Liberdade e Informação

Advogado do New York Times conta como liberdade de expressão pode morrer

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23 de abril de 2019, 8h36

Não deve ser simples estar na linha de frente da batalha pela liberdade de expressão. Muito menos quando o presidente do país parece dedicado a retirar da palavra "verdade" todo o seu significado para transformá-la em sinônimo de "opinião".

Por isso mesmo depois de 17 anos à frente do departamento jurídico do New York Times, o advogado David McCraw ainda parece espantado com as armas que tem de empunhar na defesa do maior jornal do mundo. É a história que ele conta no livro Truth in Our Times, lançado em março deste ano nos Estados Unidos, ainda sem tradução em português — clique aqui para comprar, no site da editora.

O livro é um libelo a favor da liberdade do jornalismo profissional de "fazer perguntas", como ele repete diversas vezes. E um manifesto contra as tentativas dos sucessivos governos americanos de tentar determinar qual é a versão correta dos fatos — que quase nunca é a verdadeira, observa McCraw.

O foco da obra é o período eleitoral de 2016 e os primeiros anos da presidência de Donald Trump. Mas as recordações de McCraw sobre casos concretos e a crítica à mecânica do Freedom of Information Act (a inspiração para a nossa Lei de Acesso à Informação) são os pontos mais esclarecedores.

Uma epidemia de sigilo no governo após os atentados em 11 de setembro de 2001 levou o Times a se tornar o maior litigante contra o governo entre as empresas de mídia. Foram 30 ações apenas nos oito anos da administração de Barack Obama.

Como vice-presidente jurídico, McCraw descreve a legislação como “mudando para o pior” desde a sua criação em 1966. "Atrasos absurdo? Sim. Exceções desenfreadas usadas por agências para manter documentos em sigilo? Sim. Páginas tão censuradas que parecem obras de arte abstrata da antiga União Soviética? Sim."

Por exemplo, em 2002 o Departamento do Trabalho publicou uma lista dos 13 mil piores lugares para se trabalhar nos Estado Unidos. O Times quis saber qual seria o número um no ranking, e entrou com um pedido de acesso. A resposta foi que levaria 30.290 horas, 15 anos de trabalho, para processar o pedido e chegar a uma resposta definitiva. Um juiz federal teve que obrigar o departamento a rever esse prazo. A informação foi entregue em 15 dias.

Passar tempo nas cortes com questões assim é algo raro na maioria dos veículos de comunicação. É algo possível para o New York Times porque o jornal foi processado cada vez menos por difamação nas últimas décadas: 11 processos até 2017, segundo o autor contou à ConJur, em entrevista publicada em agosto de 2018. Segundo ele, o direito nos EUA oferece ampla proteção à liberdade de expressão e, mais ainda, à liberdade de imprensa.

Mas tudo pode mudar, ele observa. Não adianta ter liberdade de imprensa se ninguém acredita nos jornais, ele afirma, tanto no livro quanto na entrevista à ConJur. O que tem acontecido nos EUA é o receio de muitos advogados de jornais de levar seus litígios à Justiça para que não sejam criados precedentes desfavoráveis.

É o caso da Espionage Act, lei de 1917 que criminaliza a posse e divulgação de documentos secretos do governo. McCraw, que também dá aulas em Harvard, diz que ninguém sabe ao certo se jornalistas podem ser acusados com base nessa lei, simplesmente porque nenhum governo até hoje o fez. Já no governo Trump, tudo pode acontecer. 

E, apesar das proteções vigentes, as acusações de difamação estão em alta, e McCraw cita três processos abertos em sete semanas em 2017. É um número alarmante, considerando que houve apenas 11 processos nos sete anos anteriores. Com as recentes reviravoltas na composição da Suprema Corte, advogados que defendem o lado da mídia e antes se sentiam confortáveis estão apreensivos que uma decisão contrária possa derrubar décadas de apoio ao jornalismo.

McCraw também dá luzes práticas às acusações feitas por Trump contra jornalistas. O presidente americano foi um dos precursores em taxar seus críticos como sendo fake news. E isso contaminou as relações entre jornalistas e governos no mundo todo.

"Os Estados Unidos muitas vezes se ofereceram como modelo quando estavam promovendo a democracia pelo mundo. Os governos autoritários não pareciam muito interessados em seguir o exemplo naqueles tempos. Mas agora? Eles estavam, de repente, ávidos por se associar e serem como esses novos Estados Unidos", diz uma passagem do livro. 

A obra é uma importante reflexão sobre o momento por que passam os Estados Unidos. Mas serve para a audiência brasileira, que há anos acompanha o fortalecimento de estratégias de publicidade opressiva e agora assiste à formação de milícias digitais para divulgação de mentiras e ameaças contra os inimigos da vez.

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