Inversão da pirâmide

"Brasil não investe em saúde e infraestrutura por causa da Previdência"

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14 de abril de 2019, 8h00

Spacca
Para o secretário especial da Previdência, Bruno Bianco, as críticas à reforma da Previdência proposta pelo governo são mal informadas ou mal intencionadas. A principal reclamação, de que a reforma pretende retirar direitos dos trabalhadores para enviar dinheiro para bancos, é, segundo Bianco, falaciosa.

O principal ponto da proposta do governo, diz ele, é criar um modelo progressivo de contribuição previdenciária, incidente por faixa de renda. Com isso, garante o secretário, em entrevista exclusiva à ConJur, quem ganha mais paga mais e quem ganha menos, contribui com menos.

A proposta de reforma já foi enviada ao Congresso, por meio de uma proposta de emenda à Constituição. Hoje, o texto está em debate numa comissão especial, para onde o ministro da Economia, Paulo Guedes, já foi convocado a dar explicações.

Para Bianco, um dos principais responsáveis pelo texto, o motivo de tanta resistência à reforma é justamente porque ela beneficia "o mais pobre" e aumenta a contribuição dos ricos. "Por que tem tanto lobby contrário à reforma? Se ela fosse contra o pobre não teria lobby, porque pobre não tem lobby", acredita.

Outra falácia, diz ele, é a ideia de que os regimes próprios de servidores beneficiam quem já tem dinheiro e o regime geral prejudica o trabalhador. "O pobre no Brasil já se aposenta por idade, e o rico, não. Olha como as pessoas mentem: hoje, o rico já consegue se aposentar por tempo de contribuição, o que faz com esse grupo aposente, em média, dez anos antes", diz.

Leia a entrevista:

ConJur — Há dez anos, o número de pessoas contribuindo com a Previdência Social era maior que o número de beneficiados. Hoje a situação se inverteu, e tudo indica para um colapso do sistema. Como o governo lida com isso?
Bruno Bianco — As pessoas cada vez vivem mais e isso é muito positivo, mas traz algumas consequências para a Previdência. A primeira é que as pessoas ficam mais tempo aposentadas. E o grupo de aposentados acaba crescendo mais que o grupo de pessoas em atividade. Em um sistema de solidariedade, como é o nosso, as pessoas que estão na ativa hoje contribuem para o benefício das pessoas que estão na inatividade de uma mesma geração. Quem está na ativa paga a aposentadoria de quem não está, e o sistema se retroalimenta. Quando a população vai aumentando, ela também vai envelhecendo.

ConJur — A Europa passou por movimento semelhante, não?
Bruno Bianco —
O Brasil tem envelhecido muito mais rápido do que os países europeus envelheceram. Envelhecemos num curto espaço de tempo o que a Europa envelheceu em cem anos. Isso faz com que os nossos ajustes previdenciários necessariamente tenham que ser mais rápidos, e estamos perdendo a janela. No Brasil, protegemos muito o direito adquirido — mas que fique claro essa PEC não toca em direito adquirido, ela os protege totalmente e é o "máximo expectativa de direito", que é o princípio da confiança. 

ConJur — O governo anunciou que a reforma, se passar do jeito que está, vai economizar R$ 1 trilhão em dez anos. A conta é bastante controversa, mas vamos supor que seja isso mesmo. E depois? O que garante que esse dinheiro não vai ser desvinculado, como vem sendo nos últimos anos, ou que não vai ser usado em outras coisas?
Bruno Bianco — Não estamos supondo que esse valor é verdadeiro, esse valor de fato é verdadeiro. São projeções econométricas, que levantaram esses dados. É um sistema chancelado pela Secretaria de Previdência e pela Secretaria do Tesouro e é utilizado em vários outros países. Tem chancela do Banco Mundial, é um sistema econométrico bastante sofisticado e de fato o número é absolutamente fidedigno.

Entenda: Na verdade, o governo trabalha com a projeção de economizar R$ 715 bilhões até 2029. O cálculo consta do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias, enviado ao Congresso na segunda-feira (15/4), dia seguinte à publicação desta entrevista. Atualização feita às 11h51 do dia 16 de abril de 2019.

Desses R$ 1 trilhão , grande parte da economia de fato virá do regime geral. As pessoas mal intencionadas estão dizendo que, se temos 74 milhões de pessoas no regime geral, 1,4 milhão no regime estatutário da União e 500 mil militares, é óbvio que o maior volume virá do regime geral. Mas o pobre no Brasil já se aposenta por idade, e o rico, não. Olha como as pessoas mentem: hoje o rico já consegue se aposentar por tempo de contribuição, o que faz com esse grupo aposente, em média, dez anos antes.

O Brasil gastou em 2018, R$ 700 bilhões com Previdência e Assistência Social. Estamos gastando de forma equivocada, e de maneira muito rápida. Por que o Brasil não investe em saneamento? Em infraestrutura? Por que a saúde do Brasil ainda é não é satisfatória? Por que a nossa educação não é a que queremos?

ConJur — Por quê?
Bruno Bianco —
 Porque gastamos muito com Previdência e Assistência Social. Mais de 50% do que o Brasil arrecada são gastos com Previdência, e isso só cresce. São imposições demográficas, despesas obrigatórias, e o Brasil acaba não investindo. A economia de R$ 1 trilhão com que o Brasil tenha fôlego para investir em outras coisas. Obviamente, temos três regras: a regra de ouro [proibição de contrair dívidas para pagar despesas correntes, conforme o artigo 167 da Lei de Responsabilidade Fiscal], o teto dos gastos e a meta fiscal. Temos um arcabouço de regras econômicas que temos que obedecer. Agora, se economizarmos com Previdência e Assistência, teremos folga orçamentária para investimentos. Nosso primeiro objetivo claramente é economizar, não tenha dúvida. O Brasil precisa gastar menos com Previdência e Assistência. Todo mundo tem que entender isso e todas as pessoas têm que contribuir com isso. Por isso a nova Previdência afeta a todos, todos darão a sua parcela de participação dentro da nova Previdência.

ConJur — Existem dúvidas quanto à constitucionalidade da PEC, não?
Bruno Bianco — Existem discussões jurídicas quanto às alíquotas progressivas. A primeira é a seguinte: o Supremo disse que a progressividade tem que ter apoio constitucional, mas nunca disse que ela é equivocada. Muito pelo contrário. Existem inúmeros precedentes que festejam a progressividade tributária e previdenciária, sem qualquer dúvida. Nem cogito da hipótese de o Supremo dizer que não pode ser que um tributo progressivo. A progressividade é algo que se busca, é a justiça tributária. Ao trabalharmos isso na PEC estamos dando assento constitucional à progressividade da alíquota da contribuição previdenciária. Essa questão está resolvida.

O segundo ponto: "A alíquota previdenciária seria um confisco". Estamos trazendo justiça tributária para a Previdência. Hoje temos dois sistemas: o regime geral e o sistema dos regimes próprios. No regime geral, as alíquotas não são progressivas, são escalonadas, 8%, 9% e 11%. Elas estão sendo contestadas no Supremo justamente por terem uma incongruência sistêmica: se o cara estiver no limite entre o 8% e o 9%, e faltem dois ou três reais para ele chegar na alíquota superior, quem ganha dois reais a menos terá uma renda líquida maior que a dele. A alíquota progressiva não tem essa incongruência, porque incide em faixas. Então toda a parcela da sua remuneração que sai da primeira faixa e entra na segunda só é tributada como a última alíquota.

ConJur — Mas é um sistema confiscatório?
Bruno Bianco —
Não. Ele trata o mais pobre com uma alíquota menor e quem ganha mais com uma alíquota maior.

ConJur — E como é o sistema dos regimes próprios?
Bruno Bianco —
 Uma tributação de 11% que faz com que a pessoa que ganha um salário mínimo pague a mesma coisa que quem ganha o teto, o salário do Supremo, de R$ 39 mil. Isso é injusto pra caramba, e a gente muda isso também. E pela primeira vez no Brasil a gente coloca uma alíquota que se aplica a todos os regimes, a depender da sua renda. É a mesma alíquota para o regime geral e os próprios. A diferença é que quem está no regime próprio e não está no regime complementar pode passar do teto do INSS. É só isso.

ConJur — Como isso fica, em conjunto com o Imposto de Renda, que é regressivo?
Bruno Bianco — Como a incidência da contribuição previdenciária será prévia à incidência do IR, na prática a base de cálculo do imposto vai ser reduzida. Por exemplo, uma pessoa que ganha R$ 30 mil tem uma alíquota conjunta de 32,57%, e passará a ter uma alíquota conjunta de 36,29%. A renda líquida sobe quatro pontos percentuais. Efetivamente, quem contribui hoje com R$ 9,7 mil vai contribuir com R$ 10,8 mil,. Basicamente um aumento de R$ 1 mil, por isso não pode ser um confisco. Isso prova claramente que é mais benéfico ao mais pobre.

ConJur — Mas pelas estatísticas, a PEC não é mais benéfica para os pobres.
Bruno Bianco —
 Por que tem tanto lobby contrário à reforma? Se ela fosse contra o pobre não teria lobby, porque pobre não tem lobby. É um dado absolutamente empírico, mas é isso. Acham que o INSS é o sistema do pobre e o regime estatutário, o do rico. Esquecem que o rico está no INSS também. E o regime próprio não é só do rico, tem servidor que ganha um, dois, três salários mínimos. Hoje, você é tributado da mesma forma que quem ganha três salários, e a pessoa que ganha R$ 39 mil vai ter uma alíquota escalonada com a justiça social. Esse é o primeiro ponto de justiça da PEC. Não dá para dizer o contrário. Quem diz, mente.

ConJur — Faz sentido falar em rombo na Previdência diante das sucessivas desvinculações de receita? O governo fala num rombo de R$ 270 bilhões, e segundo estudo da consultoria da Câmara, só em 2016 a DRU tirou da Previdência R$ 92 bilhões.
Bruno Bianco — A PEC acaba com a desvinculação de receitas previdenciárias. O primeiro ponto é acabar com isso. O segundo é explicar que a DRU é um instrumento contábil aprovado pelo Congresso para dar mais flexibilidade ao orçamento da seguridade social. Mas ela não permite que a União use o orçamento da seguridade social no orçamento fiscal. A DRU tem duas grandes questões, sobre as quais as pessoas também mentem.

A primeira é: a DRU não incide sobre aquela verba previdenciária paga por empregado e por empregador.

O segundo ponto da DRU: o Congresso aprova a desvinculação de R$ 92 bilhões, mas lá na frente a União vai ter de gastar bem mais do que isso na seguridade social, porque é despesa obrigatória. Sai por um bolso e entra por outro.

ConJur — O ministro Paulo Guedes diz que a reforma será importante para destravar outros investimentos públicos. Como, se o Congresso aprovou o congelamento do gasto público por 20 anos?
Bruno Bianco —
 Precisamos reduzir a despesa com a Previdência, justamente para possibilitar, dentro daquelas três regras macroeconômicas, novos investimentos. De fato o teto é fundamental, mas o ministro está absolutamente correto, e eu assino embaixo no que o ministro disse: deduzir despesa para novos investimentos caberem dentro do orçamento.

ConJur — Uma das ideias da reforma é desconstitucionalizar a Previdência. O que garante, então, que daqui uns anos as propostas deste governo continuem em vigor? Isso não é um convite para que tudo seja mudado pelo Congresso assim que mudar o presidente? Ou o governo está preocupado apenas com os próximos quatro anos?
Bruno Bianco — Não, de maneira nenhuma. A ideia de fato é desconstitucionalizar a Previdência. Não existe qualquer Constituição que traga minúcias sobre Previdência e Assistência Social. As constituições de outros países trazem, isso, sim, princípios, direitos fundamentais, e isso está absolutamente preservado na proposta. O que pretendemos desconstitucionalizar são as condições de acesso a regras de cálculo de benefício, minúcias, e isso em linha com o que o mundo inteiro vem fazendo para que haja mais flexibilidade nos ajustes previdenciários no futuro. O governo não está preocupado com o governo. o governo pena no futuro e não quer um cheque em branco: toda proposta de lei complementar deverá passar pelo Congresso, nada poderá ser feito por medida provisória.

A ideia é fazer com que a Constituição não seja tão prolixa. Isso não nos traz nenhum benefício e só confunde as coisas. Faz com que as imposições econômicas e demográficas da sociedade, que são dinâmicas, travem diante de mudanças constitucionais, que não são.

ConJur – Até 2015 quando o Brasil registrava o crescimento econômico, a reforma da Previdência não era urgente. A partir disso, quando o crescimento parou, se tornou o único assunto da pauta. Podemos esperar então que a conversa de reformar a Previdência vai esfriar quando o crescimento voltar?
Bruno Bianco —
 A Previdência é assunto urgente desde sempre. Em 2015, a presidente era a Dilma. No discurso de posse ela falou sobre a necessidade de reforma da Previdência. A exposição de motivos das MPs 664 e 665 parece a exposição de motivos da nossa PEC 6. Sou servidor público desde 2008. O presidente era Lula. Primeira coisa que fez? Reforma da Previdência. Trabalhando com Previdência Social, participei das reformas de Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro. A diferença é que Dilma mandou MP, e por medida provisória só dá para mudar o regime geral, que é a previdência do pobre. O regime dos servidores está no artigo 40 da Constituição, e para mexer nisso precisa de PEC. Qualquer presidente, no mundo, vai ter que enfrentar o problema da Previdência. Ele alia problemas econômicos e fiscais com demografia. A imposição demográfica é impiedosa.

ConJur — Reduzir o benefício de prestação continuada para baixo do salário mínimo não é inconstitucional, além de prejudicar a razão de ser da seguridade?
Bruno Bianco —
 Isso não é verdade. O que se fez com o BPC? Primeiro ponto, não se desvinculou do salário mínimo. Só fez com que o BPC saia dos 65 anos, e vá para os 70 anos. No início era assim, porque, sendo um benefício não contributivo, não pode concorrer com benefícios contributivos, sob pena de gerar uma concorrência indevida que desestimula a contribuição. Em lugar nenhum no mundo o benefício assistencial não contributivo tem a mesma idade e o mesmo valor do benefício contributivo. O benefício assistencial é uma política pública, e o benefício previdenciário é uma contraprestação decorrente de algo contributivo. Então, não se desvinculou do mínimo. 

ConJur — O que foi feito, então?
Bruno Bianco —
Colocou de 65 para 70 anos, mas em contrapartida, para o mais pobre, antecipou um valor de R$ 400 aos 60 anos. Pergunte ao mais pobre de 60 anos se ele quer receber esse valor ou esperar até os 65 anos para receber o salário mínimo.  

ConJur — O Regime de capitalização teve resultados ruins em alguns países. No Chile, o modelo copiado pelo ministro Paulo Guedes, grande parte das pessoas recebe menos que o salário mínimo, o que forçou o governo a rever o sistema. A capitalização não pode levar ao empobrecimento dos idosos no Brasil?
Bruno Bianco —
 Não, pelo contrário. O Brasil já tem uma cláusula que impede o empobrecimento, porque ninguém recebe menos que o salário mínimo, mesmo que não consiga capitalizar. Está lá no artigo 115. Com isso a gente destrói o argumento de quem diz que empobrece. Lembrando que 67% dos brasileiros recebem um salário mínimo, então vai manter o nível. A PEC não cria o sistema de capitalização, ela autoriza a criação do sistema de capitalização. Não é o regime do Chile, por exemplo, como estão dizendo de maneira injusta, falaciosa.

ConJur — Ah, não?
Bruno Bianco —
No regime de capitalização brasileiro vai ter uma camada solidária, respeitando o princípio constitucional da solidariedade, que fará com que nenhum brasileiro que opte pela capitalização possa ter benefício menor que o mínimo. As pessoas estão dizendo que o trabalhador vai contribuir sozinho, está claro lá que vão ter várias fontes de custeio, inclusive do empregador, está lá, não vai contribuir sozinho. Portanto, não é igual o do Chile.

ConJur — O governo espera batalhas judiciais sob a alegação que o direito adquirido à aposentadoria e com a regras anteriores? Como conciliar a reforma com essa garantia constitucional?
Bruno Bianco —
A procura pelo Judiciário é inevitável, e essa é a função do Judiciário. Mas nesse ponto, não acho que vá ter contestação. O Supremo é muito claro em dizer que não há direito adquirido a regime jurídico, e estamos garantindo 100% de direito adquirido e resguardando ao máximo as expectativas de direito, de forma que se proteja inclusive o princípio da confiança, fazendo com que as redes de transição atinjam todos. Então, se protege o direito adquirido e nas regras transitórias se protege ao máximo as expectativas de direito. Portanto, se o Supremo for chamado a decidir, certamente vai ser para reafirmar sua jurisprudência de que não existe direito adquirido a regime jurídico.

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