Opinião

Os limites éticos do uso da tecnologia nas áreas do Direito

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21 de abril de 2019, 7h19

Discutir limites éticos envolve desde a definição básica de imperativo categórico para avaliação das nossas ações — de acordo com a possibilidade de atingir e sentir de outrem — até um valor definitivo que se insere nas práticas profissionais e na organização política do Estado. Isso com a certeza de que seu conteúdo é perene e deve alcançar a todos, concretizando-se em guia de conformidade para as ações de diversificados players, nos negócios, na política, nas atividades profissionais e na vida pessoal, enquanto instrumento para o aperfeiçoamento institucional e aprofundamento democrático.

Atualmente, tornaram-se recorrentes as notícias de novas soluções tecnológicas que podem alterar a prática jurídica, no Poder Judiciário, aprimorando a prestação jurisdicional, ampliando a celeridade e a gestão do estoque processual, com grande potencial de aperfeiçoamento do sistema de Justiça nacional. Nos escritórios de advocacia, há sistemas de gestão de workflow e projetos, automação de documentos, jurimetria, previsão de resultados na área de compliance, análise preditiva do comportamento do Judiciário e gestão de riscos legais, entre outros. Isso enseja, igualmente, uma adaptação do ensino jurídico em direção a um treinamento que capacite os futuros profissionais do Direito com um novo olhar sobre os casos concretos que pressupõe raciocínio analítico para encontrar soluções diferentes até o aprofundamento em temáticas interdisciplinares e convergentes.

Exemplos disso se encontram no STF, com o software Victor — que classifica os processos segundo temas de repercussão geral para facilitar o juízo de admissibilidade. No TJ-MG, há possibilidade de julgamento virtual em menos de um segundo de 280 processos, através de solução capaz de identificar e separar recursos com pedidos similares, montando um padrão de voto abrangendo matéria já decidida. Tudo isso sem falar no Online Dispute Resolution como espaço em que se nota o uso de inteligência artificial por plataformas on-line para promover gestão estratégica de conflitos.

Na intersecção entre Direito, tecnologia e limites éticos, a negociação entre o TJ-SP e a Microsoft trouxe à tona a discussão do uso da computação em nuvem na gestão digital dos processos. O Conselho Nacional de Justiça suspendeu o contrato, mantendo recentemente essa decisão, mas revogando o posicionamento anterior para autorizar o estudo de soluções não relacionadas ao PJe, no âmbito do e-processo, tendo em vista a potencial economia de recursos públicos e a modernização desses sistemas eletrônicos.

Nesse caso, o aspecto ético da discussão centralizou-se na complexidade de um provedor norte-americano armazenar em seus data centers no exterior dados de processos judiciais brasileiros, muito dos quais sigilosos e estratégicos. Isso em contraposição dos mecanismos para a transferência internacional de dados em casos de cooperação jurídica e garantia à privacidade, previstas na LGPD e no Marco Civil, e a aprovação, nos Estados Unidos, do Cloud Act, permitindo que agências governamentais firmem acordos executivos com outros países, para acessar informações eletrônicas em qualquer lugar do mundo.

A União Europeia, em dezembro de 2018, publicou o documento Draft Ethics guidelines for trustworthy AI. O documento trouxe parâmetros para balizar justamente a discussão dos limites éticos das aplicações tecnológicas, sintetizando a exigência de respeito aos direitos fundamentais, regulamentação aplicável, princípios e valores, assim como a fiabilidade e solidez técnica. Esse objetivo ético significa atender a padrões, como beneficência, não maleficência, autonomia do ser humano, justiça e explicabilidade. Além disso, qualquer aplicação tecnológica deve respeitar privacidade, transparência, segurança e governança dos dados, não discriminação, rastreabilidade, auditabilidade e responsabilização, entre outros aspectos.

Sabe-se que a utilização de aplicações tecnológicas é uma tendência que se consolida cada vez mais depressa. É uma realidade que não poderá ser afastada por qualquer tipo de rejeição dogmática e visceral à tecnologia. Assim, essas soluções se coadunam com a criação de um espaço para inovação, aperfeiçoamento institucional e efetivação de direitos. Dito de outro modo, elas não podem ser enxergadas como ameaças, todavia oportunidade para desenvolvimento de novas habilidades e atividades.

Diante disso, espera-se que essas inovações se adequem, conforme o caso, aos parâmetros processuais de segurança jurídica, devido processo legal, ampla defesa, contraditório; ético-profissionais que inadmitem a mercantilização da profissão advocatícia e a captação indevida de clientela; e de segurança da informação, tais como níveis satisfatórios de criptografia dos sistemas, transparência, accountability e conformidade jurídica com a legislação brasileira de proteção de dados.

Objetivos como acesso à Justiça, celeridade processual, redução do estoque de processos judiciais, incentivo aos meios mais apropriados para solução de conflitos e a efetivação de princípios precisam ser observados sob o prisma dos limites éticos, dos parâmetros processuais, ético-profissionais e de segurança da informação. Tudo isso em conjunto com a supremacia dos valores definitivos inscritos na Constituição Federal, sempre em benefício da sociedade.

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