Pergunta capciosa

Suprema Corte começou a julgar caso político mais relevante do ano nos EUA

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27 de abril de 2019, 8h12

Uma pergunta sobre cidadania dos habitantes, que foi retirada em 1950 do censo que os Estados Unidos fazem a cada dez anos, voltou a ser incluída no formulário do Censo de 2020 pelo governo Trump. Isso fez com que dezenas de estados democratas movessem ações na justiça federal para retirá-la do Censo. E 17 estados republicanos a apoiá-la, como amicus curiae.

Três juízes federais, em Nova York, Califórnia e Maryland, decidiram que a inclusão da pergunta é inconstitucional. Mas a maioria conservadora da Suprema Corte indicou, na primeira audiência para discutir o caso, na terça-feira (23/7), que poderão se alinhar com o governo, decidindo pela manutenção da pergunta.

A pergunta sobre a cidadania a cada um dos moradores de uma residência, é: “Essa pessoa é cidadã dos Estados Unidos?” São cinco as opções de resposta: ( ) Sim, nascida nos Estados Unidos; ( ) Sim, nascida em Porto Rico, Guam, Ilhas Virgens dos EUA ou Marianas do Norte; ( ) Sim, nascida no exterior de pai/mãe ou pais cidadãos dos EUA; ( ) Sim, cidadão dos EUA por naturalização – forneça o ano da naturalização; ( ) Não, não é cidadã dos EUA.

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A primeira objeção à inclusão dessa pergunta no Censo veio de um grupo de seis ex-diretores do Birô do Censo dos EUA. Eles argumentaram que tal medida irá produzir um resultado falso nas estatísticas do Censo. Parece óbvio que os imigrantes ilegais não vão preencher o formulário do Censo por causa dela.

O próprio órgão estima que pelo menos 6,5 milhões de habitantes deixarão de preencher o formulário. Mas essa estimativa é reconhecidamente baixa. O Migration Policy Institute declara que existem 11,3 milhões de imigrantes ilegais nos EUA. E esse é o número ao qual o governo tem se referido nos últimos anos. O Pew Research Center traz um número perto da casa dos 11 milhões: 10,7 milhões de imigrantes ilegais.

Por que o governo Trump está, então, lutando para manter a pergunta no formulário do Censo, a ponto de levar o caso para a Suprema Corte, depois de decisões contrárias de três tribunais federais?

Os juízes rejeitaram os argumentos do Departamento de Justiça de que o objetivo era aplicar, da melhor forma, a Lei do Direito ao Voto. Para eles, essa lei sempre funcionou bem, independentemente da inclusão dessa pergunta no Censo. E indicaram uma razão mais possível: motivação política.

E esse é, obviamente, o ponto de vista dos democratas. Para eles, a medida visa beneficiar os estados sob domínio republicano e prejudicar os estados sob domínio democrata. Por quê? A maioria dos imigrantes ilegais preferem morar onde não são perseguidos sistematicamente pelos agentes da imigração, algumas vezes com a ajuda da polícia. Os estados mais liberais são os democratas. Os mais duros com os imigrantes são os dominados pelos conservadores republicanos.

Em que isso afeta os estados?

1) O número de delegados para o Colégio Eleitoral, que elege o presidente dos EUA, é estipulado para cada estado com base no número de habitantes do estado. Alguns estados democratas poderão perder delegados nas eleições da próxima década.

2) O número de deputados federais e o número de deputados estaduais também é definido com base no número de habitantes do estado – e de cada distrito do estado. Se os imigrantes ilegais preferem se agregar em localidades mais habitadas pelas populações hispânica e negra, o mapa eleitoral do distrito vai desfavorecer essas regiões, que vão eleger menos representantes.

3) O governo distribui verbas de quase US$ 900 bilhões aos estados, anualmente, também com base no número de habitantes. Essas verbas são destinadas a financiar a educação, a saúde, a infraestrutura (estradas, pontes, etc.) e diversos programas sociais.

Os estados mais afetados serão a Califórnia, Nova York, Illinois e Nova Jersey, que têm uma alta concentração de imigrantes ilegais. Curiosamente, o Texas, estado tradicionalmente republicano, também têm uma alta concentração de imigrantes ilegais, por sua proximidade com o México, e também será afetado. Mas a maioria dos estados republicanos, com menor população, poderão ser beneficiados.

A impressão que se tem é a de que os cinco ministros conservadores da Suprema Corte têm uma batata quente nas mãos, se quiserem ajudar o presidente Trump e o Partido Republicano. Os quatro ministros liberais, liderados pela ministra Sonia Sotomayor, já deixaram claro, na audiência de terça-feira, que a Constituição determina que a finalidade do Censo é determinar quantos habitantes tem o país – não quanto cidadãos.

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