Desigualdade perante a lei

Nos EUA, restrições de moradia dificultam liberdade de criminoso sexual

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25 de abril de 2019, 10h47

Nos Estados Unidos, prisioneiros são libertados na data marcada, seja porque cumpriram a pena ou por liberdade condicional. Essa é a regra — e, como tal, há exceção: em muitos estados, criminosos sexuais podem permanecer dias, meses, anos — em alguns casos, muitos anos — na prisão após a data da libertação. A razão é que a maioria, depois de passar anos no cárcere, está tão empobrecida que não consegue encontrar um lugar para viver que obedeça a todas as restrições de moradia que o estado impõe a ex-criminosos sexuais.

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Maioria dos criminosos sexuais permanece na prisão após fim da pena por não conseguir atender exigências impostas pelo estado para moradia
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Em Illinois, a juíza Virginia Kendall decidiu, em uma ação coletiva movida por presos que deveriam estar fora da prisão há anos, que o estado está violando direitos constitucionais dos presos: o previsto na Quarta Emenda da Constituição, que proíbe punição cruel e incomum, e o previsto na 14ª Emenda, que garante igualdade perante a lei. Afinal, todos os presos são libertados na data marcada, menos os ex-criminosos sexuais.

“No coração da liberdade assegurada pela separação dos poderes está o direito do preso de não ficar detido indefinidamente por decreto executivo”, escreveu a juíza, em referência às regras impostas pelo estado para a libertação de ex-criminosos sexuais. “O estado discrimina criminosos sexuais, que continuam presos indefinidamente porque não têm recursos ou apoio familiar para encontrar um lugar para viver que satisfaça o Departamento de Correições.”

As condições estabelecidas pelo estado para residência de criminosos sexuais libertados são, realmente, muito rígidas — em muitos casos, impossíveis de cumprir. Para começar, eles não podem residir nas proximidades de escolas, creches, parques infantis, parques, piscinas, praias ou de qualquer lugar frequentado por crianças de adolescentes.

Não podem viver em lugares onde cometeram crimes no passado. Não podem morar em apartamentos ou em complexos residenciais onde um outro criminoso sexual vive. Não podem morar onde haja animais de estimação, binóculos, câmeras, equipamento de vídeos, cofres, equipamentos de jogos, computadores, tablets, smartphones ou qualquer dispositivo que lhes permita acessar a internet.

Não são aceitos em halfway houses — residências que abrigam presos temporariamente, depois de libertados, para fazerem a transição da cadeia para a sociedade com a ajuda do estado. Por um tempo determinado pelo estado, não podem nem sequer viver com a própria mulher, se tiverem um ou mais filhos. Muitos têm de usar tornozeleira eletrônica, pela qual têm de pagar.

A juíza citou o caso de um dos peticionários, J.D. Lindenmeier, que já está há oito anos na prisão além da data de libertação. Ele poderia ter o apoio da família, mas todas as ofertas de ajuda foram recusadas porque não cumpriam as regras por uma razão ou outra. O pai dele vivia perto de um parque. A mãe tinha um computador e um smartphone com acesso à internet. A irmã tinha crianças na casa. O pai de sua namorada vivia perto de uma creche.

O Departamento de Correições se reserva o direito de aprovar ou reprovar a residência pós-prisão, quando indicada pelo preso. Para isso, um agente é encarregado de inspecionar a casa — em termos da legislação local, “passar a casa em revista”. Se a casa for reprovada, o preso não tem direito à apelação, diz a juíza em sua decisão.

Depois que o preso fornece o endereço da possível residência, o agente checa o mapa da cidade, em um software do Departamento, para verificar se há por perto escola, creche, parques infantis ou quaisquer outros lugares frequentados por menores. Se nenhum desses lugares proibidos aparecer no mapa, o agente checa o Google Earth para conferir. Se houver algum, o departamento desaprova a residência.

Se não houver, o agente entra em contato com a delegacia policial mais próxima do endereço fornecido, para comunicar que quer registrá-lo como residência de um ex-criminoso sexual. Se a delegacia de polícia não quiser fazer o registro, por alguma razão, a residência é reprovada.

Se aprovada, o agente visita a residência. Nessa visita, ele investiga se há “lugares proibidos” (escolas etc.) nas proximidades, conversando, por exemplo, com moradores — caso sua busca eletrônica tenha falhado. A seguir, fala com a pessoa que vive na casa, se houver alguma, para assegurar que ela realmente quer ter um criminoso sexual em sua residência e se ela entende todas as regras a que eles estão submetidos.

O agente procura descobrir, então, se alguém mais mora no local e, se for o caso, se os demais moradores aceitam a presença de um criminoso sexual. A justificativa é que o agente deve determinar se a residência será um bom ambiente, segura fisicamente, sólida estruturalmente e se o ex-preso terá apoio financeiro e emocional.

Finalmente, o agente vai determinar se a casa tem animais de estimação, bebidas alcoólicas, brinquedos ou roupas de crianças, dispositivos que podem acessar a internet, retratos de crianças (mesmo que sejam parentes do preso), binóculos, telescópios ou quaisquer outras coisas que estão na lista de proibidos para o ambiente.

Para a juíza, a legislação e as regras de Illinois, como as de muitos outros estados do país, prejudicam criminosos, mesmo que cometeram crimes sérios, mas já cumpriram a pena, e outros que não chegam a ser perigosos nem cometeram crimes sérios.

Segundo a decisão, esse é o caso de Paul Murphy, um dos peticionários. Ele foi condenado por posse de pornografia infantil, em 2012, e sentenciado a 3 anos de prisão com liberdade condicional. Cinco anos após a data marcada para sua libertação, Murphy, a essa altura “indigente e sem-teto”, continua preso, porque o Departamento de Correições não consegue encontrar um lugar que aprova para ele viver.

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