Lealdade processual

Em caso de duplo julgamento, prevalece sentença que transitou em julgado primeiro

Autor

9 de abril de 2019, 7h38

Na hipótese de haver duas sentenças definitivas em ações penais distintas pelo mesmo fato, prevalece aquela que transitou em julgado primeiro. O entendimento foi fixado por maioria pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de recurso em Habeas Corpus.

STJ
Para STJ, deve prevalecer primeira decisão que transitou em julgado, devido à quebra do "dever de lealdade processual" por parte da defesa
STJ

Segundo o relator do acórdão, ministro Rogerio Schietti Cruz, a primeira decisão imutável deve prevalecer pela quebra do "dever de lealdade processual" por parte da defesa.

"Ainda que os documentos anexados aos autos permitam concluir que eles foram assistidos pela Defensoria Pública nas duas ações penais — possivelmente, por profissionais distintos —, é pouco crível que, quando cientificados da segunda persecução criminal existente em seu desfavor, não hajam informado a pessoa responsável pela sua defesa que já estavam sendo processados pelos mesmos fatos", disse.

No caso concreto, a segunda sentença foi proferida em maio de 2015, depois do trânsito em julgado da primeira condenação, que aconteceu em novembro de 2013. Segundo a decisão do STJ, isso "permite concluir que a duplicidade não foi mencionada sequer nas alegações finais".

Para Schietti Cruz, "tudo leva a crer que, sabedora da dupla persecução criminal contra os réus, e que já haviam sido condenados no outro processo a defesa prosseguiu na segunda ação e, ao ser exitosa, buscou a anulação do primeiro decisum na via mandamental".

Em sua decisão, ele ressalta o entendimento do STJ no sentido de que "vige no sistema processual penal o princípio da lealdade, da boa-fé objetiva e da cooperação entre os sujeitos processuais, não sendo lícito à parte arguir vício para o qual concorreu em sua produção, sob pena de se violar o princípio de que ninguém pode se beneficiar da própria torpeza — nemo auditur propriam turpitudinem allegans".

O ministro também destacou decisões do Supremo Tribunal Federal no mesmo sentido. A corte entende que, "demonstrado o 'bis in idem', e assim a litispendência, prevalece a condenação imposta na primeira ação" e que "os institutos da litispendência e da coisa julgada direcionam à insubsistência do segundo processo e da segunda sentença proferida, sendo imprópria a prevalência do que seja mais favorável ao acusado".

Responsabilidade do estado
Ao negar provimento ao recurso depois de pedir vista nos autos do processo, o ministro Rogerio Schietti Cruz foi seguido pelos ministros Nefi Cordeiro, Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz.

Restou vencido o relator do caso, ministro Sebastião Reis Júnior, que não conheceu do recurso em Habeas Corpus, mas expediu, de ofício, a ordem de HC para anular a condenação proferida no primeiro julgamento do caso e manter a absolvição do réu na segunda decisão.

Para Sebastião, diante do trânsito em julgado de duas sentenças sobre o mesmo caso, "deve prevalecer o critério mais favorável em detrimento do critério temporal (de precedência), ante a observância dos princípios do favor rei e favor libertatis".

"Ora, a responsabilidade pela duplicidade de processos é do Estado, que é quem acusa (Estado-administração) e julga (Estado-juiz), não do réu, que é quem se submete ao ritual fúnebre do processo penal", escreveu em seu voto vencido.

Depois do julgamento no qual a maioria do colegiado acompanhou o voto-vista de Schietti, o relator acrescentou um aditamento ao seu voto, destacando decisão da própria turma no sentido de prevalecer o critério mais favorável ao temporal.

"O fato de a jurisprudência predominante no Tribunal ser contrária à decisão absolutória é, a meu ver, indiferente, porque essa decisão transitou em julgado, não podendo mais ser modificada. Não se discute aqui o acerto ou não dessa segunda decisão, até porque não há recurso do Ministério Público, mas sim qual das sentenças prevalece — a primeira ou a segunda. Não vejo como, em habeas corpus, declarar-se equivocada uma decisão proferida em favor do réu, ainda mais diante do silêncio do Ministério Público que, no momento devido, silenciou-se", acrescentou Sebastião Reis Júnior. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ. 

Clique aqui para ler o acórdão.
Clique aqui para ler o voto vencido do ministro Sebastião Reis Júnior.
RHC 69.586

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!