Opinião

Indústria nordestina da cana desafia política de distribuição do etanol hidratado

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17 de abril de 2019, 6h29

A atual política de distribuição de etanol hidratado no país enfrenta dificuldades e problemas relevantes, quer sob a perspectiva de servir como fomento à maior eficiência econômica e difusão do consumo como alternativa social e como produto de uso não poluente para movimentação dos veículos, como também por razões jurídicas, ditada e conduzida pela Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e dos Biocombustíveis (ANP).

Refiro-me como principal polêmica a proposta de "venda direta de etanol hidratado", considerando que a atual política consiste na proibição da venda direta do mencionado produto pelos produtores industriais de etanol aos postos revendedores de combustíveis, tal como dispõe o controverso regulamento da ANP (Resolução da ANP 43/2009, artigo 6º).

Como se sabe, este assunto é debatido no âmbito do Congresso Nacional, onde tramita projeto de decreto legislativo de suspensão de ato do Poder Executivo, com o objetivo de sustar o citado dispositivo que não permite a venda direta de etanol hidratado pelos produtores aos postos de revenda final de etanol hidratado. Esse projeto teve origem no Senado Federal, onde, após rico debate, foi aprovado em Plenário por ampla maioria. Na sequência, o projeto seguiu para a Câmara dos Deputados, onde aguarda deliberação legislativa.

Entrementes, nesse mesmo período, na seara judicial, tradicionais entidades empresariais representativas do setor sucroenergético sediadas na região Nordeste, ajuizaram ações contra a União e a ANP, com o mesmo objetivo de sustação do dispositivo que veda a pleiteada venda direta de etanol hidratado pelos produtores aos postos de revenda final.

Por seu turno, entidades empresariais representativas das distribuidoras nacionais de combustíveis, bem como algumas entidades representativas dos produtores de etanol sediadas na região Sudeste, condenam a nova proposta legislativa de mudança daquela política pública, argumentando, sempre e em síntese, que a possibilidade da venda direta de etanol hidratado dos produtores aos postos de revenda final de combustíveis gera graves riscos ao sistema de fiscalização de toda a cadeia de etanol, com o consequente e perigoso risco de queda na qualidade do produto.

Essa defesa reiterada da manutenção do atual status quo simploriamente arguida pelas distribuidoras favorecidas, e por algumas entidades empresariais de produtores de açúcar e etanol com sede na região Sudeste, repita-se, sendo contrárias à nova e mencionada proposta de liberdade e igualdade na comercialização entre produtores de etanol hidratado e as distribuidoras de combustíveis, infelizmente, milita, conscientemente ou não, na permanência de improdutiva política pública de eficiência condenada por representar incentivo aos monopólios e oligopólios, com baixa eficiência social, prejudicando as vantagens da livre concorrência, consagrada em dispositivo constitucional, e não proporcionando a alegada garantia contra defraudação da adequada qualidade do produto até sua chegada ao consumidor final.

Cumpre observar que a CF/88 evoluiu em relação às anteriores e assim ajustando-se aos novos tempos e novos problemas. Dispondo, por exemplo, que a livre-iniciativa foi eleita como um dos pilares do Estado Democrático de Direito (artigo 1º, IV) e igualmente da ordem econômica (artigo 170). Como consequência daquele princípio basilar, o artigo 170, IV, contempla expressamente o princípio da livre concorrência.

Assim, com base na livre-iniciativa, os agentes econômicos podem ter acesso a todos os tipos de atividade e, ao ingressarem num setor, sua atuação se dará segundo o princípio da livre concorrência. Neste contexto, a intervenção do Estado na ordem econômica é absolutamente excepcional e está balizada pelo parágrafo 4º do artigo 173 e pelo caput do artigo 174. Ou seja, a atuação do Estado na ordem econômica não é de gestor ou controlador da atividade privada, mas de sancionador dos abusos e de orientador, incentivando e fiscalizando a ação econômica.

Por sua vez, registre-se que eventual falsificação do etanol injetado no tanque do veículo no posto de revenda logo seria sentida e percebida com indignação e revolta pelo comprador final prejudicado, que ;denunciaria às autoridades competentes, que facilmente tomariam as providências punitivas devidas. Por sua vez, o posto de revenda, por notório interesse comercial e experiência técnica como empresário especializado, funcionaria naturalmente com exigência técnica usual e constante junto ao produtor fornecedor, velando pela boa qualidade de seu produto de venda, restando para o produtor original também, moral e comercialmente interessado, aplicar efetivamente maior esforço pela boa e adequada qualidade do seu produto.

Logo, a restrição imposta pela ANP, além de odioso ranço burocrático, gera intermediarismo oneroso e custos suprimíveis na cadeia de comercialização desse biocombustível, o que não mais se legitima institucionalmente, por implicar concreta violação aos princípios constitucionais da livre concorrência e da livre-iniciativa.

Em resumo, tudo orienta em favor da reforma dessa atual política burocratizada, oligopolista e antieconômica de distribuição e comercialização dessa ecológica e economicamente valioso etanol hidratado no Brasil, no sentido de destravar e assegurar a necessária liberdade de comercialização, reduzir custos sociais e estimular seu consumo. Por fim, o país que adota como parte do seu pacto social expresso em sua Constituição Federal o princípio da livre-inciativa e da liberdade de negociação não pode proibir a livre e mais racional comercialização entre os produtores de etanol hidratado e os postos revendedores finais desse precioso produto aos seus consumidores finais brasileiros.

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    é advogado do Nelson Wilians Advogados & Associados, engenheiro e pós-graduado em Conservação dos Solos e Ciências Ambientais pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco (Esmape). Ex-membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB-PE.

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