Opinião

Democracia e governo representativo no Brasil, de Rodrigo Mudrovitsch

Autor

  • Ney Bello

    é desembargador no Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor da Universidade de Brasília (UnB) pós-doutor em Direito e membro da Academia Maranhense de Letras.

2 de abril de 2019, 13h21

Que democracia nós possuímos? O que verdadeiramente caracteriza nosso regime democrático? Ou, perguntado de outra maneira, qual o elemento constitutivo do regime democrático sem o qual não podemos ousar falar em democracia no Brasil contemporâneo? 

“Democracia e Governo representativo no Brasil”, de autoria de Rodrigo Mudrovitsch, enfrenta a questão lançando um pouco de luz sobre o modelo democrático vigente no Brasil. 

Diferenciando representatividade de democracia, e demonstrando que nem toda democracia é — per se — um modelo de representação, o autor encontra uma pedra de toque para o modelo democrático, caracterizando-o a partir da limpeza dos canais de participação e de refrega de opostos. Regime democrático não é aquele em que os representantes expressam o que o povo diretamente quer e deseja, mas aquele no qual quaisquer das compreensões políticas têm a legitimidade e a possibilidade de ocupar o espaço de poder.

Diferentemente de autocracias ou ditaduras, no regime democrático, os opostos convivem e podem ocupar o poder sem eliminar o divergente. Não é a representatividade que importa como característica que o define, mas a possibilidade de alternância.

Talvez o mais correto fosse dizer que a ideia de liberdade e tolerância política está no DNA da democracia, e não a plena representação do povo por seus parlamentares e administradores eleitos. O Brasil será tão democrático quanto mais pudermos tolerar pensamentos políticos opostos e permitir que pensamentos divergentes ocupem o mesmo espaço de debates. A democracia brasileira precisa de que ninguém intente eliminar o outro. Quando o direito e os juristas, o povo e os detentores de mandatos legítimos operarem no sentido de extinguir o oposto, a democracia terá acabado. 

Isso se dá pela só razão de que o representante do povo não é exatamente reflexo dos interesses e compreensões do eleitor, abstratamente representado. Este é um fato que se demonstra através da sólida constatação de que – no Brasil – quem governa e sempre governou foram as minorias, nunca a maioria. O governo da maioria é uma ficção; um topoi argumentativo e metafórico que serve para justificar decisões e acomodar movimentos. Máxime se não há governo direto, e mais ainda se quem representa os despossuídos – à esquerda ou à direita – também faz parte da elite, seja ela política, econômica ou intelectual. Talvez o autor admitisse a hipótese de que o parlamento, como representante do povo, seja somente um aguilhão discursivo, ou um fetiche acadêmico.

Em tempos de redes sociais e de internet fica clara a possibilidade de um governo ou um parlamento flertarem com a democracia direta, com a busca através da tecnologia do desejo primevo do eleitor. Resta saber se isso é desejável ou possível. Resta saber se isso é democrático ou totalitário. A maioria pode ser totalitária e não admitir opostos; a maioria poder estabelecer uma ditadura sobre a minoria. 

Para o autor, não é essa a característica da democracia, mas, sim, a tolerância e a possibilidade de participação política.

Ao enfrentar a tese segundo a qual nos tempos que correm as escolhas democráticas não são frutos de verdadeiras opções ideológicas, mas construídas a partir da propaganda, a obra do professor doutor deixa a descoberto uma mentira contada tantas vezes que se tornou verdade: a de que o parlamentar e o governante representam os interesses de quem os elegeu. 

Seja tomada desde a propaganda eleitoral gratuita, seja admitida em razão da propaganda dispersa nas redes sociais, o que importa é que a decisão da maioria por um candidato ou por uma ideia política está construída a partir do grau de informação que o eleitor possui acerca de um candidato ou de uma proposta.

Consequentemente, a representatividade está e sempre esteve corrompida por fatores reais de divulgação de fatos e opiniões. Antes, a comida e os benefícios diretos; hoje, a corrente de WhatsApp e as redes
sociais. A ignorância sempre existiu – oxalá não fosse assim – como elemento catalisador de pensamentos a favor de um ou outro representante que nem de longe representam as vidas, as compreensões e os interesses dos representados. 

A deturpação do interesse existe e é um elemento do jogo democrático.

Mais do que nunca vivemos uma “democracia de audiência” onde os eleitores presentes num teatro argumentativo deliberam por escolher representantes que professam o discurso desejado, mesmo que o resultado da sedução possa ser desastroso! 

O grande mérito do texto do professor Rodrigo Mudrovitsch está em abandonar conceitos sedimentados acerca das características do nosso modelo democrático, oferecendo compreensões pragmáticas para entender quem somos e para onde vamos! 

Vale a leitura! Excelente tese de doutorado que agora nos aparece em livro! Para nossa sorte!

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    é desembargador no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Pós-doutor em Direito, professor, membro da Academia Maranhense de Letras.

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