Opinião

Lei do bem é duplo incentivo a pequenas e microempresas

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3 de abril de 2019, 6h23

Muito se questiona, nos tempos atuais, de revolução tecnológica e proliferação de novos negócios via “startups”, se o governo brasileiro não deveria seguir as melhores práticas internacionais, notadamente de países-membro da OCDE[1], e estimular ainda mais a inovação no país mediante a concessão de incentivo tributário à micro e pequenas empresas no país que, quando da apuração do seu Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSLL), optem pelo lucro presumido.

Uma das maiores críticas que se tem feito à Lei 11.196, de 2005, que regula o incentivo da inovação tecnológica no Brasil, popularmente denominada “Lei do Bem”, estaria no pretenso alcance da mesma somente para empresas optantes pela apuração do IRPJ na forma do lucro real, não incentivando assim as empresas optantes pelo lucro presumido.

É consenso que, quando se trata do benefício relacionado à super dedução de dispêndios com Pesquisa e Desenvolvmiento (P&D). previsto no artigo 19 da Lei do Bem, o mesmo só se aplica às empresas optantes pelo lucro real. Trata-se de exclusão, nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, do valor correspondente a 60% até 80% da soma dos dispêndios realizados com P&D, no período de apuração, classificáveis como despesa pela legislação do IRPJ.

No entanto, as empresas optantes pelo lucro presumido foram duplamente beneficiadas pela Lei do Bem, por meio de:

a) isenção tributária, na apuração do lucro presumido, sobre receita de P&D, prevista no parágrafo 2º do artigo do 18. [2] Esta isenção foi confirmada pela Instrução Normativa RFB 1.187, de 2011, em seu artigo 4º, parágrafo 5º e pelo Decreto 9.580, de 2018 (Regulamento do Imposto de Renda), no artigo 591, parágrafo 4º.[3]

b) estímulo à terceirização da inovação à micro e pequenas empresas que realizem atividades de P&D por conta e ordem da pessoa jurídica contratante, nos termos do parágrafo 2º do mesmo artigo 18 e pela Instrução Normativa RFB 1.187, de 2011, em seu artigo 4º, parágrafo 3º. Tais montantes poderão ser considerados como dispêndios na apuração do benefício de inovação tecnológica pela empresa contratante, assim como o é permitido na contratação de universidade, instituição de pesquisa ou inventor independente (como previsto no artigo 17, parágrafo 2º. da Lei). Nestes casos, o risco tecnológico[4] é assumido pelas micro e pequenas empresas, durante a execução da pesquisa, ficando a pessoa jurídica contratante que efetuou o dispêndio com a responsabilidade, o risco empresarial, a gestão e o controle da utilização dos resultados dos dispêndios.

Logo, a carga tributária das startups (que se enquadrem como micro e pequenas empresas), optantes pelo lucro presumido, pode ser reduzida na hipótese em que contribuam para o desenvolvimento de soluções inovadoras para desafios propostos por empresas contratantes, as quais terceirizam assim o risco tecnológico da pesquisa. Por sua vez, tais contratantes podem incluir tais gastos em suas base de dispêndios para fins de cálculo do benefício de inovação tecnológica, criando-se um círculo virtuoso de estímulo tributário à inovação.

Comprovando tal entendimento, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em recente julgado (Acórdão 1302003.082 – 3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária -Sessão de 18 de setembro de 2018 – Relator Gustavo Guimarães da Fonseca), ao analisar a contratação pela pessoa jurídica, de empresas de médio e grande porte para auxiliar na pesquisa e desenvolvimento de projeto inovador, ressaltou não somente a possibilidade da inclusão de tais dispêndios na base do benefício, de inovação, como também consolidou a interpretação da possibilidade de terceirização e transferência do risco tecnológico da pesquisa para as micro e pequenas empresas, conforme mencionado em trecho da decisão abaixo reproduzido:

Me parece suficientemente claro, aqui, que:

a) a Lei 11.196 não considera como despesas operacionais, os gastos incorridos com a "terceirização" das atividades de pesquisa e desenvolvimento especificamente descritas no inciso I, do artigo 17 (não estando abrangido, pois, aqui, os gastos tratados nos incisos II a V), ;

b) excetua da regra acima, os dispêndios com a terceirização das aludidas atividades, desde que contratadas com microempresas ou empresas de pequeno porte.
Assim, o artigo 18, acima, não restringe a benefício contido no artigo 17. De fato, o artigo 17 reclassifica como despesas operacionais as atividades com pesquisa e desenvolvimento que não estariam, usual e diretamente, vinculadas à atividade fim do benefíciário e que, nesta esteira, não atenderiam aos preceitos do artigo 299 do RIR. Por certo, também não estariam abrangidos pela regra inserta no artigo 299 os gastos com a terceirização das atividades de pesquisa. O que o artigo 18 faz é estender a regra isentiva contida no artigo 17 também às hipóteses de terceirização das atividades acima, quando contratadas com micro e pequenas empresas… assim, de fato, os pagamentos realizados à empresas de médio e grande porte em que se observe a ocorrência da "terceirização" da atividade de pesquisa e desenvolvimento, não gozariam dos benefícios ora estudados. Lado outro, gastos incorridos com tais empresas (de médio e grande porte), como "insumos" do processo "produtivo", estariam, outrossim, abrangidos pela regra encartada no artigo 17.

Esta recente decisão do Carf contribui para a melhor e mais segura interpretação da lei na utilização do benefício de inovação tecnológica, não somente por confirmar a previsão legal para a contratação de médias e grandes empresas para apoiar no desenvolvimento de projetos inovador, como também por elucidar a permissão legal de terceirização da pesquisa para as micro e pequenas empresas.

Como visto, a Lei do Bem, desde sua publicação, em 2005, estimula a inovação não somente as empresas optantes pelo lucro real, mas também nas micro e pequenas empresas optantes pelo lucro presumido, concedendo a isenção sobre a receita proveniente da realização de pesquisa e desenvolvimento e também incentivando a contratação dessas “startups” por empresas optantes pelo lucro real, para o desenvolvimento de sues projetos inovadores. Ainda que melhorias na Lei sejam sempre muito bem-vindas, o benefício tributário de inovação tecnológica concedido pelo governo federal, visando promover o maior desenvolvimento econômico e social do país,  se configura como importante instrumento para a alavancagem da inovação nas empresas; no entanto, resta aos contribuintes fazer uso do mesmo, já que somente cerca de 1% das empresas no Brasil o fazem.[5] Espera-se que o entendimento do real alcance da Lei, tanto para empresas no lucro real, quanto no lucro presumido, tenha o condão de contribuir para a ampliação de sua adoção.


[1] Alguns países concedem benefícios específicos para estimular as pequenas e médias empresas e start-ups, conforme pesquisa publicada pela OCDE. OECD Review of National R&D Tax Incentives and Estimates of R&D Tax Subsidy Rates. Disponível em http://www.oecd.org/sti/rd-tax-stats-design-subsidy.pdf.

[2] Art. 18. Poderão ser deduzidas como despesas operacionais, na forma do inciso I do caput do art. 17 desta Lei e de seu § 6º, as importâncias transferidas a microempresas e empresas de pequeno porte de que trata a Lei 9.841, de 5 de outubro de 1999, destinadas à execução de pesquisa tecnológica e de desenvolvimento de inovação tecnológica de interesse e por conta e ordem da pessoa jurídica que promoveu a transferência, ainda que a pessoa jurídica recebedora dessas importâncias venha a ter participação no resultado econômico do produto resultante. (Vigência) (Regulamento)
(…)
§ 2º Não constituem receita das microempresas e empresas de pequeno porte, nem rendimento do inventor independente, as importâncias recebidas na forma do caput deste artigo, desde que utilizadas integralmente na realização da pesquisa ou desenvolvimento de inovação tecnológica. (grifo nosso)

[3] Art. 591. A base de cálculo do imposto sobre a renda e do adicional, em cada trimestre, será determinada por meio da aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta definida pelo art. 208, auferida no período de apuração, deduzida das devoluções e das vendas canceladas e dos descontos incondicionais [3]concedidos, e observado o disposto no § 7º do art. 238 e nas demais disposições deste Título e do Título XI (Lei nº 9.249, de 1995, art. 15; e Lei nº 9.430, de 1996, art. 1º e art. 25, caput, inciso I).
(…)
§ 4º Não constituem receita das microempresas e das empresas de pequeno porte não optantes pelo Simples Nacional, de que trata a Lei Complementar nº 123, de 2006, as importâncias recebidas e destinadas à execução de pesquisa tecnológica e de desenvolvimento de inovação tecnológica de interesse e por conta e ordem da pessoa jurídica que promoveu a transferência, ainda que a pessoa jurídica recebedora dessas importâncias venha a ter participação no resultado econômico do produto resultante, desde que utilizadas integralmente na realização da pesquisa ou do desenvolvimento de inovação tecnológica (Lei nº 11.196, de 2005, art. 18, § 2º).

[4] Nos termos do artigo 2º., inciso III do Decreto n. 9.283, de 7 de fevereiro de 2018, risco tecnológico é a possibilidade de insucesso no desenvolvimento de solução, decorrente de processo em que o resultado é incerto em função do conhecimento técnico-científico insuficiente à época em que se decide pela realização da ação.

[5] Em relação ao número de empresas optantes pelo lucro real. Dados do uso do benefício publicados pelo IBGE disponíveis em https://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/multidominio/ciencia-tecnologia-e-inovacao/9141-pesquisa-de-inovacao.html?=&t=destaques.

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