Opinião

Proibir venda de bebidas alcoólicas em estádios é inconstitucional

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  • Luiz Flávio Borges D'Urso

    é advogado criminalista doutor e mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP) ex-presidente da OAB-SP ex-conselheiro federal da OAB e presidente de honra da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim).

1 de agosto de 2019, 7h08

A proibição da venda e consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios de futebol, à luz de nossa Carta Magna, parece-nos ilegal. A base dessa convicção é exposta a seguir.

Primeiramente, no que diz respeito à competência para legislar sobre a matéria, a nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso II, determina que o cidadão pode fazer tudo o que não é proibido por lei, ou seja, tudo o que é lícito, e isso decorre do princípio da legalidade, regra basilar de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

A Constituição Federal conferiu à União, aos estados e ao Distrito Federal competência concorrente sobre os temas de consumo e do esporte, ou seja, significa que cabe à União legislar sobre esses temas e, na omissão, aos estados e ao Distrito Federal.

Observa-se que, para esse tema, o município não está contemplado pela Carta Magna. Todavia, a Lei 12.402/1997 do município de São Paulo proíbe a venda de bebidas alcoólicas nos estádio de futebol. Também ato normativo da Secretaria de Segurança Pública e a Resolução 1/2008 da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) proíbem a venda.

Referida lei municipal invadiu a competência concorrente, que é exclusiva da União, dos estados e do Distrito Federal, quando estabeleceu essa proibição, legislando indevidamente neste caso.

No plano nacional, o regramento brasileiro referente ao tema está fixado basicamente pelo Estatuto do Torcedor e pela Lei Geral da Copa.

É de se observar que no Estatuto do Torcedor, lei federal, não há qualquer vedação expressa à venda de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol. A proibição prevista se limita tão somente ao ingresso de torcedores nos estádios carregando bebidas alcoólicas.

Vale lembrar que, em 9/6/2014, entrou em vigor a Lei 15.456 do estado de São Paulo, que estabeleceu regras relativas à Copa do Mundo de 2014, cujo artigo 3º determinou que não se aplicavam a essa competição mundial as normas estaduais que, eventualmente, proibiam a venda de bebidas, inclusive as alcoólicas, nos locais onde seriam realizados os jogos de futebol. Essa disposição teve efeito temporal limitado ao certame mundial.

A exemplo do que ocorreu na época da Copa do Mundo de 2014, oportunidade na qual se afastou a proibição de comercialização de bebidas alcoólicas dentro dos estádios, também hoje não se justifica tal proibição.

Parece-nos claro que a proibição da venda e consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios de futebol, estabelecida por lei municipal, exorbitou a competência legislativa, contrapondo-se à nossa Constituição Federal, contrariando totalmente o princípio basilar de todo nosso ordenamento jurídico.

Nos dias atuais, persistindo a proibição por lei municipal, da venda e o consumo de bebidas alcoólicas dentro dos estádios de futebol, se estará violando direitos e garantias individuais do cidadão constitucionalmente assegurados.

Além disso, essa proibição, no aspecto prático, causa muitos problemas no entorno dos estádios, pois os torcedores consomem bebidas antes dos jogos num curto espaço de tempo, potencializando o grau de álcool no organismo, além de isso incentivar o nefasto comércio ilegal de bebidas alcoólicas, notadamente por ambulantes.

Em outros estados da federação, permite-se expressamente a venda e consumo de bebidas alcoólicas nos estádios, desde que o consumo seja feito em copos de plástico. Exemplo disso verifica-se pela Lei 10.782/2004 no estado de Minas Gerais. Também a Bahia autoriza expressamente o consumo e comercialização referidos, pela Lei estadual 12.959/2014.

O consumo de bebidas nos arredores dos estádios é pernicioso, pois posterga o ingresso do público ao interior das arenas, represando grande quantidade de pessoas para alguns minutos que antecedem a partida, o que é fator de insegurança.

Esse consumo e comercialização de bebidas alcoólica em dias de jogos dentro dos estádios de futebol é conduta lícita, amparada por nossa Carta Magna, e não é fator de violência entre torcedores.

Não é demais ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor, lei federal, tem como premissa o direito de acesso ao consumo pelo cidadão.

Nos dias de jogos, o torcedor que comparece para torcer pelo seu time é um consumidor, assim, para efetivar os princípios básicos inerentes às relações de consumo, há que se ter a disponibilização de todos os produtos lícitos a esse consumidor.

Outro aspecto reside no fato de que os estádios de futebol, mesmo sendo de propriedade pública, durante a oportunidade na qual se realiza um evento privado (como, por exemplo, uma partida de futebol), esse espaço torna-se privado, de modo que não pode sofrer restrições de consumo de produtos lícitos em seu interior, mas tão somente se poderia regulamentar a forma de exercício dos direitos assegurados por nossa Carta Magna.

A conclusão lógica é de que, à luz do Estatuto do Torcedor e principalmente da nossa Constituição Federal, é perfeitamente lícito, além de possível, a comercialização e consumo de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol em dias de jogos, revelando-se um verdadeiro direito do torcedor/consumidor, o que não coloca em risco a segurança do espetáculo ou do seu público.

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