Opinião

Regulamentação de fundos patrimoniais é fonte de sustentabilidade

Autores

  • Wilmara Lourenço

    é advogada sócia coordenadora do escritório Nelson Wilians Advogados - Núcleo do Terceiro Setor a nível nacional membro da Comissão de Direito Tributário da OAB – Subseção Contagem(MG) especialista em Direito Tributário pela instituição Damásio Educacional (SP) e mestre em Direito Público pela Universidade Fumec (MG).

  • Renata B. Veneranda S. Neto

    é gerente institucional do Wilians & Advogados Associados e especialista em Comunicação e Política pela UniBH.

11 de abril de 2019, 12h52

A Lei 13.800/2019, que alterou as leis 9.249 e 9.250/1995, 9.532/1997 e 12.114/2009, se apresenta com o objetivo de regular os fundos patrimoniais, também conhecidos como endowments.

Segundo José Eduardo Sabo Paes, os endowments podem assumir diversas formas de organização e contam com motivações e origens distintas, podendo receber e administrar bens e direitos, ou recursos financeiros, com objetivo de “preservar o valor do capital principal na perpetuidade, inclusive, contra perdas inflacionárias, e gerar resgates recorrentes e previsíveis para sustentar financeiramente um determinado propósito, uma causa ou uma entidade”.

Diante da previsão na lei em questão, é possível afirmar que os fundos patrimoniais têm a finalidade de manter uma fonte regular e estável de recursos para as instituições que desenvolvem projetos de interesse público, em diversas áreas como: saúde, ciência tecnologia, pesquisa, inovação, cultura, meio ambiente, desporto e assistência social, entre outros. Isso podendo ser executados por entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos.

No que tange as finalidades de um fundo patrimonial, Eduardo Sabo Paes, assim define:

“Desse modo, a criação de um fundo patrimonial ou de um fundo de reserva técnica pode ter as seguintes finalidades: 1º preservação do patrimônio da fundação para garantir a perpetuidade de atuação em benefício de sua missão finalística (…); 2º destinação de parte de suas receitas para o incremento de um campo específico da atuação no âmbito de suas finalidades” (SABO PAES, página 322 – 2018).

A Lei 13.800/2019 apontou avanços relevantes para incentivar as doações dentro e fora do país ao aprimorar a governança corporativa das organizações gestoras de fundos patrimoniais, uma vez que possibilita a pessoa física ou jurídica destinar recursos para projetos de médio e longo prazo, que poderão ser permanentes e ajustado a uma causa.

Desde que direcionados a projetos culturais, via Lei Rouanet, os valores referentes aos aportes de propósito específico poderão ser deduzidos do imposto devido na declaração de Imposto de Renda, observado o limite global de deduções de 6% do imposto devido para pessoa física e 4% para pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real. Em contrapartida, percebemos uma deficiência na Lei 13.800/2019 no sentido de não permitir que os demais incentivos como, Pronon, Pronas e Fia, entre outros, sejam igualmente aplicados.

Vale destacar que os fundos patrimoniais também poderão receber doações em outras modalidades como: (i) permanente não restrita, que se refere a recursos cujo principal é incorporado ao patrimônio permanente do fundo e não pode ser resgatado, mas os rendimentos podem ser utilizados em programas e projetos gerais; (ii) permanente restrita de propósito específico, que define recursos cujo principal é incorporado ao patrimônio permanente do fundo patrimonial e não pode ser resgatado, mas os rendimentos podem ser utilizados em projetos relacionados ao propósito previamente definido no instrumento de doação; e (iii) de propósito específico, que engloba recursos atribuídos a projetos previamente estabelecidos, cujo principal pode ser resgatado de acordo com os termos e condições previstos no instrumento de doação.

Para administração dos recursos recebidos e visando a profissionalização da gestão dos fundos patrimoniais, a Lei 13.800/2019 prevê autorização para que, se necessário, a organização gestora contrate pessoa jurídica gestora de recursos registrada perante a Comissão de Valores Mobiliários e pague a ela taxa de performance.

Outro ponto relevante foi a segregação das responsabilidades entre entidade gestora, realizadora dos aportes e as instituições apoiadas que recebem recursos para a execução do projeto. Não obstante, o gestor do fundo patrimonial deve prever no seu estatuto social, os segmentos dos projetos que serão apoiados, seja de forma diversa ou exclusiva.

Com relação à responsabilidade dos administradores dos fundos patrimoniais, somente serão penalizados civilmente pelos prejuízos que causarem quando praticarem atos de gestão com dolo ou em virtude de erro grosseiro, ou atos que violem a lei ou o estatuto.

Foi percebida também a sensibilidade do legislador, no sentido de distinguir os fundos com patrimônio inferior a R$ 5 milhões, com regras de composição e funcionamento mais simples. Já a auditoria independente é obrigatória para organizações gestoras de fundos patrimoniais com patrimônio líquido superior a R$ 20 milhões, atualizado pelo IPCA.

No que tange aos mecanismos de transparência e prestação de contas, bem como a vedação de destinação de recursos a uma finalidade distinta da prevista no estatuto, vedação de outorga de garantias a terceiros sobre os bens que integram o fundo, não há grandes novidades para as entidades que já funcionam em conformidade com a Lei 13.019/2014 e suas alterações.

A Lei 13.800/2019 também prevê que o conselho de administração seja composto de, no máximo, sete membros que podem ser remunerados. Compete ao órgão supra deliberar sobre alterações ao estatuto social, normas da administração, diretrizes para investimentos e limitações para resgates, entre outras atividades que envolvam a gestão do fundo patrimonial.

A partir do artigo 5º da lei em questão, são apresentadas exigências obrigatórias para as organizações gestoras de fundo patrimonial. Dentre elas, é possível destacar a composição dos órgãos deliberativos e consultivos.

É possível concluir que a regulamentação dos fundos patrimoniais, por meio da Lei 13.800/19, traz mais segurança jurídica para os doadores e gestores de projetos sociais, bem como a tão sonhada sustentabilidade e governança corporativa para o terceiro setor.

No entanto, é importante atentar que a referida lei não prevê questões relacionadas à incidência do ITCMD, já que o referido imposto é cobrado sobre transmissão por doação, que poderá ser aplicável na doação ao fundo patrimonial, e até mesmo na doação do fundo patrimonial à instituição apoiada.

Diante do contexto, nasce a preocupação com a tributação no que se refere aos recursos destinados a causas sociais. Os CNPJs que obtiverem a imunidade tributária[1] declarada terão um diferencial competitivo no que tange à prospecção de recursos, uma vez que possibilitará mais segurança jurídica ao doador e a viabilidade de não recolher impostos sobre as transações destinadas ao fundo.


[1] Conforme previsto no artigo 150, VI, c da CR/88.

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