Propaganda institucional

Usar TV pública para prestar contas não é promoção pessoal, diz TRF-4

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29 de setembro de 2018, 9h44

Expor programas do governo estadual por meio de notícias em TV pública é mecanismo legal de prestação de contas dos atos da administração, não caracterizando promoção pessoal ou desvio de finalidade.

Com esse entendimento, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região reformou sentença em ação popular que condenou o ex-governador do Paraná Roberto Requião por improbidade administrativa. Com a decisão, unânime, o político não precisará ressarcir à TV Paraná Educativa os gastos com a elaboração e transmissão de programas e peças institucionais que citaram o seu nome.

Além de Requião, eram réus o estado do Paraná, a própria TV e a ex-secretária de Cultura Vera Maria Haj Mussi Augusto — posteriormente retirada do processo por ser parte ilegítima.

A Rádio e Televisão Educativa do Paraná é autarquia vinculada à Secretaria de Estado da Cultura do Estado, que tem por objetivo a produção de programas educativos, culturais e artísticos. Segundo a ação popular, a programação, no entanto, estava sendo desvirtuada, com a divulgação de notícias de cunho político-partidário, de propaganda institucional e ideológica, de ataques a adversários políticos, bem como servindo de promoção pessoal do ex-governador Roberto Requião.

Tal desvirtuamento, aponta a inicial, violou o parágrafo 1º do artigo 37 da Constituição da República. O dispositivo diz que ‘‘a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos’’.

O pedido era para que a Justiça decretasse a nulidade de todos os atos praticados pelos réus que autorizaram a produção e a divulgação de notícias no canal de televisão, além da condenação à devolução dos valores gastos nesses programas.

Parcial procedência
Para a juíza substituta Tani Maria Würster, da 1ª Vara Federal de Curitiba, a questão trata do conflito entre o direito constitucional de manifestação do pensamento e à informação livre de censura em face dos princípios da moralidade e impessoalidade administrativas, que regem a administração pública. Em razão do princípio da unidade da Constituição, discorreu na sentença, ambos os interesses, embora aparentemente contraditórios, devem ser interpretados e concretizados de modo a permitir sua convivência harmônica em um mesmo espaço (no caso, o espaço da TV Educativa), sem que nenhum deles seja totalmente suprimido em razão do exercício do outro direito.

Nesse sentido, ponderou que os contornos de cada direito em jogo passam pela análise das circunstâncias do caso concreto, considerando a natureza da informação veiculada, o tempo e o modo de exposição, natureza do cargo ocupado pelo governante e o interesse público na notícia. E, após fazer esse exercício, a juíza deu parcial procedência à ação popular. No aspecto, condenou o ex-governador a ressarcir à Rádio e Televisão Educativa do Paraná os gastos com os programas veiculados, em valores a serem definidos na liquidação de sentença.

Nas razões de mérito, a julgadora reconheceu que Roberto Requião, enquanto governador, era notícia, pois os atos, palavras e decisões do chefe do Poder Executivo estadual são de interesse. Nesse caso, seria inviável pretender que deixasse de aparecer, de manifestar opinião, de dar informações a respeito de seu governo, seja em rede privada ou pública de televisão.

‘‘Inviável pretender, portanto, que ele deixasse de ser mencionado na TV Educativa. Impedi-lo de manifestar sua opinião em qualquer rede de TV, rádio ou imprensa escrita seria ofender o art. 220 da Constituição Federal’’, complementou.

Entretanto, advertiu a juíza, o exercício desse direito não é ilimitado. Por se constituir numa rede pública de televisão, a emissora ré deve obediência aos princípios que regem a administração pública, em especial o da moralidade e o da impessoalidade. Por consequência, não é possível admitir que o governante use bem ou direito público em proveito próprio, sob pena de desvio de finalidade.

‘‘A propaganda institucional, exatamente porque custeada pelo erário público (…) não pode veicular informação que não seja oficial, institucional do Governo. (…) Se a propaganda institucional contém crítica ou opinião (o que é diverso da informação), veicula o pensamento de seu Governante e não do Governo, laborando confusão entre o interesse do Estado e do seu Governante, que não são a mesma coisa, ressalte-se. Há aqui, portanto, evidente desvio de finalidade’’, concluiu.

Virada no TRF-4
O relator, desembargador Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, deu provimento ao recurso de apelação, por não enxergar ‘‘excessos’’ nas propagandas institucionais, como entendeu a juíza de primeiro grau. Para o relator, é tênue a distinção entre matéria jornalística — em face do direito-dever de prestar contas à população — e propaganda institucional indevida, onde se visa à promoção pessoal do gestor público.

Assim, o ditame constitucional segundo o qual a publicidade não pode conter nomes ou imagens que caracterizem promoção pessoal, pontuou o desembargador, deve ser interpretado com certa reserva. Até porque, segundo a própria juíza admitiu, lembrou, ‘‘o governador é notícia’’.

Na percepção de Aurvalle, seria preciosismo legal exigir que, em vez de ‘‘o governador fez’’, as matérias trouxessem, sempre, ‘‘o governador do Estado fez’’. É que em todos os estado, diariamente, a imprensa estampa a figura de seu governador, por meio de fotografia e/ou declarações, e isso não configura ilicitude.

Além do mais, ao se dar publicidade a alguma ação governamental que venha em benefício da sociedade, destacou, está se fazendo alguma promoção pessoal do administrador, mesmo de forma indireta. Nessa linha, o que interessa saber é se a matéria veiculada possui ou não interesse jornalístico, no sentido de dar publicidade aos atos de governo.

‘‘Enfim, em praticamente todas estas intervenções (…) há inegável interesse jornalístico e se está fazendo prestação de contas da gestão. Certo, pela frequência de tais emissões televisivas, é possível vislumbrar um padrão talvez narcisístico de governar. Entretanto, ainda que moralmente reprovável para alguns, com a vênia da ilustre Julgadora, não há como detectar a escopo exclusivo de promoção pessoal, o que caracterizaria o ilícito administrativo de desvio de finalidade, desvio de poder ou a prática de ato de improbidade’’, definiu Aurvalle.

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Processo 2009.70.00.005298-4/PR

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