Opinião

Noção conceitual e introdutória do compliance e suas regras

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27 de abril de 2019, 6h23

Diante do contexto da globalização e da percepção do impacto econômico que posturas ilícitas e antiéticas podem dar ensejo, verificou-se um esforço internacional para o desenvolvimento de instrumentos legais eficazes de combate a diversos crimes econômicos, especialmente os delitos de corrupção e lavagem de dinheiro.

Surgiram, então, diversas legislações voltadas não apenas ao setor público, mas também ao campo privado, com destaque para as regras de compliance. Logo, as discussões do tema, antes restritas ao âmbito acadêmico e ao setor público, tornaram-se pauta comum às empresas privadas.

Embora muito se fale sobre compliance no ambiente corporativo, nota-se ainda certa imaturidade na sua aplicação. É importante, portanto, retomar suas noções fundamentais, a fim de colaborar para a difusão de culturas preventivas e minimizadoras de riscos.

A etimologia da palavra compliance sobrevém do latim, “complere”, cujo significado está relacionado “à vontade de fazer o que foi pedido, ou se agir ou estar em concordância com regras, normas, condições etc.”[1].

Por sua vez, a expressão na língua inglesa “to comply” consiste em “cumprir, executar, satisfazer, realizar o que lhe foi imposto”[2]. Esta foi inicialmente utilizada pelos norte-americanos, como modo de caracterizar “a necessidade de regulamentação nas relações comerciais”[3], razão pela qual costuma ser o verbo apontado como origem da palavra compliance (conforme termos em que é concebida atualmente).

A noção de compliance que temos hoje decorre da ideia do “bom cidadão corporativo”, desenvolvida a partir do advento do Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), de 1977. Logo, foi a partir da década de 1970 que se passou a disseminar princípios e recomendações orientados à governança corporativa, tendo como berço os Estados Unidos.

Assim, pode-se afirmar que compliance, em termos gerais, significa conformidade com “a legislação e a regulamentação aplicável ao negócio, bem como ao Código de Ética e políticas internas de uma instituição e/ou organização empresária”[4].

Trata-se de noção aplicada a diversas áreas do Direito, portanto, com o fim de garantir o cumprimento de determinado conjunto normativo. Em verdade, o significado, sob o ponto de vista corporativo, vai além do Direito, à medida que abarca normas legais e também éticas. Isto é, a abordagem traduz a ideia de criação, implementação e fiscalização de padrões de conduta, com o escopo de mitigar riscos legais, regulatórios, de imagem e reputação da empresa, de modo a evitar eventuais prejuízos relacionados a sua atividade.

Assim, a gestão de negócios deixa de ser atrelada exclusivamente à noção de “eficiência dos resultados financeiros”, à medida que a governança corporativa e o uso de políticas institucionais voltadas à segurança da informação conferem “liquidez e valorização das ações”[5] ou das quotas sociais da companhia. Um exemplo disso é o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, bolsa de valores brasileira, que reúne empresas que se baseiam, entre outros fundamentos, em princípios de excelência em governança corporativa e transparência[6].

Quando os riscos da atividade empresarial em análise estão relacionados especificamente ao Direito Penal, denomina-se “criminal compliance”. Tal enfoque, contudo, sobreveio anos depois, em 1984, com a Sentencing Reform Act, com a introdução das linhas referenciais para a determinação da responsabilidade criminal das empresas[7].

As repercussões no Brasil, em especial sob o ponto de vista criminal, passaram a ser relevantes, num primeiro momento, apenas para empresas de maior porte (multinacionais e companhias de capital aberto), justamente em razão dos impactos do FCPA e, depois, do UK Bribery Act, diante de suas relações comerciais, por exigência do mercado (investidores, parceiros comerciais etc.) e em função do caráter extraterritorial das referidas normas.

Não parece demais salientar que a evolução dos estudos sobre o tema no exterior está, via de regra, atrelada à noção de responsabilidade penal da pessoa jurídica (cujo reconhecimento no Brasil ocorre apenas em relação aos crimes ambientais).

Por consequência, foi somente quando se passou a entender seus reflexos e utilidade também para as pessoas físicas que se voltou o olhar com mais atenção para os programas de conformidade e sua aplicação. Ou seja, foi apenas posteriormente, com a verificação de que “a criminalidade intraempresarial, dada no interior de uma empresa, apresenta uma dificuldade inerente de verificação correta de autoria”[8], que se passou a dar importância ao compliance no Direito Penal brasileiro.

Isso sobretudo e de forma inicial no âmbito relacionado à experiência regulatória nacional, por meio da ingerência dos órgãos que controlam e fiscalizam mercados específicos, à exemplo da Superintendência de Seguros Privados (Susep), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Banco Central (BC), “todas autarquias federais vinculadas ao Ministério da Fazenda com poderes para disciplinar, normatizar e fiscalizar a atuação de diversos integrantes do mercado”[9]. No que diz respeito ao combate à corrupção, ganha relevância a Controladoria-Geral da União (CGU), órgão do governo federal “responsável por realizar atividades relacionadas à defesa do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, por meio de ações de controle interno, auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria”[10].

De modo geral, são os órgãos reguladores que determinam normatizações específicas sobre a necessidade de “avaliação dos riscos por parte da organização empresária”[11], com a indicação, por exemplo, de regras especiais a serem observadas quando do desenvolvimento de programas de conformidade[12]. Consequentemente, dependendo da estrutura social e da atividade exercida pela empresa, o enfoque sob a perspectiva criminal poderá abordar diferentes aspectos, tais como: Direito Ambiental, combate à lavagem de dinheiro e o combate à corrupção.

A noção conceitual e introdutória do tema ora exposta, por si só, é suficiente para se compreender a sua importância e atualidade. Dessa forma, o presente artigo é primeiro de uma série, que será publicada no decorrer dos próximos meses.


Referências
BIANCHI, Eliza. Criminal compliance sob a ótica do estudo do risco. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/artigo/10545-Criminal-Compliance(1)-sob-a-%F3tica-do-estudo-do-risco>. Acesso em: 22 de abril de 2019.
CARDOSO, Débora Motta. Criminal compliance na perspectiva da lei de lavagem de dinheiro. São Paulo: LiberArs, 2015.
MENDES, Francisco Schertel; CARVALHO, Vinicius Marques de. Compliance: concorrência e combate à corrupção. São Paulo: Trevisan Editora, 2017.
REYNA ALFARO, Luis Miguel. Implementación de los compliance programs y sus efectos de exclusión o atenuación de responsabilidad penal de los sujetos obligados. In: AMBOS, Kai; CORIA, Dino Carlos Caro; e, MALARINO, Ezequiel (Coord.) Lavado de activos y compliance: perspectiva internacional y derecho comparado. Peru: Jurista Editores, 2015.

SAAD-DINIZ, Eduardo. A criminalidade empresarial e a cultura de compliance. Revista eletrônica de direito penal. Ano 2, vol. 2, p. 112-120, dez. 2014.
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e lei anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015.


[1] CARDOSO, Débora Motta. Criminal compliance na perspectiva da lei de lavagem de dinheiro, p. 37.
[2] BIANCHI, Eliza. Criminal compliance sob a ótica do estudo do risco. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/artigo/10545-Criminal-Compliance(1)-sob-a-%F3tica-do-estudo-do-risco>. Acesso em: 22 de abril de 2019.
[3] CARDOSO, Débora Motta. Op. cit., p. 37.
[4] BIANCHI, Eliza. Criminal compliance sob a ótica do estudo do risco. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/artigo/10545-Criminal-Compliance(1)-sob-a-%F3tica-do-estudo-do-risco>. Acesso em: 22 de abril 2019.
[5] SAAD-DINIZ, Eduardo. A criminalidade empresarial e a cultura de compliance, p. 112.
[6] Cf.: <http://www.b3.com.br/data/files/2D/86/67/09/7E2596101F9D6396AC094EA8/Apresentacao%20I SE_%202019.pdf>. Acesso em: 22 de abril de 2019.
[7] REYNA ALFARO, Luis Miguel. Implementación de los compliance programs y sus efectos de exclusión o atenuación de responsabilidad penal de los sujetos obligados, p. 459.
[8] SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Compliance, direito penal e lei anticorrupção, p. 116.
[9] BIANCHI, Eliza. Criminal compliance sob a ótica do estudo do risco. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/artigo/10545-Criminal-Compliance(1)-sob-a-%F3tica-do-estudo-do-risco>. Acesso em: 22 de abril de 2019.
[10] Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/sobre/institucional>. Acesso em: 22 de abril de 2019.
[11] BIANCHI, Eliza. Criminal compliance sob a ótica do estudo do risco. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br/artigo/10545-Criminal-Compliance(1)-sob-a-%F3tica-do-estudo-do-risco>. Acesso em: 22 de abril de 2019.
[12] A experiência americana não é diferente. Nesse sentido, Francisco Schertel Mendes e Vinicius Marques de Carvalho relatam diferentes estudos que demonstram “o crescimento exponencial” das normas regulamentares às quais estão submetidas as empresas americanas, principalmente no setor financeiro. Cf.: MENDES, Francisco Schertel; CARVALHO, Vinicius Marques de. Compliance, p. 32.

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