Opinião

A intervenção federal no Rio de Janeiro e a "guerra assimétrica invertida"

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20 de setembro de 2018, 6h26

A intervenção federal na segurança pública do estado do Rio de Janeiro vem sendo tratada de forma extremamente crítica e ácida nos meios de comunicação.

Inicialmente, o que se vê hoje no estado do Rio de Janeiro, quase que uma antessala para o que começa a ocorrer em todo o Brasil, é a disseminação inacreditável do crime organizado em sua base territorial.

O Rio de Janeiro possui pouco mais de mil comunidades, e hoje perto de 840 estão sob o domínio de facções, traficantes ou milicianos.

Esse domínio pressupõe não apenas o impedimento normal de patrulhamento policial, mas também a submissão de toda a população a toda sorte de arbitrariedades, com “tribunais do crime”, assim chamados, para julgamentos inclusive de transgressões, ou o que o tráfico acredite sê-lo, e inclusive abuso sexual de menores por parte dos chefes da facção.

Tudo isso, frise-se, sem a devida indignação de inúmeros meios de comunicação, que praticamente “aceitaram” como fato impossível de ser modificado este estado de coisas.

A par disso, existe hoje no Rio de Janeiro o nível de armamentos sofisticados na posse de criminosos como jamais se viu em um país civilizado, salvante hipótese de guerra civil.

Com efeito, as chamadas operações de “GLO” (Garantia de Lei e Ordem), que ocorrem em todo o país e foram anteriores à intervenção, se deparam no Rio de Janeiro com uma situação atípica, que tecnicamente impede de serem as GLOs reconhecidas como tal.

Com efeito, garantir lei e ordem pressupõe as Forças Armadas efetuando funções policiais. Ora, em nenhum país do mundo a polícia enfrenta armamentos como fuzis, metralhadoras .50, ou, pior ainda, o uso de granadas. Tais operações, em todo o mundo, se dão apenas contra grupos conflagrados, ou de terrorismo, ou facções de uma guerra civil, jamais da criminalidade normal.

Mesmo o México, país com reconhecida violência por parte dos traficantes, não tem o uso normal de granadas contra as forças policiais no dia a dia, e lá as polícias fazem uso de metralhadoras pesadas, tipo .50, montadas até em caminhonetes, como se vê sistematicamente em reportagens policiais.

Pois bem, no Brasil apenas as Forças Armadas têm esse tipo de equipamento, e não têm autorização de seu uso nas “GLOs”. 

Criou-se aqui o que se poderia chamar de uma “guerra assimétrica invertida”. Guerra assimétrica, como todos sabem, é o termo empregado basicamente a partir da guerra do Vietnã em que guerrilheiros, usando armamento claramente inferior às forças militares, utilizavam-se de outros recursos, emboscadas, por exemplo, estando, porém, sem simetria de armas com a força militar.

Pelo uso demonstrado no dia a dia do Rio de Janeiro, ocorre exatamente o inverso. A criminalidade tem em seu poder inúmeros tipos de fuzis com miras optrônicas de última geração, metralhadoras .30 e .50, armas tipicamente militares em todos os países do mundo, e ainda fazem uso normal de granadas.

Evidentemente já não se cuida, conceitualmente, de GLO, e sim de operações militares onde a força militar, porém, não tem direitos de uso proporcional.

Aliás, esse fato é altamente repisado em órgãos de imprensa, como se o enfrentamento de grupos usando armamento militar pudesse ser feito apenas por convocações orais à prática da lei e da ordem.

Diante desse quadro aterrador, a intervenção do Rio de Janeiro assumiu e enfrenta dificuldades administrativas terríveis, a ponto de apenas em meados deste ano ter tido como desenhada a estrutura administrativa, que não havia no primeiro semestre.

Tanto é assim que apenas pessoal militar é que passou a integrar seus quadros até este momento, havendo evidentes dificuldades até mesmo para compra de material, com verba destinada e dificuldades burocráticas que impediram as licitações.

Todo esse quadro, porém, não desanimou a equipe da intervenção, que passou a investir seriamente na recuperação de pilares de disciplina e hierarquia das forças policiais estaduais, e ainda prestando efetivo auxílio material no que era possível.

Esses dados levaram a evidente diminuição da prática criminosa, por exemplo, em roubos de cargas, roubos de rua, roubos de veículo e latrocínio.

  • roubo de carga no Rio de Janeiro em julho de 2018: diminuição de 19% em relação ao mesmo período em 2017;
  • roubo de veículo no Rio de Janeiro em julho de 2018: diminuição em 29% em relação ao mesmo período em 2017,
  • roubo de veículo na região metropolitana do Rio de Janeiro em julho de 2018: diminuição em 31% em relação ao mesmo período em 2017;
  • roubo de rua no Rio de Janeiro em julho de 2018: diminuição em 12% em relação ao mesmo período em 2017[1].

Essas diminuições são dramáticas e nem sequer são alvo de reconhecimento.

A intervenção federal foi decretada, mas sua implementação não “foi para valer”, dando-se uma missão com inúmeras e terríveis dificuldades para o seu cumprimento e, pior, com prazo extremamente curto, a ponto de apenas quando praticamente esgotado o prazo é que, talvez, tenha dado tempo da compra dos primeiros materiais já autorizados.

Existe um ditado norte-americano que diz que para todo problema extremamente complicado se tem uma solução… Também extremamente complicada.

Deixou-se chegar a um estado de coisas inacreditável, com puro e simples domínio de amplíssimas áreas físicas por parte do crime organizado, com um armamento digno de forças militares, e se pretende agora, ingenuamente, no mínimo, que apenas com a oitiva de “especialistas em seguranças”, a maioria sociólogos, sem absolutamente nenhum conhecimento prático dos fatos, mudar-se uma realidade que por décadas se afirmou.

Como disse o grande juiz carioca Alexandre Abraão, “há uma tsunami de dor e sangue se aproximando”, e deixar a criminalidade absolutamente à vontade, sem o enfrentamento legal, já que a violência deve ser em regimes civilizados privativa do Estado, é entregar enorme parcela do povo brasileiro aos domínios do crime, fazendo-se de conta que isso é politicamente correto.


[1] Fonte: Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro.

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