Opinião

O meio de impugnação cabível da decisão proferida no agravo interno

Autor

  • Gilberto Andreassa Junior

    é advogado pós-doutor (UFRGS e UFPR) doutor (PUC/PR) presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB-PR e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

23 de setembro de 2018, 6h34

O sistema recursal brasileiro passou por sensíveis modificações voltadas a imprimir segurança jurídica, celeridade e efetividade processual. Estabeleceu o novo Código de Processo Civil, de forma clara, em seu artigo 926, que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Coerência liga-se à consistência lógica que o julgamento de casos semelhantes deve guardar entre si. Já a integridade é a exigência de que os juízes construam seus argumentos de forma integrada ao Direito, em uma efetiva perspectiva de ajuste de substância.

O problema surge a partir do momento em que esta nova construção impossibilita ao jurisdicionado a superação de alguns precedentes emanados do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Dispõem os artigos 102 (III) e 105 (III) da Constituição Federal as possibilidades para interposição de recurso especial e recurso extraordinário. Estando o caso concreto dentro do que delimitam os dispositivos, poderia as partes pleitear a análise às cortes superiores.

Em cumprimento ao artigo 1.029 do CPC, o recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão a exposição dos fatos, a demonstração do cabimento e as razões do pedido de reforma. Recebida a petição e apresentadas as contrarrazões, os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal local, que deverá:

i) realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao STJ ou STF;

ii) sobrestar o recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida;

iii) selecionar o recurso como representativo de controvérsia constitucional ou infraconstitucional;

iv) encaminhar o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado, conforme o caso, nos regimes de repercussão geral ou de recursos repetitivos; ou

v) negar seguimento ao recurso.

O que interessa ao presente artigo diz respeito ao último exemplo citado, isto porque, no caso de negativa de seguimento, serão cabíveis duas possibilidades de recurso:

1) agravo em REsp/RE (artigo 1.042): possibilidade mais corriqueira, trata da inadmissibilidade por eventual rediscussão de matéria fática ou probatória (Súmula 279, STF, e Súmula 7, STJ); eventual ausência de divergência, quando a orientação do STJ se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 83, STJ); quando o acordão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário (Súmula 126, STJ); quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles (Súmula 283, STF); e assim por diante;

2) agravo interno ao próprio tribunal local, com julgamento realizado por órgão indicado no regimento interno (artigo 1.030, parágrafo 2º): aqui, trata-se da inadmissibilidade quando o recurso extraordinário discutir questão constitucional à qual o Supremo Tribunal Federal não tenha reconhecido a existência de repercussão geral ou a recurso interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral; recurso extraordinário ou a recurso especial interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente, exarado no regime de julgamento de recursos repetitivos; e nos casos de sobrestamento de recurso que versar sobre controvérsia de caráter repetitivo ainda não decidida.

Pois bem, problematizando o tópico 2, pergunta-se: após a decisão proferida no agravo interno, e não sendo cabíveis embargos de declaração, qual meio de impugnação deverá ser utilizado pelas partes? Ao que parece, a vontade do legislador — que, inclusive está sendo seguida pela jurisprudência — foi a de impedir qualquer outra espécie de manejo recursal, ou seja, após o julgamento do agravo interno, ficam as partes impedidas de debater o caso concreto no STJ ou STF.

Feitas as considerações, não se pode admitir a falta de acesso às partes aos tribunais superiores. Isto iria à contramão do pleno acesso à Justiça e, pior, deixaria o nosso sistema jurídico completamente “engessado”.

A solução para o caso foi encaminhada à II Jornada de Direito Processual Civil (Conselho da Justiça Federal), mas, através de decisão dos coordenadores científicos e mestres de todos nós, Teresa Arruda Alvim e Cassio Scarpinella Bueno, terminou não sendo aprovada. Ainda assim, sem uma opção consolidada por parte da doutrina, vale a reflexão.

Para o caso concreto — improvimento de agravo interno protocolado após inadmissibilidade de REsp ou RE —, deveriam ser cabíveis dois tipos distintos de procedimento; vejamos:

1) reclamação, se a decisão do presidente/vice-presidente do tribunal local for contrária ao que delimitam os tribunais superiores (artigo 988. Aplicação indevida da tese jurídica ou não aplicação);

2) recurso especial, se a decisão do tribunal local não fizer a devida distinção (distinguishing­ – artigo 1.037, parágrafo 9º) ou houver motivos para que a tese firmada no julgamento de recurso repetitivo seja superada (fundamento no artigo 926, caput, que exige que a jurisprudência seja íntegra).

No presente artigo, não se procura retirar força normativa aos precedentes dos tribunais. Busca-se, sim, sempre possibilitar eventual revisão, ou melhor, superação do precedente, seja pelo transcurso de tempo, seja pela mudança cultural da sociedade, seja por qualquer outro motivo justificável. Como dito em momento anterior, o próprio CPC determina, como verdadeiro princípio, que os tribunais devem manter sua jurisprudência íntegra. Se, por qualquer dos motivos exemplificados, o precedente perdeu a integridade, certamente caberia a interposição de recurso especial por ofensa à lei federal.

Sem a possibilidade de interposição de recurso, após a decisão do agravo interno (artigo 1.030, parágrafo 2º), seria impossível realizarmos a superação (overruling) de quaisquer precedentes. Isso, inclusive, violaria o Estado Constitucional e todos os princípios basilares do novo código.

O assunto é controverso, mas precisa ser mais debatido pela doutrina. Repita-se: não se pode negar ao cidadão pleno acesso aos tribunais superiores, por mais louvável que tenha sido a opção do legislador em efetivar as cortes superiores como verdadeiras cortes de precedentes, mesmo nos casos abstratos.

Autores

  • Brave

    é advogado, professor universitário, doutorando e mestre em Direito e pós-graduado em Direito Processual Civil Contemporâneo. Membro do Instituto dos Advogados do Paraná (IAP), do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e da Academia Brasileira de Direito Processual Civil.

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