Soluções negociadas: uma mudança de paradigma
15 de abril de 2019, 8h03
A introdução do chamado plea bargain que permitirá a celebração de acordo entre o Ministério Público e o réu para aplicação imediata de penas poderá trazer, caso aplicado com frequência, celeridade aos processos criminais que terão seu término em primeira instância.
A possibilidade de acordo dará nova redação ao artigo 395 do Código de Processo Penal e será possível, entre outras formalidades, com a confissão circunstanciada da prática da infração e a expressa manifestação das partes no sentido de dispensar a produção de provas e de renunciar ao direito de recorrer. Embora o objetivo da lei seja agilizar o processo, “para homologação do acordo, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua legalidade e voluntariedade, devendo, para esse fim, ouvir o acusado na presença de seu defensor”.
Em recente pesquisa realizada, noventa por cento dos membros da magistratura se manifestaram favoravelmente à proposta.
Entre os membros do Ministério Público a aceitação é quase unânime.
Já os advogados criminais e os defensores públicos se apresentam mais reticentes e alertam para alguns riscos.
Importante salientar que, de acordo com a redação proposta no projeto de lei “para todos os efeitos, o acordo homologado é considerado sentença condenatória” ,que o acordo poderá ser feito em qualquer delito, até mesmo os mais violentos, e que “as penas poderão ser diminuídas em até a metade ou poderá ser alterado o regime de cumprimento das penas ou promovida a substituição da pena privativa por restritivas de direitos, segundo a gravidade do crime, as circunstâncias do caso e o grau de colaboração do acusado para a rápida solução do processo”.
Qualquer tentativa de agilizar o processo, desde que respeitado o princípio constitucional da ampla defesa, deve ser vista com bons olhos.
Apenas para dar um exemplo, nesta semana oficiei em processos de réus confessos, onde se discute apenas a dosimetria da pena, que tramitam há quase uma década. Trata-se de um evidente desperdício de energia e de dinheiro público.
A toda evidência, os réus com boas condições financeiras terão a assistência de advogados capazes de avaliar se a proposta de acordo é conveniente ou não.
Não é segredo, no entanto, que a maioria dos réus não dispõem de recursos financeiros para a contratação de advogados, pelo que são defendidos ou por defensores nomeados, ou por defensores públicos.
Se, de um lado, muitas vezes falta a advogados dativos o empenho que seria necessário, de outro, a Defensoria Pública de São Paulo é composta de profissionais altamente gabaritados, invariavelmente combativos e vocacionados.
Com certeza, não será diferente quando de eventual proposta de um acordo. O defensor público certamente terá bom senso para avaliar se a proposta- que importa em redução significativa de pena- favorece ou não o acusado. Com uma boa atuação da Defensoria Pública – e não há nenhuma razão para se imaginar o contrário- o principal argumento contra a possibilidade de acordo (a fragilidade do réu pobre) cai por terra.
É natural que, em um primeiro momento, cause receio a proposta de renúncia à produção de provas e ao uso de recursos.
Bem por isso, a celebração do acordo exige a concordância de todas as partes, não sendo a falta de assentimento suprível por decisão judicial.
A mudança proposta traz uma mudança de paradigma semelhante ao que ocorreu com a delação premiada.
A delação premiada, em um primeiro momento, foi repudiada com veemência por boa parte dos advogados criminais.
Não foram poucos os que afirmaram que não se prestariam a defender quem delatasse seus companheiros em troca de vantagens. Até hoje, o valor da delação premiada, como prova, é contestado.
Também para minha geração – entrei no Ministério Público no já distante ano de 1976 – a ideia de composição com acusados soava como um verdadeiro absurdo.
De outro lado, não poucas vozes criticam os acordos feitos com delatores porque estes deixam de cumprir suas penas em regime fechado (para muitos, a única punição razoável é a pena privativa de liberdade em regime fechado).
Apesar de todas as críticas, o fato é que o instituto da delação premiada veio para ficar na medida em que é um poderoso meio para se conhecer e punir a sofisticada engrenagem dos crimes praticados por organização criminosa, em especial os chamados crimes de colarinho branco.
Penso que o mesmo ocorrerá com o plea bargain ou, como diz o texto apresentado, com o “acordo penal para a aplicação imediata das penas”.
O uso da delação premiada constituiu um aprendizado para as partes.
Hoje há advogados criminais que já consideram o acordo de delação premiada um exercício importante do direito de defesa.
Também os representantes do Ministério Público, duramente criticados em alguns casos, foram se habituando com a possibilidade de negociação com malfeitores, o que significou uma profunda mudança de postura na instituição.
A proposta é ousada e dependerá, para seu sucesso, de que as partes se preparem e tenham bom senso na negociação.
No estado de São Paulo, considerando a excelência dos promotores de Justiça criminais, dos advogados criminais e dos defensores públicos, há razão para otimismo.
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