Crime sem violência

"Em casos de corrupção, foco deve estar na devolução do dinheiro, não na prisão"

Autor

17 de abril de 2019, 10h35

Spacca
Para combater a criminalidade, não basta endurecer as leis e aumentar o encarceramento. É preciso investir seriamente na ressocialização dos presos, oferecendo-lhes estudo e trabalho. O problema é que o Executivo não prioriza essas medidas, afirma Rafael Estrela, juiz titular da Vara de Execuções Penais (VEP) do Rio de Janeiro.

Segundo levantamento do Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2019 — que será lançado nesta quarta-feira (17/4) —, em dezembro de 2018, havia 51.390 detentos e 29.956 vagas. Nesse cenário, Estrela defende a construção de mais presídios no estado — medida já anunciada pelo governador Wilson Witzel (PSC) e que tem o apoio do presidente do Tribunal de Justiça local, desembargador Cláudio de Mello Tavares.

No entanto, o juiz diz acreditar que, em regra, a pena de prisão deve ficar restrita àqueles que cometeram crime com violência ou grave ameaça. Em casos de corrupção, por exemplo, o foco deve estar na devolução dos valores desviados, não no encarceramento, avalia. Nesse sentido, Estrela opina que o pacote “anticrime” apresentado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública deve diferenciar a grande corrupção daquela cotidiana, de forma a não punir com rigor desproporcional os que praticarem esta.

Há outros pontos do projeto dos quais Estrela discorda, como a gravação de conversas entre advogado e cliente preso. Porém, ele é favorável a medidas como a proibição de visita íntima a líder de organização criminosa.

Atualmente, a VEP do Rio tem sete juízes, sendo que um se dedica exclusivamente à fiscalização dos presídios. Há quem defenda a criação de uma ou mais varas de execuções penais, especialmente no norte do estado. Mas Rafael Estrela diz que a informatização do sistema torna isso desnecessário. Entretanto, defende a criação de uma vara de penas e medidas alternativas, com ênfase na ressocialização dos detentos.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais são os maiores problemas da execução penal no Brasil?
Rafael Estrela —
O grande problema da execução penal no Brasil é a ausência de políticas públicas que permitam a reinserção do apenado na sociedade. A nossa Constituição não permite a pena de morte, salvo em casos de guerra, e também não permite a prisão perpétua. Considerando que o máximo de pena a ser cumprida em regime fechado é de 30 anos, os presos voltam ao convívio social. Durante o tempo que eles estão no cárcere, pouco se faz para ajudar esses homens a construírem a suas vidas e caminharem pelo lado do bem. Em que tenha algumas dificuldades, o Poder Judiciário, as varas de execuções penais prestam um bom serviço. Talvez haja uma falta de prioridade do Poder Executivo no tratamento da pena. Não só com relação às condições das unidades prisionais — e aí a gente chega no ponto da superpopulação carcerária —, como também no pouco que se faz para reinserção social.

ConJur — O que poderia ser feito para diminuir a reincidência?
Rafael Estrela —
Não tem como se realizar absolutamente nada se não houver uma participação da sociedade como um todo e do meio empresarial — que, na verdade, é onde se encontra o capital. E é aquele capital que se pode utilizar através do trabalho, e o trabalho talvez seja o grande elemento da ressocialização. Ao lado, obviamente, do estudo, da arte, do esporte. Dando condições mínimas a um egresso para que ele possa retornar ao convívio social, a reincidência diminui.

ConJur — Como isso poderia ser feito? Por exemplo, com incentivos fiscais para empresas que contratassem ex-presos?
Rafael Estrela —
Incentivos fiscais. Além de incentivos fiscais, poderia haver licitações que exigissem que as empresas participantes da disputa tivessem um certo percentual de trabalhadores egressos do sistema penitenciário. Da mesma maneira que temos ações afirmativas para compensar injustiças com partes da sociedade no passado, poderíamos utilizar essa mesma ideia para incentivar as empresas a contratarem pessoas que foram presas. Os incentivos poderiam ser fiscais, econômicos ou de contratação com o poder público, para que a empresa pudesse fazer um trabalho de ressocialização. Com o egresso e também com aqueles que estejam no regime aberto ou semiaberto e que já possam sair para trabalhar.

ConJur — Quais são os maiores problemas da execução penal no Rio de Janeiro?
Rafael Estrela —
No Rio talvez seja essa dificuldade econômica que vive o Poder Executivo. A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) tem pessoas muito dedicadas e conhecedoras do assunto em seu comando, mas, infelizmente, por não ser uma secretaria com prioridade de alocação de finanças, acaba tendo que sobreviver com a superpopulação carcerária que temos no Rio de Janeiro. Mas o maior problema talvez seja a deficiência estrutural e econômica do Poder Executivo.

ConJur — O presidente do TJ-RJ, desembargador Cláudio de Mello Tavares, disse que pretende ajudar o Executivo na construção de presídios para enfrentar a superlotação carcerária. E o governador Wilson Witzel anunciou a construção de um presídio vertical em Bangu para até 5 mil presos. O Rio precisa de novos presídios?
Rafael Estrela —
Precisa. Hoje nós temos uma deficiência de vagas muito elevada. Então há necessidade da construção de presídios para que haja um remanejamento de presos. Isso é necessário para que nós consigamos reduzir o quantitativo carcerário que temos em diversas unidades do estado.

ConJur — O senhor saberia dizer quantos presídios seria necessário construir?
Rafael Estrela —
Olha, eu penso que teríamos que abrir, no mínimo, umas 15 mil vagas no sistema. Seria um mínimo para que conseguíssemos ter uma certa folga dentro do sistema carcerário.

ConJur — Construir mais presídios é uma boa solução para combater a superlotação do sistema carcerário e a criminalidade? Ou isso apenas faz com que ainda mais pessoas sejam presas?
Rafael Estrela —
A polícia não deixa de exercer o seu papel nem o Ministério Público de oferecer denúncia porque não há vaga no sistema carcerário. O que nós talvez temos que fazer é saber selecionar o preso que deve cumprir uma pena dentro do sistema e aquele que pode ter uma pena alternativa, como uma prestação de serviço à comunidade, para que a gente não encarcere um sujeito que talvez tenha cometido um crime que não mereça uma reclusão, uma violação do seu direito de ir e vir. A seleção de presos para cumprirem pena dentro do sistema ou através de meios alternativos é o ponto principal. Mas, em uma cidade violenta como o Rio de Janeiro, a gente acreditar que não precisa de mais vagas no sistema penitenciário seria uma irresponsabilidade.

Com relação ao impacto na criminalidade, uma coisa é não ter hoje políticas públicas para trazer a questão da violência desde a base. A gente sabe que é através da educação, através da participação do Estado em áreas carentes, conflituosas, que se pode construir bases para no futuro diminuir a quantidade de crimes. Mas, de imediato, não vejo alternativa em um estado violento como o nosso senão construir mais unidades prisionais. Não significa que, com a construção de mais unidades, obrigatoriamente se tem que prender mais pessoas. Significa dizer que hoje a população carcerária está em um nível extremamente elevado, então é preciso ter novas unidades para atender os que já estão presos. Há 52 mil pessoas hoje no sistema. Mas, obviamente, compete ao juiz criminal, no momento da elaboração da sua sentença, ter a visão da pessoa que precisa ser encarcerada e da pessoa que pode ter uma medida substitutiva.

ConJur — Há quem diga que prender mais de certa forma até estimula a criminalidade. Isso porque quem fica preso muito tempo tem que se aliar a facções criminosas e, uma vez solto, precisa pagar sua “dívida” com elas. O que o senhor pensa desse argumento?
Rafael Estrela —
Veja bem, a alternativa seria não prender. E aí? Se não prender uma pessoa que precisa ter um tempo de cumprimento de pena pelo crime que ela cometeu, um crime mediante violência ou grave ameaça, essa tem, sim, que cumprir a pena imposta na sentença. O cenário que se tem é, infelizmente, pela deficiência do Poder Executivo no trabalho da ressocialização do apenado. Não é não prendendo que se resolve o problema. Para mim, é prendendo e, ao mesmo tempo, educando essa pessoa, trabalhando esse ser humano para que o retorno dele à sociedade seja suave. Ou seja, para que ele não volte a cometer novos crimes, para que ele não reincida, para que ele não saia de lá um homem mais violento do que ele entrou. O foco para mim está nesse ponto.

ConJur — Como combater o domínio das facções dentro dos presídios?
Rafael Estrela —
Facção é uma realidade do estado do Rio de Janeiro já de longa data. Hoje o administrador público entende ser impossível que presos de diferentes facções possam cumprir pena na mesma unidade prisional. Isso geraria um banho de sangue. Então os presos são selecionados para as unidades prisionais de acordo com a facção a que pertencem. Só que, curiosamente, hoje no Rio de Janeiro o preso chamado neutro, que é aquele que não tem facção, está aumentando muito. Há uma grande quantidade de presos no sistema prisional fluminense que se declaram neutros. Isso é um dado que talvez tenha que ser trabalhado pela inteligência, para saber de que maneira que se pode evoluir com isso para, aos poucos, ir diminuindo o poder das facções. Agora, para diminuir o poder das facções, não basta fiscalizar as unidades prisionais. É preciso também ter um trabalho de segurança pública que consiga evitar a chegada de drogas e armas em algumas comunidades do estado do Rio de Janeiro. É isso que fortalece a facção e a torna poderosa. Então, com o combate mais intensivo nas vias públicas, nas vias de acesso, de maneira que se tenha um trabalho de inteligência preventivo, consegue-se talvez dar uma “pancada”, digamos assim, no crime organizado, para que ele não tenha nenhum fomento econômico elevado.

ConJur — Cerca de um terço dos presos brasileiros não provisórios foi condenado por tráfico de drogas e crimes correlatos. A descriminalização ou legalização das drogas ajudaria a desafogar o sistema penitenciário e combater a criminalidade?
Rafael Estrela —
A gente precisa estar preparado para uma eventual descriminalização da droga, porque vivemos numa sociedade conservadora, uma sociedade tradicional. E a gente talvez tenha que discutir o tema através dos nossos representantes nas casas legislativas, saber se a sociedade como um todo quer a descriminalização das drogas, porque isso vai impactar no dia a dia da população. Ao mesmo tempo que se pensa no assunto pela violência urbana, é preciso pensar também sobre prisma da saúde pública, sob o prisma de como ele vai ser incorporado pela nossa sociedade, as pessoas usando drogas livremente e tudo mais. Às vezes eu vejo muitas dessas pessoas tocarem nesse assunto fazendo paralelos com o que acontece em outros países. Mas eu tenho uma preocupação muito grande quando se pega ideias do estrangeiro e as insere num cenário nacional, dadas as peculiaridades do Brasil. Não só a sua extensão territorial, mas a sua cultura multifacetada, uma sociedade de uma certa maneira tradicional, com formações religiosas. Então a gente tem que ter uma certa cautela quando a gente enxerga países de primeiro mundo ou países que têm instituições sólidas aplicando essas medidas. Não dá para tão somente importar aquilo como se fosse a solução para os nossos problemas.

ConJur — Mas, de forma geral, a descriminalização ou legalização das drogas seria positiva para o sistema penitenciário e para o combate à criminalidade?
Rafael Estrela —
O que já se vem fazendo já é de alguma maneira positivo, que é conferir medidas despenalizadoras e também medidas de execução penal menos rigorosas, como regras diferentes para progressão de regime e livramento condicional para o pequeno traficante. Hoje, praticamente não tem a punição do usuário de droga. Quer dizer, já houve um desencarceramento por conta dos usuários de droga que, hoje, já não cumprem mais pena, não estão mais privados da sua liberdade. E já está se caminhando também para o pequeno traficante, que já tem uma diminuição considerável pela Lei de Drogas (Lei 11.343/2006). E aí a gente tem que pensar o que fazer com os grandes traficantes. Se há o desejo de liberação das drogas para que se possa evitar o encarceramento desse indivíduo, a gente tem que se perguntar se, a partir de então, ele não vai ocupar o seu tempo com o cometimento de outros crimes.

ConJur — Entidades como a Defensoria do Rio com frequência apontam violações de direitos no sistema penitenciário. Dessa maneira, como avalia a declaração de Witzel de que 'nós precisamos ter o nosso Guantánamo', para a sociedade se livrar definitivamente dos terroristas — os traficantes? Afinal, Guantánamo é notável pelo desrespeito a garantias mínimas aos presos asseguradas por convenções internacionais, como a de Genebra.
Rafael Estrela —
Talvez o governador tenha utilizado de uma expressão um tanto rigorosa. Como o governador foi magistrado, ele conhece bem o nosso regramento legal, então sabe quais são os limites do Estado no que tange à violação de direitos humanos. Parece-me que o que ele pretendeu dizer é que nós tenhamos, no cenário nacional, unidades realmente de segurança máxima, como hoje são os presídios federais. Os presídios federais não são criticados por violação de direitos humanos, como acontece com Guantánamo, mas têm uma rotina extremamente severa. Talvez a ideia do governador tenha sido nesse sentido.

ConJur — Há quantos presos do Rio de Janeiro em presídios federais? O que justifica a transferência deles para esses estabelecimentos?
Rafael Estrela —
Há um quantitativo de aproximadamente 60 presos do Rio que cumprem pena em unidade federal, em razão de suas periculosidades e nocividades para a segurança pública e da própria unidade prisional. São presos que possuem perfil de liderança de organização criminosa que atua com violência, de modo que é necessário afastá-los temporariamente do Estado de origem, considerando, ainda, o atual momento que vive a sociedade fluminense. A cada ano, a permanência desses presos é reavaliada pela VEP, que decide o processo com base nas informações da Secretaria de Polícia Civil e Seap. Caso haja fatos novos ou ainda presentes os motivos que determinaram a transferência para unidade federal, renovo o período do preso no regime diferenciado. Ocorre que, o cumprimento da pena em unidade federal é excepcional e só deve persistir enquanto durarem os motivos que ensejaram a transferência, pois é direito do preso cumprir pena onde possui laços afetivos e sociais. A decisão de inserção em unidade federal deve ser bem criteriosa, a fim de que não se transfira preso sem perfil e o torne uma celebridade do crime.

ConJur — O governador Witzel também defende mudanças na legislação federal para aumentar o tempo máximo que alguém pode ficar preso, de 30 para 50 anos. O que o senhor pensa dessa proposta?
Rafael Estrela —
Pode funcionar em relação a determinados crimes e a determinados indivíduos, que são aqueles em que se sabe de antemão que absolutamente nenhuma medida ressocializadora vai ser capaz de afastá-los do mundo da criminalidade. Mas, de maneira geral, a gente tem que apostar que esse ser humano que está encarcerado é capaz de voltar ao convívio social. É preciso avaliar o ato por ele cometido e fazer um trabalho de periculosidade em cima dele.

ConJur — Witzel também defende que penas sejam cumpridas integralmente em regime fechado. O projeto de reforma da legislação penal do ministro Sergio Moro também tem medidas nesse sentido: ele propõe o regime fechado como inicial para o cumprimento da pena de certos crimes, como corrupção, e proíbe a progressão de regime se o condenado for vinculado a uma organização criminosa. O que o senhor pensa dessas propostas?
Rafael Estrela —
Talvez a participação do ministro Sergio Moro à frente dos processos da “lava jato” possa ter dado a ele uma visão mais rigorosa sobre o assunto. Mas há que se distinguir o que é o crime de corrupção de pessoas de colarinho branco daqueles atos de corrupção de menor importância. Falo daquela corrupçãozinha do dia a dia, daquele cara que quer se dar bem de alguma maneira e então comete um pequeno ato de corrupção. Parece-me que, para esses casos, não se deseja um encarceramento extremamente rigoroso. Talvez possa se pensar em um endurecimento da pena para crimes de corrupção que geraram um grande dano ao erário. Não acho que de uma maneira tão exagerada como se propõe, até mesmo porque o principal, obviamente além da punição penal, é o ressarcimento ao erário. Na verdade, o confisco dos bens e o retorno desse dinheiro ao erário é o que primeiro se deseja nesse tipo de crime. E, obviamente, depois uma punição penal. Mas uma punição adequada, razoável, tendo em vista que não é crime cometido mediante violência e nem grave ameaça à pessoa.

ConJur — Tanto Witzel como Moro já questionaram as visitas a presos.
Rafael Estrela —
Sou favorável à proibição de visita íntima a determinados presos.

ConJur — Que tipo de presos?
Rafael Estrela —
Os líderes de organizações criminosas. É de bom alvitre proibir visita íntima a esses presos.

ConJur — O pacote de reformas penais de Sergio Moro quer permitir a gravação de conversas entre advogados e clientes presos, mesmo que o defensor não seja investigado. A OAB argumenta que a medida desrespeita a inviolabilidade da comunicação entre advogado e cliente e o direito constitucional à ampla defesa. Como o senhor avalia essa proposta?
Rafael Estrela —
Sob o atual regime constitucional, eu vejo como inviável essa medida. Ou se propõe uma emenda constitucional em que se afaste a inviolabilidade da comunicação entre o advogado e cliente ou me parece que no atual cenário isso não seria possível. Tem que ser guardado o sigilo da conversa dentre o advogado e seu cliente, e obviamente o advogado está sob regime ético da sua profissão, de maneira que a gente não pode acreditar que todo advogado de preso é um pombo-correio. A gente tem que acreditar que a grande maioria não é e está no interesse da defesa do seu cliente. E sendo comprovado que, naquele caso, houve uma tentativa de se passar alguma informação ou que então o advogado está se utilizando do contato com o cliente para cometimento de crimes, que o advogado então responda por esses crimes.

ConJur — O presidente Bolsonaro já declarou ser contra saídas temporárias e o indulto. No ano passado, o STF suspendeu o indulto de Natal, que acabou sendo editado de forma bem mais limitada. Como avalia a ideia de acabar com esses benefícios?
Rafael Estrela —
Não vejo de maneira negativa a extinção do indulto. O juiz criminal, quando fixa a pena na sentença, é aquilo que ele deseja que aquele apenado cumpra. E dali a pouco ele é surpreendido com indultos que acabam diminuindo significativamente a pena do camarada. A melhor forma de diminuição de pena é através do trabalho e do estudo, porque nisso há uma contraprestação do preso. Agora, com relação às saídas temporárias, elas são uma progressão na pena do indivíduo. A saída temporária é o primeiro caminho que o torna ressocializável, e eu posso te afirmar que o número de evasão em saídas temporárias no estado do Rio de Janeiro é pequeno. De maneira que se está começando a conferir àquele apenado a responsabilidade do retorno ao convívio social. Muitos saem para trabalhar e retornam, muitos saem para a visita periódica ao lar e também retornam. É uma forma gradual de reinserção social, e eu considero uma medida positiva.

ConJur — Em 2015, o STF declarou que o sistema penitenciário brasileiro viveu um estado de coisas inconstitucional. Essa decisão teve algum efeito prático?
Rafael Estrela —
Até o momento, não surtiu nenhum efeito prático.

ConJur — O sistema penal brasileiro é muito rígido? Há crimes punidos com prisão que poderiam ter penas alternativas?
Rafael Estrela —
Eu penso que hoje em dia está bem acomodado. A grande maioria dos crimes que não são cometidos mediante violência ou grave ameaça à pessoa, e que o acusado não é reincidente, não impõe um regime de restrição de liberdade. Então está proporcional entre o crime e a pena.

ConJur — Sempre que há um crime de grande repercussão, vem a sugestão de aumentar penas. Afinal, aumentar penas reduz a criminalidade?
Rafael Estrela —
O que reduz a criminalidade é a certeza da punição. a certeza de que, uma vez cometido o crime, ele não ficará impune, e a pessoa será punida, e pelo tempo previsto na sentença penal condenatória. Isso, sim, é capaz de reduzir a criminalidade.

ConJur — E há certeza da punição no Brasil?
Rafael Estrela —
Não.

ConJur — No ano passado, o senhor declarou que a Justiça do Rio de Janeiro estudava a criação de uma vara de penas e medidas alternativas. Como anda esse projeto?
Rafael Estrela —
O projeto está bem avançado. O atual presidente, desembargador Claudio de Mello Tavares, que é um ser humano que tem um grande olhar sobre o sistema prisional, já entendeu a necessidade de se desmembrar a Vara de Execuções Penais para uma Vara de Penas e Medidas Alternativas, para que se dê uma devida atenção a essa competência da execução penal. Ele é sensível à ideia, já a colocou como um dos projetos da sua administração, e eu acredito que em breve a gente vai ter o desmembramento da vara.

ConJur — E quais seriam os impactos dessa vara?
Rafael Estrela —
Essa vara vai já nascer com uma quantidade de processos bem considerável, mas com um juiz com uma visão gestora, um juiz com um olhar humano para ressocialização, ela vai render muitos frutos para a sociedade.

ConJur — Há quem defenda a criação de mais varas de execução penal no Rio, especialmente no norte fluminense. O que o senhor pensa dessa proposta?
Rafael Estrela —
Isso é absolutamente desnecessário.

ConJur — Por quê?
Rafael Estrela —
A Vara de Execuções Penais hoje está toda informatizada. O processo de um apenado que hoje está em Campos dos Goytacazes [no norte fluminense] está inserido no computador do juiz. Então não há necessidade de uma proximidade desse juiz com o apenado. E a concentração da Vara de Execuções Penais permite que o entendimento no seio da execução penal seja único. E isso, em termos de segurança jurídica, é extremamente importante. Então o desmembramento da Vara de Execuções Penais para que haja mais uma competência para tratar de réu preso seria prejudicial ao nosso sistema prisional.

ConJur — Quais são os melhores modelos de prisão que existem no Brasil?
Rafael Estrela —
Eu gosto muito da pena restritiva de direitos. Eu sou um defensor da pena restritiva de direitos, obviamente para determinados tipos de crimes, porque ela faz com que o condenado não tenha restrição da sua liberdade. Então, se ele não tiver necessidade de ficar encarcerado, ele não vai viver em um local insalubre, mas, ao mesmo tempo, o direito irá impor a ele uma reflexão. A gente procura colocar esse apenado para exercer determinadas tarefas que tenham ligação com aquilo que ele cometeu. O objetivo é que ele possa, durante esse período em que está gratuitamente oferecendo um serviço para a comunidade como forma de cumprimento de pena, ter um período reflexivo. E grande parte não volta a delinquir.

ConJur — A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro irá analisar projeto de lei que permite que o Executivo contrate parceria público-privada para construir e administrar presídios (PL 190/2019). Como o senhor avalia presídios administrados por entidades privadas?
Rafael Estrela —
Exclusivamente por entidades privadas eu não sou favorável. Mas acho que um regime de PPP pode ser bem saudável para o sistema.

ConJur — Críticos a esse modelo afirmam que ele incentiva o encarceramento, já que, muitas vezes, as empresas ganham por preso. Concorda?
Rafael Estrela —
Não. A sentença é do juiz, que tem a sua livre convicção. Ele é membro de outro Poder, do Judiciário. Então esse apenado só vai ser inserido no sistema prisional por determinação de um membro político de outro poder.

ConJur — Qual é o impacto para o sistema penitenciário da decisão do STF de autorizar a execução da pena após condenação em segunda instância?
Rafael Estrela —
A grande maioria já responde o processo preso. Então não consigo enxergar grande impacto dessa decisão. É uma preocupação muito mais daqueles acusados que respondem a crimes de colarinho branco.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!