Sem crime

TJ-RJ concede Habeas Corpus a advogado preso por fotografar testemunha

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22 de abril de 2019, 17h22

O sentimento da vítima, por si só, não é suficiente para caracterizar crime. Assim, o fato de uma testemunha se sentir ameaçada por ter sido fotografada pelo advogado do réu não configura automaticamente o delito de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal). Com esse entendimento, a 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, concedeu a ordem em Habeas Corpus para trancar inquérito contra o advogado Rodrigo de Souza Lameira.

Em novembro de 2018, no fórum de Seropédica, o advogado fotografou um policial civil, que era testemunha no processo em que seu cliente era réu. Lameira foi logo preso em flagrante por coação. Em depoimento, o policial afirmou que se sentiu ameaçado pela foto. Isso devido ao domínio de milícias na região e às represálias que ele poderia sofrer por testemunhas na Justiça.

O delegado de polícia também imputou ao advogado a participação em organização criminosa. De acordo com o delegado, o cliente de Lameira integra uma milícia, e seu procurador também atua na facção. Um exemplo seria fotografar policiais que agem contra os interesses do grupo.

A prisão em flagrante foi convertida em preventiva. A Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (Abracrim) impetrou pedido de HC em favor de Rodrigo Lameira. Em plantão, o desembargador João Batista Damasceno concedeu liminar para soltar o advogado. O magistrado entendeu não existirem indícios de que ele praticou crime.

Em 2 de abril, a 6ª Câmara Criminal do TJ-RJ ratificou a liminar. O relator do caso, desembargador Luiz Noronha Dantas, afirmou que fotografar uma testemunha poderia, no máximo, ser uma preparação para a ameaça. Porém, o ato em si não configura coação. “Está-se diante de um verdadeiro irrelevante penal”, apontou o magistrado.

Dessa maneira, a prisão do advogado foi “francamente ilegal e arbitrária”, disse Dantas. Ele destacou que não é o que o policial sentiu que determina se houve crime ou não, mas a intenção de Lameira.

“O enquadramento típico de uma conduta ilícita não está vinculado ao que sente a vítima a respeito, mas, sim, ao que foi pretendido e realizado pelo agente, valendo repisar que aquele noticiado agir não chegou a externar qualquer inequívoca intenção criminosa e que assim apontasse para a implausibilidade de que se tratasse de qualquer outra intenção ou perspectiva de que se estivesse diante de um comportamento com outra finalidade, de modo que, no máximo, estar-se-ia diante de um ato preparatório, o qual, por conceito e definição, é atípico e portanto, nunca poderia justificar uma voz de prisão em flagrante”, avaliou.

Prerrogativas preservadas
O presidente da seção do Rio da Abracrim, Thiago Minagé, afirmou que a decisão é benéfica à toda a advocacia. “Quando algum advogado é preso com violação das suas prerrogativas, é como se toda a advocacia também fosse presa. O Habeas Corpus é uma reafirmação do necessário respeito à atuação livre e independente do advogado criminalista”. 

Já Maíra Fernandes, vice-presidente da Abracrim-RJ, disse que o advogado foi acusado dos crimes a que seu cliente responde – prática que, infelizmente, é comum no Brasil. 

"A decisão do TJ-RJ fez justiça ao demonstrar o excesso e a desnecessidade da prisão. Um dos argumentos da prisão foi o de que o advogado atuava em uma causa de organização criminosa. É um absurdo julgar o advogado pela causa em que atua. Isso é uma violação muito comum às prerrogativas da advocacia criminal, contra a qual lutamos todos os dias".

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Processo 0063866-50.2018.8.19.0000

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