Opinião

CPI contra o Poder Judiciário é mais uma "jabuticaba" brasileira

Autor

  • Sérgio Ferraz

    é advogado parecerista procurador aposentado do estado do Rio de Janeiro professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da PUC-Rio e doutor em Direito pela UFRJ.

22 de abril de 2019, 17h17

Nos tempos rancorosos em que estamos vivendo, a ira tem se voltado, ultimamente, contra o Poder Judiciário (em particular, contra o Supremo Tribunal Federal). Observe-se, tão apenas de passagem, que o Judiciário tem contribuído um tanto para que tal quadro se consolide: seja adiando a inclusão de processos em pauta, seja pela extensão desmedida e desnecessária de muitos votos, seja pelo palavreado por vezes utilizado pelos julgadores, cujo rebuscamento afasta uma apreensão mais usual do público a que se destina.

O caldeirão que a partir daí fervilha acaba de provocar novo fruto esdrúxulo: a ideia de alguns congressistas (em particular de um destrambelhado senador) de instaurar uma CPI para apurar e reprimir hipotéticos desvios éticos e/ou legais imputados a magistrados e cortes. Trata-se de bizarrice de grande monta. Explicitemo-la.

Por força do artigo 2º da Constituição, o Judiciário (tal como o Executivo e o Legislativo) é um Poder independente. Essa independência só pode ser calibrada ou posta entre parênteses quando e se a própria Constituição assim estatuir.

A independência do Judiciário abarca todos os aspectos financeiros administrativos e disciplinares da atuação dos magistrados, cabendo ao próprio Judiciário a apuração de eventuais deslizes e a decorrente sanção (por exemplo, artigos 93, X, 95, I e 99, todos da Constituição). Em reforço a essa independência, o artigo 103-B constitucional inovou o tratamento tradicional de nossas anteriores Cartas, criando o Conselho Nacional de Justiça, cuja competência amplíssima — de cunho preventivo, repressivo, normativo e investigativo, abarcando as esferas administrativas, financeira e disciplinar — não deixa brecha alguma a qualquer eventual ingerência punitiva que algum outro Poder desejasse ensaiar sobre o Judiciário. De notar: por sua composição, o CNJ atua, ao mesmo tempo, como controle interno e externo (social).

Não se olvida, é certo, que a Constituição, por exemplo em seus artigos 49 e 51, confere ao Legislativo competências de atuar que repercutem, por vezes até profundamente, nos cometimentos próprios do Executivo. Mas, relativamente ao Judiciário, o alcance competencial do Legislativo cinge-se ao processamento e julgamento, nos crimes de responsabilidade, dos ministros do Supremo e dos membros do Conselho Nacional de Justiça — artigo 52, II —, e à aprovação da indicação de alguns magistrados — artigo 52, III, a — (como, por exemplo, os ministros do Supremo Tribunal Federal). A esse elenco acrescente-se o disposto no artigo 99 constitucional, segundo o qual a previsão orçamentária do Judiciário há de resultar de ajustes concertados entre todos os Poderes da União.

De toda sorte, da conjugação, até aqui elaborada, resulta nítido que as comissões parlamentares de inquérito (CF, artigo 58, parágrafo 3º) têm por escopo determinado a atividade de pessoas (naturais ou jurídicas) e agentes da administração pública, sendo-lhes vedada imiscuir-se no desempenho dos agentes jurisdicionais, para os quais a Constituição mesma erigiu sistemas particulares e autônomos de controle. E a Lei Federal 1.579/52, que dispõe sobre as CPIs, abona nossa conclusão. O processamento e julgamento dos ministros do Supremo e dos membros de CNJ, e somente por crime de responsabilidade, é competência privativa do Senado Federal, como órgão uno e total, só cabendo se configuradas as circunstâncias descritas na Lei 1.079, de 1950, sendo tal competência insuscetível de fragmentação e delegação a uma CPI.

Enfim, CPI contra o Judiciário é mais uma “jabuticaba” brasileira!

Autores

  • é advogado, parecerista, procurador aposentado do estado do Rio de Janeiro, professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da PUC-Rio e doutor em Direito pela UFRJ. É membro efetivo e presidente da Comissão de Direito Administrativo do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp) e fundador e membro do Conselho Superior da Associação Paulista de Direito Administrativo (APDA).

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