Lavagem de dinheiro

2ª Turma do STF mantém pena de Cunha por existência de crimes autônomos

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10 de abril de 2019, 13h40

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, manter a pena de prisão do ex-deputado federal Eduardo Cunha (MDB-RJ), afirmando que atos posteriores à corrupção passiva, como seguidas transferências de dinheiro de modo a realocar os valores obtidos por corrupção na economia formal, configuram crime autônomo de lavagem de dinheiro. 

Os ministros analisaram pedido de Habeas Corpus nesta terça-feira (9/4), que pretendia reduzir a pena aplicada ao ex-presidente da Câmara.

A pena definida e mantida agora pelo Supremo é de 14 anos e seis meses de detenção pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas no caso de propina recebida pelo ex-parlamentar por um contrato de exploração de petróleo em Benin, na África, firmado pela Petrobras.

A defesa alegou que Cunha foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pelo mesmo fato, sendo a lavagem parte integrante e consequente do crime de corrupção. Os ministros, no entanto, observaram a existência de crimes diferentes, com a movimentação do dinheiro desviado em contas na Suíça.

O ministro Luiz Edson Fachin, relator do processo, afirmou que, no caso em questão, a lavagem não foi mero exaurimento do crime de corrupção passiva, configurando crime autônomo, decorrente de conduta própria e desígnio específico para ocultar e dissimular os recursos de origem ilícita. O ministro descreveu o caminho do dinheiro, movimentado no exterior, para demonstrar a intenção de ocultá-lo.

"Não se desconhece que o recebimento de valores decorrentes de corrupção ocorre, comumente, de modo não ostensivo. Nada obstante, o cenário descrito no caso concreto, a meu ver, extrapola o campo do recebimento clandestino de vantagem indevida e deságua na espacialidade da dissimulação e ocultação próprios do delito de lavagem. No presente concreto, segundo assentaram as instâncias ordinárias, os valores teriam sido repassados ao ora paciente mediante expedientes que não se confundem com o simples recebimento de recursos em espécie mediante interposta pessoa, atestando-se, em verdade, o emprego de mecanismos de ocultação e dissimulação", disse o relator.

A defesa, feita pelos advogados Pedro Ivo Velloso e Ticiano Figueiredo, usou o caso do ex-deputado João Paulo Cunha (PT-SP), no caso da Ação Penal 470, como exemplo de situação semelhante à de Cunha. Na ocasião, o então parlamentar era acusado também de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O Supremo aplicou a tese de que ele cometeu apenas o primeiro crime, ao receber propina. Quando João Paulo Cunha pediu que a esposa sacasse o dinheiro para disfarçar o recebimento foi considerado a conclusão da corrupção, e não a prática de um novo crime.

Nesta terça, no entanto, os ministros entenderam que o cenário foi diferente. "Naquele caso julgado pelo Tribunal Pleno (AP 470), o recebimento de vantagem indevida por interposta pessoa configurava tão somente expediente próprio de camuflagem da prática do delito de corrupção passiva, não se prestando, contudo, no contexto da tipicidade objetiva da infração de lavagem, a consubstanciar, isoladamente, atos de ocultação ou dissimulação do resultado patrimonial da infração antecedente. Diversa, contudo, é a hipótese dos autos", apontou o relator.

Como destacou o relator, no caso no caso de Cunha, não se trata de pagamento por meio de uma terceira pessoa, mas sim de pagamento mediante uso de contas secretas no exterior em nome de uma offshore, de um lado, e de um trust, de outro, e da realização de transação por meio da qual a propina é depositada e ocultada em local seguro.

Para Fachin, a sentença da 13ª Vara Federal distinguiu bem os dois crimes ao demonstrar a sofisticação da prática criminosa, com o emprego de mecanismo de ocultação e dissimulação quando do repasse da vantagem indevida do crime de corrupção. Com isso, a propina chegava ao destinatário ocultada e, por vezes, já em local seguro e fora do alcance das autoridades públicas, tornando desnecessária qualquer nova conduta de ocultação ou dissimulação. Para a primeira instância e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, reconhecer a consunção seria premiar o criminoso por sua maior sofisticação e ardil.

O voto do relator foi acompanhado integralmente pelos outros quatro ministros. Cármen Lúcia afirmou que há situações em que há uma única prática, como na AP 470. Mas este é um caso bastante diverso, em que foi praticada a lavagem em sequência ao crime de corrupção, e não como consequência necessária. "A arquitetura criminosa é muito ampla, complexa. E não singela como pretendeu fazer parecer a defesa. Ele foi condenado pelo recebimento de vantagem indevida na compra da companhia de Benin e na transcrição que se faz após a celebração do contrato, em que houve a transferência de quantias", disse a ministra.

Leia aqui a íntegra do voto do relator, ministro Luiz Edson Fachin.
HC 165.036

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