Opinião

Contribuição de Rui Barbosa é única e transcendente ao seu tempo

Autor

  • Ruy Samuel Espíndola

    é advogado publicista professor de Direito Eleitoral e de Direito Constitucional e membro da Associação Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) e da Academia Catarinense de Letras Jurídicas (Acalej).

7 de abril de 2019, 6h53

O tempo, que corrói e aniquila as obras medíocres, deixa a salvo as obras geniais, que ganham perenidade. O pensamento de Rui mantém o viço e atualidade.”
(Alfredo Buzaid)

A contribuição que Rui Barbosa deu ao país, na sua multifacetada atividade de jurista, advogado, jornalista, parlamentar (senador e deputado), ministro de Estado e duas vezes candidato registrado a presidente da República (1909 e 1919), é única e transcendente ao seu tempo. Só para termos pequena amostra de seu pioneirismo, em sua plataforma de candidato inseriu “temas como construção de casa para operários; proteção ao trabalho de menores; limitação das jornadas laborais, em especial do trabalho noturno; igualdade salarial para ambos os sexos; amparo à mãe operária e à gestante; licença-maternidade; indenização por acidentes do trabalho; legalização do trabalho agrícola e seguro previdenciário” (cf. Carlos Henrique Cardim, A Raiz das Coisas – Rui Barbosa: o Brasil no Mundo, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007, p. 18).

Nascido na Bahia, em 5 de novembro de 1849, e falecido no Rio de Janeiro, em 1º de março de 1923, em seus 73 anos de vida deixou um rico legado como fundador da República e de jurista construtor de institutos jurídicos hoje consagrados. Redator da primeira Constituição (1891) do período republicano e representante do Brasil na Segunda Conferência da Paz de Haia, em 1907, na qual se destacou por suas ideias, falando, fluentemente, francês, inglês e alemão, defendendo princípios necessários à convivência pacífica entre as nações, marcando nossa entrada na política internacional.

O instituto do Habeas Corpus teve consagrada a legitimação universal, ou seja, o impetrante pode ser qualquer cidadão que resolva interpô-lo em prol do paciente, seja ou não advogado, graças à sua doutrina. Também defendeu e fez uso do HC para proteger outras liberdades, que não somente a ambulatória, como foi o da defesa de sua liberdade de expressão, quando a censura resolveu proibir que a imprensa publicasse alguns de seus pronunciamentos parlamentares. Esse uso, por parte de Rui, preparou a cultura jurídica nacional para o nascimento do mandado de segurança, como ação mandamental expedita.

Utilizou dos interditos possessórios para defesa de outros direitos que não somente os direitos reais, com o fim de dotar a ordem jurídica de instrumentalidade própria à defesa de uma variedade de direitos até então incogitados. O controle de constitucionalidade, seus contornos e exegeses, orientando o Supremo Tribunal Federal da nascente República, encontrou, tanto em sua pena de jurista legislador quanto de jurista militante do foro, o caminho seguro a ser trilhado por qualquer magistrado da federação, em qualquer instância do Judiciário.

Sua doutrina de atos políticos sindicáveis pelo Judiciário, desde que afetante de direitos e liberdades individuais, vigora até hoje, intacta, na jurisprudência do STF e na doutrina nacional.

Seus conselhos deontológicos, endereçados em carta a Evaristo Moraes, que lhe consultara sobre como agir na defesa de acusado que era adversário de sua grei partidária, constituem postulados que influenciaram os códigos de ética da advocacia brasileira até os nossos dias. A tese de que todo o acusado, independendo da crueza da falta cometida, deve ter, ao seu lado, o defensor, se não para pugnar pela sua inocência, mas para que o direito a prova seja respeitado, o devido processo legal seja cumprido e que a pena seja aplicada nunca além de sua justa medida, são princípios a orientar nossa profissão e práxis forense.

Alfredo Buzaid afirmou que a bagagem intelectual de Rui, desde o início de sua advocacia até seus trabalhos derradeiros, era grandiosa. Conhecia todos os ramos da ciência jurídica como se fosse, em cada qual, um especialista. Com a mesma profundidade discorria e manejava seja o Direito Privado ou o Direito Público, assombrando com seu domínio. “Não foi apenas o constitucionalista, aquele que elaborou, interpretou e defendeu a primeira Constituição republicana; não foi apenas o civilista, que reviu o Código Civil, dando-lhe a mais elegante redação; não foi apenas o comercialista, deixando obra capital sobre Cessão de Clientela; não foi apenas o criminalista, cujos estudos constituem até hoje modelos e exemplos da ciência penal; (….) não é apenas o tributarista, que discute em numerosos pareceres questões relativas a impostos e taxas”. Também foi exímio processualista civil, com grande produção neste ramo jurídico (Cf. Buzaid, Rui Barbosa: processualista civil e outros estudos, São Paulo, Saraiva, 1989, p. 03/04).

Rui também foi um poderoso exemplo de coragem moral, de vigor intelectual e de grande bibliófilo. Suas predileções intelectuais iam além do Direito, lançando luzes sobre os conhecimentos de nossa língua, da literatura, da educação, da religião, da economia e das relações internacionais etc.

Enfrentou ardentes discussões na tribuna parlamentar, judiciária ou da imprensa. Tribuno sem igual debatia os importantes temas da nacionalidade e da liberdade com destemor e entrega sem reservas. Estudava compulsivamente. Chegou a escolher sua última morada, onde hoje está estabelecida a “Casa de Rui Barbosa”, tendo em conta, em primeiro plano, a necessidade de acomodação de sua biblioteca. Acervo que, ao morrer, contava com 35 mil obras, em diversos idiomas e diversificados ramos do conhecimento. Obtinha as principais obras, de quaisquer nacionalidades, que lhe interessasse à vasta e insaciável curiosidade intelectual.

Em suas campanhas presidenciais percorreu o Brasil, e por onde andou deixou uma legião de admiradores, que ouviam seus discursos embevecidos pela sua dialética e profundidade. Ensinou-nos, pelo exemplo e pela pregação, o valor da civilidade, da nacionalidade, da luta pelas liberdades para o estabelecimento do rule of law, com ideias precursoras em prol do Estado de Direito. Estimulou o país ao conhecimento das ordens jurídicas de outras nações, aos estudos comparados, notadamente da cultura inglesa e norte-americana, que o marcaram positivamente.

Neste ano de 2019 o Brasil comemorará o 170º aniversário de seu nascimento. Que a Ordem dos Advogados do Brasil, as academias de letras jurídicas, os institutos dos advogados, os tribunais de contas, os tribunais de Justiça estaduais e federais, o Ministério Público, as universidades e escolas públicas organizem eventos que deem a conhecer, às gerações presentes, a vida e a obra deste imorredouro e genial brasileiro.

Autores

  • Brave

    é sócio do Espíndola & Valgas Advogados Associados, mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professor de Direito Constitucional e membro da Academia Catarinense de Letras Jurídicas.

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