para compor o quadro de conselheiros do tribunal do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade): os de Leonardo Bandeira Rezende (economista e professor da PUC-Rio) e Vinicius Klein (procurador do estado do Paraná).

Os nomes foram enviados sem negociação prévia com o Senado, o que teria descontentado as lideranças da Casa. Acredita-se que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), deverá participar das indicações de novos nomes para as posições. Segundo notícia do jornal Valor Econômico, o senador teria interesse em pelo menos uma das vagas.

Até o dia 16 de julho, terminaram os mandatos de quatro dos seis conselheiros: Polyanna Ferreira Silva Vilanova, João Paulo de Resende, Paulo Burnier da Silveira e Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt (que havia se desligado para assumir a Secretaria da Fazenda de Goiás no começo do ano). Ficaram dois, Mauricio Oscar Bandeira Maia e Paula Farani de Azevedo Silveira, além do presidente do Cade, Alexandre Barreto de Souza.

Ocorre que o quórum de deliberação do tribunal do Cade é de quatro pessoas (três conselheiros e o presidente). Com isso, em 17 de julho, o Cade informou que, “por força do disposto no §5º do artigo 6º e no §1º do artigo 9º, ambos da Lei nº 12.529/2011, e ainda no §5º do artigo 52 do Regimento Interno do Cade, não serão realizadas sessões de julgamento; fica suspensa a tramitação dos processos que estiverem no Tribunal do Conselho; bem como ficam suspensos todos os prazos previstos na Lei 12.529/11”.

O Cade é uma autarquia veiculada ao Ministério de Justiça. Mas a praxe é que os ministros da Justiça e da Economia apresentem nomes ao presidente da República, nomes esses ligados ao Direito e à Economia, respectivamente. O presidente da República, por sua vez, apresenta os nomes ao Senado, onde são sabatinados na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Casa e, depois, submetidos à aprovação do Plenário.

É importante que os quatro nomes sejam apresentados ao Senado logo. Dois nomes solucionariam a questão do quórum. Mas a carga de trabalho no Cade é grande e, por vezes, um ou mais dos conselheiros está impedido de deliberar num processo por conflito de interesses.

Ocorre que tanto o ministro Sergio Moro como o ministro Paulo Guedes estão com outras prioridades, inclusive junto ao Senado, e não está claro de que forma interagiriam com o senador Alcolumbre na escolha de candidatos. Além do mais, o presidente Bolsonaro tem aparentemente se envolvido mais na escolha dos nomes que compõem autarquias e agências, zelando para que não tenham "viés ideológico". Tudo isso colaboraria para um processo lento.

Segundo a coluna Painel S.A. da Folha de S.Paulo, até 12 de julho havia 42 fusões ou aquisições aguardando aprovação do Cade. Um exemplo é a aquisição global da Red Hat pela IBM, no valor de US$ 34 bilhões. Sem a recomposição do conselho, não há previsibilidade de quando a transação irá ao tribunal. E, sem a aprovação do Cade, ficam duas alternativas: (i) a transação global espera, ou (ii) adquirente e adquirido encontram uma forma de excluir, da aquisição, as operações brasileiras de Red Hat.

Outra preocupação está nas transações aprovadas sob o chamado “rito sumário”, quando o ato de concentração tem o aval da Superintendência-Geral. O tribunal do Cade tem um prazo de 15 dias para avocar ou não o caso.

O Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional (Ibrac) enviou, em 1º de julho, carta ao senador Alcolumbre e ao chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, alertando que
“a interrupção das atividades de um órgão da importância do Cade gerará insegurança jurídica para empresários e investidores, na medida em que importantes fusões, aquisições e joint-ventures que necessitam de análise prévia do órgão poderão ser prejudicadas durante o período em que permanecer a falta de quórum do Tribunal”.

Em 4 de julho, a Comissão Especial de Defesa da Concorrência do Conselho Federal da OAB também escreveu ao senador Alcolumbre, apontando que “o trabalho realizado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica é fundamental para a agenda de retomada de crescimento do país. Sem o quórum necessário para o integral funcionamento do conselho, o investimento em novas operações de fusões e aquisições, por exemplo, poderá diminuir diante da incerteza que a situação gera ao mercado”.

Como defendemos em artigo recente, enquanto no setor público as delongas e atrasos são comuns, o Cade tem se diferenciado por analisar e julgar com celeridade — o que é essencial para o ambiente de negócios. Em 2018, foram apreciadas quatro centenas de atos de concentração, com prazo médio de 30 dias de análise, contados da notificação até a decisão final — um dos menores prazos do mundo.

Mas, para continuar a ser célere, é preciso, antes, que os agentes públicos deixem o Cade trabalhar.

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