Futuro sombrio

Pacote de Moro aumentará mortes, prisões e impunidade, dizem defensores

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15 de abril de 2019, 16h20

O pacote "anticrime" (PL 882/2019), apresentado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, busca combater a violência, a corrupção e o crime organizado com mais enceramento e violência policial. Dessa forma, se as reformas na legislação penal e processual penal forem aprovadas, haverá aumento de mortes, prisões e impunidade. Isso é o que afirma o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais (Condege) em nota técnica em que se manifesta contra todos os pontos do projeto "anticrime".

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Defensores Públicos recomendam a rejeição de todas as propostas de Moro.
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Para os defensores, o projeto responde ao sentimento de insegurança da sociedade com a supressão de direitos e garantias. O pacote de Moro insiste em medidas semelhantes às que vêm sendo aplicadas, sem bons resultados, nas últimas três décadas, destaca o Condege. Entre elas, o aumento de penas e de presídios.

"O projeto parece ignorar tal material, suficiente à conclusão de que as últimas três décadas foram marcadas pelo recrudescimento punitivo no âmbito legislativo. A insofismável ineficiência dessas políticas é inegável. Ninguém em sã consciência dirá que os níveis de violência urbana, letalidade policial e segurança pública melhoraram nesse período. No entanto, o PL carreia a falsa ideia de que essas mesmíssimas políticas são insuficientes e não ineficientes."

Os defensores também dizem que "espanta" que o enfrentamento da violência deva ser feito ao mesmo tempo que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) facilita o posse de armas de fogo.

Responsável pela redação da nota técnica, Ricardo André de Souza, defensor público do Rio de Janeiro, afirma que a legislação em vigor já dá respostas suficientes às questões que o projeto pretende alcançar.

Segundo ele, nos últimos 30 anos, houve um recrudescimento punitivo no Brasil. E isso não impediu a escalada da violência e o aumento da letalidade policial. Para Souza, o Direito Penal não tem capacidade de resolver esses problemas. Isso cabe a políticas públicas racionais e garantidoras de direitos fundamentais, que ajudem a combater a desigualdade social e racial.

A pretexto de combater os crimes de colarinho branco, ressalta o defensor, o pacote de Moro promove o recrudescimento da legislação de moro geral. Só que isso "evidentemente" aprofundará a seletividade do sistema de justiça criminal, destaca, lembrando que a maioria dos presos e condenados são negros, pobres e jovens.

Souza também critica o excesso de prisões provisórias no país. E isso, conforme o defensor, leva réus primários, acusados de crimes não violentos, a serem aliciados por facções em presídios.

Também defensor público do Rio, Pedro Cariello informa que a categoria enviou a nota técnica a senadores e deputados federais – especialmente para os que integram o grupo de trabalho instituído na Câmara para analisar o projeto.

Os defensores, conta Cariello, irão participar das audiências públicas sobre o assunto. O foco é mostrar os impactos sociais e econômicos do pacote de Moro. Como exemplo, o aumento de gastos com encarceramento, que recairão sobre os estados. E a maioria deles está em crise econômica.

Pontos específicos
O Condege afirma que a ampliação das hipóteses de redução ou não aplicação da pena se o excesso em legítima defesa e demais excludentes de ilicitude decorrer de "escusável medo, surpresa ou violenta emoção" geraria insegurança jurídica. Como norma penal mais benéfica tem efeitos retroativos, a medida "certamente ensejará uma enxurrada de revisões criminais voltadas à aplicação da lei penal mais favorável ao agente", avaliam os defensores. Eles também destacam que, no crime de homicídio, se o juiz reduzisse ou não aplicasse a pena, estaria afrontando a soberania do tribunal do júri.

Com relação à criação de hipóteses de legítima defesa policiais, o Condege ressalta que o projeto de Moro a noção de prevenção à de iminência para "exacerbar perigosamente a zona de licitude de condutas típicas praticadas por agentes de segurança no calor de acontecimentos conflitivos (‘conflito armado’)". O texto estabelece que está em legítima defesa o policial que, em conflito armado, em risco iminente de conflito armado ou em caso de vítima mantida como refém previne injusta e iminente agressão a direito seu ou de terceiro.

Levando em conta o modo de atuação das forças de segurança no Brasil, citam os defensores, a proposta "confere aos agentes de segurança pública uma licença para matar ou ofender a integridade física de terceiros a partir de uma apriorística, antecipada e circunstancial exclusão de ilicitude, reeditando a ‘legítima defesa presumida’".

Além disso, os defensores públicos lembram que a Lei 13.060/2014 proíbe o uso de arma de fogo contra pessoa "que não represente risco imediato de morte ou lesão corporal aos agentes de segurança pública ou a terceiros". Dessa maneira, a "prevenção de um risco de agressão" é inconveniente, pois confere alto grau de subjetividade aos policiais, ampliando as possibilidade de prática de condutas abusivas, opina o Condege.

Quanto à obrigatoriedade de o regime fechado como inicial para cumprimento da pena por certos crimes, como corrupção, os defensores dizem que a medida viola a individualização das penas. Eles também recordam que o STF já declarou inconstitucionais regras semelhantes.

Os defensores também não recomendam a importação do plea bargain sem uma reestruturação do sistema de garantias do acusado e da estrutura processual. Sem essas mudanças, o suspeito ficará muito fragilizado em relação ao Estado, avaliam.

Embora já venha sendo permitida pelo Supremo, a execução da pena após condenação em segunda instância viola o artigo 5º, LVII, da Constituição, afirma o Condege. "O texto Constitucional (‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’) é de uma clareza ímpar, de forma que não se pode dar ao texto outra interpretação além da literal".

A gravação de conversas entre advogados e clientes desrespeita o sigilo das comunicações profissionais e coloca "em xeque a própria democracia", alertam os defensores públicos.

Clique aqui para ler a íntegra da nota técnica.

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